“Tratar a região com fidelidade ao seu potencial não significa apenas preservar o que tem que ser preservado. Estamos falando da maior oportunidade de toda história do desenvolvimento brasileiro, de fazer algo que sempre tentamos e falhamos. O desenvolvimento da Amazônia não se encerra na Amazônia. Se trata sobre colocar o Brasil em outro patamar.”
Por Igor Lopes
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Pra quem acompanha o cenário, tem ficado claro que o capital nacional e o estrangeiro tem alimentado crescentemente as próprias expectativas em relação à Amazônia. Isto é legítimo dada a grande alternativa de negócios lucrativos oriundos da biodiversidade como também para alimentar o valoroso selo da sustentabilidade para quem decide investir na região.
Contudo, é preciso entender qual é a dinâmica do capitalismo global de nosso tempo, situando o capitalismo tupiniquim, e por sua vez, suas ligações com a dinâmica econômica regional – em ato e em potência. Sem esse entendimento com profundidade, a chance de insucesso das tentativas de negócios amazônicos na direção do desenvolvimento regional e nacional não apenas correm o risco de fracasso, mas sobretudo de não alcançarem todo o seu potencial trilionário existente na imensidade de potencialidades da floresta.
Negócios estrangeiros como o projeto Jari, ou mais atrás, a Fordlândia, supostamente planejados, revelaram-se fracassados na comparação das expectativas e resultados finais. No caso do óleo de palma (dendê) foi preciso muita reviravolta para assegurar os primeiros resultados com muito empenho para não serem atropeladas pelos modelos de negócios estranhos à região. Nenhum dos investimentos deixou um nível satisfatório de desenvolvimento econômico e social possível dada as condições existentes.
Dizendo de outro jeito, existe todo um ensaio de desenhos estruturais possíveis de formatação de cadeias de valor para viabilizar o potencial econômico da Amazônia. O extrativismo do século passado era um. Com este foi possível alguma concentração e geração de riqueza, o desenvolvimento de determinados pontos em detrimento de outros. No limite, hoje em dia, um desenho de altíssima industrialização com sofisticação tecnológica geraria por si toda uma nova dinâmica de valor e desenvolvimento. E claro, entre essas duas, uma série de possibilidades, riscos, retornos, escolhas e renúncias. Até o momento, a única fonte de riqueza que tem mais de 50 anos, é o programa de contrapartida fiscal que se revelou eficaz em atender a compulsão fiscal da Receita, provocando inaceitáveis IDHs na região.
Nenhum modelo do século passado servirá para a região. Na realidade parecerá verdadeira panaceia perante toda a enormidade, riqueza e potencialidade da Amazônia. Contudo, pode-se ter até um alto grau de modernidade técnica e pesado investimento, porém se defasado em considerar os problemas, as contradições, e as ambições fiéis da região, tomará o mesmo destino das outras tantas tentativas de empreendimentos.
O desenvolvimento sustentável, o ambientalismo, a bioeconomia, as preocupações com o clima, são todos, cada vez mais, lugar comum – no sentido de serem óbvios. Não errados. Mas são questões que não aceitam mais discordância. O problema surge na medida que essa unanimidade esconde para os mais apressados quais configurações de operacionalização teremos, quais os nortes mais reais, e quais os níveis de ambição frente ao desafio e seus retornos trilionários. Ao mesmo tempo, dada a prioridade próxima a zero pelo governo federal para a região, resta perguntar: Que lugar a Amazônia terá no Brasil? E que patamar de prioridade ela precisaria estar para começo de conversa? Em qualquer cenário isso não poderá ser dissociado do lugar que o Brasil se posiciona no mundo, e como vai se comportar em sua divisão internacional do trabalho. Nos anos 70, por exemplo, o Brasil precisava de saídas para a crise do petróleo e pôs em prática o programa do álcool, obtendo notório sucesso. O mesmo se deu com a Embraer e com as fontes alternativas de energia em relação aos combustíveis fósseis.
