“A borracha pode ser o epicentro de um novo modelo econômico, mas isso exige ação coordenada, inovação tecnológica e vontade política. Este é o pensamento do IDESAM, instituição responsável pelo PPBIO, Programa Prioritário de Bioeconomia da SUFRAMA. “Sem isso, corremos o risco de assistir a mais um ciclo de prosperidade passageira, seguido por um novo colapso. Desta vez, temos o conhecimento e os recursos para evitar essa repetição. A questão é: estamos dispostos a dar o próximo passo?”
Coluna Follow-Up
Depois de mais de um século, o embarque de mais de 50 toneladas de borracha nativa da Amazônia com destino à Bahia, encerrando a safra de 2024, não é apenas um marco logístico. É motivo de uma reflexão do país sobre este imensurável patrimônio natural. E de atitudes inadiáveis para um novo parâmetro de inteligência e sustentabilidade na gestão desses recursos oriundos da floresta. Representa um capítulo promissor na longa e acidentada história da cadeia produtiva da borracha na Amazônia e o olhar desatento da gestão nacional.
Após décadas de abandono e desestruturação, organizações comunitárias, ONGs, empresas e institutos de pesquisa uniram forças para revitalizar essa atividade, outrora responsável por um dos períodos mais prósperos da economia amazônica. Mas, diante das lições do passado, a pergunta que precisa ser feita é: até que ponto essa recuperação se sustenta sem uma verdadeira revolução estrutural?
Uma Cadeia Retomada, Mas Ainda Fragmentada
Desde 2022, iniciativas como o projeto Juntos pela Amazônia – Revitalização da Cadeia Extrativista da Borracha, coordenado pelo WWF-Brasil, têm buscado resgatar a produção de borracha nativa. Os números são expressivos: em apenas três anos, a produção saltou de 60 para 160 toneladas, envolvendo hoje cerca de 500 seringueiros. No entanto, o que se observa ainda é um modelo produtivo desconectado das oportunidades que poderiam consolidar essa retomada.
A ausência de uma estrutura industrial local obriga a borracha a percorrer milhares de quilômetros para ser beneficiada antes de retornar à região de origem, evidenciando o mesmo erro do ciclo histórico da borracha: a falta de verticalização. Sem um parque industrial que agregue valor à matéria-prima, a região amazônica continua relegada à função de fornecedora de insumos brutos, um modelo econômico ultrapassado que já se provou insustentável.

Oportunidades Perdidas e o Desafio da Verticalização
O primeiro ciclo da borracha (1879-1912) foi uma era de ascensão fulminante e queda ainda mais abrupta. Apesar da riqueza gerada, a Amazônia nunca investiu em indústrias que dessem destino próprio à borracha. Quando as plantações do Sudeste Asiático começaram a atender ao mercado mundial com eficiência superior, o colapso foi inevitável. Hoje, um século depois, a pergunta que se impõe é: vamos repetir o erro?
A produção sustentável da borracha pode ser o eixo central de uma nova economia amazônica. Mas, para que isso aconteça, a cadeia produtiva precisa ser adensada, diversificada e interiorizada. Isso significa criar indústrias locais de processamento, desenvolver novas aplicações biotecnológicas e integrar essa economia com outras cadeias produtivas amazônicas.
A Michelin já demonstrou interesse em fortalecer a cadeia sustentável da borracha na Amazônia. A marca de calçados Veja também adotou a borracha nativa em sua linha de produção, valorizando o insumo na moda sustentável. Mas essas iniciativas ainda são isoladas. Além das empresas de Duas Rodas, instaladas no Polo Industrial de Manaus, podemos atender as grandes montadoras, que poderiam viabilizar a produção de pneus na região. Onde estão as fabricantes de componentes médicos, bioplásticos e selantes industriais que poderiam transformar essa borracha em produtos de alto valor agregado?
Biotecnologia e Novos Caminhos para a Borracha
A Amazônia não pode mais ser apenas um entreposto de matéria-prima. A biotecnologia surge como uma aliada essencial nesse processo de transformação. Pesquisas conduzidas por instituições como a Embrapa e universidades da região já apontam para novas possibilidades, como a produção de borracha com propriedades aprimoradas e aplicações na indústria biomédica. A inovação precisa deixar os laboratórios e chegar às fábricas.
A diversificação dos produtos derivados da borracha pode criar um mercado sólido e resiliente. Imagine um polo industrial na Amazônia voltado para a fabricação de bioadesivos, polímeros para a construção civil e até compostos para impressão 3D. Isso não apenas garantiria maior competitividade para a borracha nativa como evitaria os riscos de uma economia monodependente.
Mobilizar a Indústria e o Governo: Uma Necessidade Urgente
Se há algo que o fracasso do primeiro ciclo da borracha ensinou, é que a ausência de planejamento econômico estratégico condena qualquer boom produtivo à extinção. Agora, diante da oportunidade de construir um novo modelo, a mobilização precisa ser ampliada.
O governo federal, por meio de políticas públicas, deve incentivar a instalação de unidades de beneficiamento dentro da Amazônia. Linhas de crédito precisam ser direcionadas a empresas que queiram investir na região. Programas de incentivo fiscal, como aqueles aplicados na Zona Franca de Manaus, poderiam ser direcionados para a cadeia produtiva da borracha.
A indústria nacional já enxergou o potencial dessa matéria-prima. Ironicamente, o Estado de São Paulo, que atraiu os investidores do Ciclo da Borracha para empinar o Ciclo Cafeeiro, hoje usa nanobiotecnologia para ajustar as biomoléculas e produzir clones para as diversas demandas de seringueira. A tecnologia é da Embrapa Instrumentação de São Carlos – SP. As grandes montadoras brasileiras terão uma chance histórica de construir uma cadeia de suprimentos verdadeiramente sustentável e alinhada às exigências globais de ESG. Sem falar que todos os veículos de duas rodas terão os insumos de seus pneus com látex produzido nas fazendas de borracha da Amazônia.

Uma Nova História Para a Borracha
O envio da borracha para Salvador, para ser beneficiada e só depois retornar à Amazônia, simboliza uma contradição histórica. O potencial econômico da região continua sendo escoado para longe sem que sua população possa usufruir plenamente dele. Se o Brasil deseja realmente transformar a Amazônia em um polo de desenvolvimento sustentável, é preciso fazer o que não foi feito antes: industrializar a floresta sem derrubá-la.
A borracha pode ser o epicentro de um novo modelo econômico, mas isso exige ação coordenada, inovação tecnológica e vontade política. Este é o pensamento do IDESAM, instituição responsável pelo PPBIO, Programa Prioritário de Bioeconomia da SUFRAMA. “Sem isso, corremos o risco de assistir a mais um ciclo de prosperidade passageira, seguido por um novo colapso. Desta vez, temos o conhecimento e os recursos para evitar essa repetição. A questão é: estamos dispostos a dar o próximo passo?”
(*) Coluna follow-up – sob a responsabilidade do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, e coordenação editorial de Alfredo Lopes, é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras no Jornal do Comércio do Amazonas e no portal BrasilAmazôniaAgora.com.br