Mais de 12 milhões de hectares do Amazonas são alvo de processos minerários ativos na Agência Nacional de Mineração, o que corresponde a cerca de 8% do Estado
O Estado do Amazonas conta, atualmente, com 2.857 processos minerários ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM), em várias fases de tramitação, atingindo uma área de aproximadamente 12.800.016 hectares, o que corresponde a cerca de 8% de todo seu território. Os processos minerários referem-se a 69 substâncias distintas, mas a maior parte da área requerida (34%) é para extração de minério de ouro, cujos requerimentos tiveram aumento de 342% em relação à média dos 10 anos anteriores.
Os dados acima fazem parte de um relatório técnico publicado na última semana sobre o panorama do interesse minerário no Amazonas. O documento foi elaborado pela organização indigenista Operação Amazônia Nativa (OPAN), em parceria com o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), a partir de informações do Sistema de Informações Geográficas da Mineração (Sigmine), banco de dados mantido pela ANM.
“Houve um aumento assustador na procura pelo ouro em 2020, muito por conta do momento político que estamos vivendo, mas também pela valorização do minério no mercado internacional” explica Renato Rodrigues Rocha, indigenista do Programa de Direitos Indígenas da Operação Amazônia Nativa (OPAN).
O momento político a que Rocha se refere está relacionado às tentativas do Ministério da Economia de facilitar o licenciamento ambiental para projetos de exploração minerária considerados “estratégicos” ao país e à tramitação do PL 191, que liberaria a mineração em Terras indígenas, pauta que é considerada prioritária pela base de apoio à Bolsonaro no Congresso.
Dentro deste contexto, o relatório aponta para vários indícios de irregularidades nos processos de cooperativas de garimpeiros, que têm pleiteado lavras de minério de ouro contíguas ou muito próximas entre si. Por lei, as cooperativas, que deveriam representar uma parcela artesanal do setor, podem requerer áreas até 10 mil hectares, quando localizadas na Amazônia Legal.
No entanto, o levantamento identificou áreas que ultrapassam 288 mil hectares requeridas por apenas uma cooperativa de garimpeiros em uma única sub bacia hidrográfica. “Esta prática evidencia um subterfúgio para driblar a legislação”, diz o relatório.
De fato, o documento aponta que mais de 90% de toda área requerida em processos de garimpo de minério de ouro no Amazonas estão sob a titularidade de apenas 10 cooperativas de garimpeiros.
Garimpo em Unidades de Conservação
Atualmente, existem 168 processos de Lavras Garimpeiras ou Requerimentos de Lavra Garimpeira em tramitação na ANM sobrepostos a mais de 600 mil hectares de áreas protegidas no estado do Amazonas, mostra o documento da OPAN.
Segundo Renato Rocha, mesmo com a atuação contundente do Ministério Público Federal na anulação de processos minerários sobrepostos a áreas protegidas no Estado, o relatório revelou que eles continuam a ser feitos.
“Houve uma decisão recente de anulação de todos os processos minerários sobrepostos a Terras Indígenas no Amazonas e, há algum tempo, outra decisão anulou requerimentos minerários sobrepostos a reservas extrativistas e unidades de conservação de proteção integral. Essas anulações aconteceram após ações civis movidas pelo Ministério Público Federal, mas ainda que elas tenham acontecido, o levantamento encontrou muitas sobreposições em unidades de conservação de uso sustentável, porque a legislação acaba protegendo menos essa categoria de UC”, explica.
De fato, o relatório revelou que 583.012 hectares de áreas inseridas em unidades de conservação de uso sustentável são pleiteados em processos de garimpo no Amazonas.
Por determinação do Ministério Público Federal, atividades minerárias podem ser realizadas nesse tipo de unidade de conservação apenas em caráter excepcional, desde que expressamente previsto no Plano de Manejo da Unidade. O relatório mostrou, no entanto, que apenas 2 das 19 UCs alvo desses processos autoriza expressamente em seus Planos de Manejo a realização de atividades minerárias.
Outros 13,8 mil hectares são pleiteados pelo setor garimpeiro em sobreposição a Reservas Extrativistas, 2,9 mil hectares em sobreposição a Unidades de Conservação de proteção integral e 1,6 mil hectares sobre Terras Indígenas, áreas onde a mineração é impedida por lei.
Além disso, o relatório chama a atenção para a ameaça no entorno de Terras Indígenas: foram identificados 100 processos de garimpo localizados a menos de 10 km de 37 TIs no Amazonas.
“O mercúrio utilizado no garimpo pode chegar até o corpo humano através do consumo da água, peixes e carne de animais contaminados, ou mesmo pela atmosfera […] Um estudo realizado em São Luiz do Tapajós, região do estado do Pará com alta incidência de extração de ouro através do garimpo, mostrou que 80% das crianças nascidas nesta região sofrem alterações de inteligência em virtude da contaminação por Metilmercúrio”, diz parte do documento.
O relatório ressalta ainda que, embora os impactos do garimpo e mineração sejam amplamente conhecidos, a tramitação de milhares de processos minerários no Amazonas ocorre sem que povos indígenas e comunidades tradicionais sejam minimamente informados, a despeito do direito de Consulta de Consentimento Livre, Prévia e Informada, garantido a estas populações a partir da ratificação pelo Estado brasileiro da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Embora os processos minerários estejam em diferentes fases de tramitação na ANM e muitos deles ainda necessitem percorrer alguns passos para obterem as permissões legais de operação, a sinergia entre setores conservadores do Congresso Nacional e o Palácio do Planalto em relação a pautas ecocidas e genocidas podem acelerar a qualquer custo o andamento destes processos, colocando em risco povos indígenas, populações tradicionais e toda a sociedade nacional ao violar o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, conforme preconiza o Artigo 225 da Constituição de 1988”, diz o documento.
Fonte: O Eco
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