De Mario Henrique Somonsen e Eugênio Gudin até hoje, liberais ortodoxos e neo-desenvolvimentistas parecem colocar ainda a mesmo questão de “Que Brasil nós teremos?”.Para além do debate fiscal de teto de gastos que virou o centro de todo debate de economia, pouco mais se fala sobre um projeto nacional. À exceção do programa Embrapa de agricultura a partir da Ciência, que desembarcou em 50% da balança comercial, a questão central do debate nacional resta travado. E ao se destravar essa necessidade, o passo seguinte será administrar as divergências no seu conteúdo. E é neste momento que a Amazônia, a depender de seu prestígio político – que é pífio – e da pressão internacional – que tem seus interesses bem delineados – ganha um patamar de primeira grandeza – ou pelo menos assim deveria.
O Brasil se destacou por tentar ser – e ser de fato – em alguma medida, o “celeiro do mundo”. Um país agroexportador, que se desindustrializa cada vez mais desde o plano real, mas que conquistou um patamar importante de vendedor de commodities que são, por definição, produtos de baixo ou nenhum valor agregado. Estes ativos, porém, se valorizam à luz de delicadas questões de segurança alimentar. Os países que se candidataram à liderança mundial tem por vezes populações com explosiva demografia que precisam se alimentar para não derrubar seus governantes. Temos água, sol e a Embrapa, mas isso não significa abrir mão das conquistas e demandas globais de produção e consumo da cadeia de suprimentos. A pandemia foi um alerta para a dependência da Ásia. E mais: não dá pra treinar todo um país para produzir alimentos. A China, historicamente, fazia assim. Até que um dia…
Contudo, padece de sentido a ideia predominante na política de desenvolvimento nacional de transformar a Bioeconomia da Amazônia em mera extensão desse projeto como se ele fosse capaz de esgotar a dimensão astronômica do potencial que existe na Amazônia. Como também parece que é mais-ou-menos essa a ideia que se tem para impulsionar a região no discurso médio crescente. No Plano Diretor da Embrapa 20/30 isso se revela sutilmente no capítulo V. Ou seja, se optarmos por deixar as coisas acontecerem, será inevitável ver brilhar uma ideia insana de transformar a Amazônia como mais um simples fornecedor de commodities.
Venderemos açaí para o mercado nacional e internacional, teremos vários sabores de sorvetes exóticos e pratos saborosos. Novamente, tudo isso ainda parece demasiado tímido perto do potencial que temos latente no bioma. Observem a bagagem de seus amigos que vem de Miami com a diversidade de produtos industrializados a partir do Açaí, febre semelhante ao cacau, originário da Amazônia. Quantos medicamentos a biodiversidade amazônica fornece hoje para a indústria farmacêutica nacional de genéricos? Será que não temos capacidade nem vontade política para fazer produtos de altíssimo valor agregado para competir no mercado internacional? É óbvio que a primeira etapa deste movimento tem que passar pelo máximo desenvolvimento pra região e para o país. Mas também não é essa a alternativa que mais dá sentido à floresta em pé? A que mais gera emprego? A que gera melhores empregos? A que mais demanda e assim estimula a educação? A que gera infinitamente mais riqueza? Biodiversidade, biotecnologia, nanobiotecnologia, quarta revolução industrial. O país desconhece o Programa Zona Franca de Manaus. Lá existe a instalação/predomínio crescente da Indústria 4.0, um Polo Digital em plena ebulição e uma experiência fabril de primeiro mundo há mais de cinquenta anos.
Como o Brasil trata este ativo que ajuda a gerar milhares de empregos por toda a Amazônia a assim ajuda a evitar que a floresta vire meio de subsistência na Amazônia Ocidental. Apesar disso, a Zona Franca de Manaus é atacada sistematicamente por uma visão completamente rasa do que é a região. Erigem o Programa ZFM a uma abstração, uma espécie de conta de padaria, sem avaliar as especificidades da região, seus acertos, e pior: sem propor nada pro lugar.
Não seria adequado promover uma campanha ousada de comunicação para chamar a atenção para a resposta robusta que este programa representa para o Brasil? Ora, são consistentes os resultados deste programa mas são tímidos os instrumentos de sua defesa. É vesgo e insano o movimento acabar com o programa. Muito mais sem sentido é transformar o Brasil no grande hortifruti pecuário do Brasil. A defesa do Programa ZFM é fraca por não ter a sistematização necessária, e por conta disso menos força política no debate das ideias. Fraca porque falha em entender qual é o espírito do nosso tempo. Falha porque sua defesa política pode até dissuadir o atual ministro da Economia, ávido por cortar suas compensações fiscais, mas por não entender que o ímpeto de cortá-los está principalmente diluído entre os atores do capitalismo nacional ali presentes. Vem do movimento do capital do nosso tempo. E que continuará a colocar o Programa ZFM na reta. Se não for cortado agora, continuará ameaçada no próximo governo, e no próximo, e no próximo, se ela não for, finalmente, não apenas defendida, mas usada como arma de ataque. Afinal, o ataque é a melhor defesa.
Ataque não no sentido baixo de disputar benefícios com outras regiões. Mas de propor, a partir de um modelo já existente, sua superação para a melhor saída para a região – o melhor uso do programa, para além dos seus já sabidos acertos. Aliás, mais do que isso, propor a resolução condizente para essa que é a grande vantagem comparativa do Brasil: a imensidão amazônica!
Em específico, não é apenas injusto com um dos estados que mais colaboram com a União. Nem apenas uma injustiça moral com o Norte do Brasil, portador de IDHs africanos: É completamente irrazoável. É o mesmo que usar uma Ferrari para fazer delivery de aplicativos. É uma ofensa ao seu potencial. Enfim, não se trata aqui de propor alguma grande novidade. O que aflige a quem conhece e se compromete com a região é ver o vácuo de organização dos vários conhecimentos também já existentes.
Pode-se ver em todos os cantos, discursos, especialistas, que colaboram com essa visão, mesmo vindo da boca de quem mal sabe onde fica a Amazônia. É notório o esforço de vários intelectuais pra tratar a região como sua grandeza demanda. Temos até um raríssimo caso de empresário-intelectual como Denis Benchimol Minev, neto do notável Samuel Benchimol, peça raríssima no Brasil de intersecção da elite econômica com a elite intelectual. Mas não podemos depender de pessoas. Indivíduos, sozinhos, não são nada. Ele existem, ganham e oferecem virtudes sempre em contextos. Falta projeto. Falta discurso afiado. Falta organização. É preciso sistematizar, institucionalmente, uma nova narrativa que seja coerente ao tamanho do desafio e de suas recompensas. O conhecimento está aí. Os recursos, em alguma medida, também! Claro, evidentemente, tanto um quanto o outro, nunca são o bastante.
Tem-se por aí uma série de Think Tanks: Instituições, normalmente vinculadas a empresas ou universidades, que tentam justamente sistematizar e sobretudo emplacar discursos para, no fim, grosso modo, auxiliar na formulação de políticas públicas. Por que não criar uma intersecção entre Universidades (P&I), Empresas, Indústrias, Autarquias, Veículos de Mídia e Sociedade Civil? Arranjos que não apenas acumulem e crie organicidade propositiva de todos os conhecimentos disponíveis que o assunto toca, de forma interdisciplinar, mas que considere os conhecimentos oriundos da região dada a sua enorme especificidade – sendo estes os que darão o tom que contornará a sistemática.
Devemos criar nós mesmos os meios que microfonarão esse novo discurso amazônico! A melhor defesa dos interesses da região será dada na mistura da técnica e do conhecimento científico, com os anseios de quem vive e conhece a região na prático do trabalho.
“Tratar a região com fidelidade ao seu potencial não significa apenas preservar o que tem que ser preservado. Estamos falando da maior oportunidade de toda história do desenvolvimento brasileiro, de fazer algo que sempre tentamos e falhamos. O desenvolvimento da Amazônia não se encerra na Amazônia. Se trata sobre colocar o Brasil em outro patamar.”
A urgência para a formatação desse projeto não se encerra na emergência da questão climática, nem apenas em dar o antídoto à todo o descalabro nos órgãos ambientais protagonizado pela gestão atual de Ricardo Salles e seu chefe lunático. Mas está na atual barbárie civilizatória na região, na corrida por qual projeto vencerá, e na mão de quem as riquezas geradas ficarão. A prioridade é de primeira. O alarme é pra ontem!
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