Nesta entrevista exclusiva a Alfredo Lopes no Portal Brasil Amazônia Agora, Denis Minev, diretor-presidente da Bemol, parceiro-fundador do portal e um dos grandes nomes do empreendedorismo e do desenvolvimento sustentável na Amazônia, compartilha suas visões e experiências sobre os entraves e oportunidades para desenvolver a região. A conversa abordou temas como a influência de seus antepassados na construção de sua visão sobre sustentabilidade, o papel essencial da ciência e tecnologia na criação de alternativas econômicas, a diversificação produtiva, a recuperação de áreas degradadas e os desafios logísticos e sociais da região. Minev também reflete sobre o equilíbrio necessário entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental, deixando mensagens inspiradoras para empreendedores que desejam atuar na Amazônia.
BAA Entrevista
Alfredo Lopes conversa com Denis Benchimol Minev
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Sobre a História e os Antepassados
Alfredo Lopes – Sua família tem raízes profundas na Amazônia e é reconhecida como pioneira no desenvolvimento da região. Como essa herança influenciou sua visão sobre desenvolvimento sustentável?
Denis Minev – Chegamos à Amazônia por volta de 1850, judeus refugiados do Marrocos. De um início como regatões, vivemos todos os ciclos da região desde então, prosperando nas últimas gerações principalmente devido ao sucesso da Bemol e da Fogás. Como família, já investimos em muitos negócios diferentes – de plantação de laranja a fábrica de isopor, de shopping de e-commerce a exportação de óleos e essências.
Esse exemplo nos move hoje, de buscar oportunidades empresariais na região com implicações positivas tanto sociais quanto ambientais.
BAA – Quais lições dos seus antepassados você considera mais relevantes para os desafios atuais da Amazônia?
DM – A principal lição é que nada substitui o conhecimento. Dizia meu bisavô Isaac, o mundo marcha para aquele que mais souber. Na versão moderna do mercado, é o que hoje chamamos da economia do conhecimento. Conhecimento este que pode ser tanto acadêmico e teórico, quanto prático, através da experiência. Creio que temos a vantagem de buscar o conhecimento global, das melhores práticas empresariais do mundo, e combiná-lo com o conhecimento local, de entender as diferentes amazônias e as especificidades de cada uma nos nossos empreendimentos.
Por exemplo, no momento estamos muito dedicados ao tema da inteligência artificial, principalmente modelos como ChatGPT, Gemini e Claude, que nos parecem ser a maior transformação que teremos nas nossas vidas, maior inclusive que a internet ou o celular. Inclusive, se puder dar uma dica para cada um, gaste no mínimo 10 horas entendendo como esses modelos já podem lhe ser úteis – só tem um jeito, mexendo você mesmo.
Sobre Sustentabilidade e Bioeconomia
BAA – O senhor afirmou que a bioeconomia não é o único caminho para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Quais são as principais alternativas que visualiza?
DM – Na Amazônia todas as alternativas de uma economia moderna devem estar disponíveis. A bioeconomia é um aspecto importante devido ao bioma, mas não devemos nos restringir a ela. Temos magníficos exemplos de empreendedorismo na região que não estão ligados à bioeconomia. Apenas dois exemplos. Desenvolvemos a partir da Bemol uma fintech chamada UME que levantou recursos com valoração de mais de R$300 milhões.
Também investimos em uma inovação de dois amazonenses no ITA onde buscam desenvolver um ecranoplano para resolver problemas logísticos na região mas que também servirá em qualquer lugar no mundo. A maior parte da população amazônica é urbana e hoje o que impera no mundo desenvolvido em áreas urbanas é a economia do conhecimento, seja ela ligada à bio ou não.
BAA – Como o senhor vê o papel da ciência e tecnologia na criação de alternativas econômicas para a região?
DM – C&T é essencial para o futuro da região. Há dois aspectos aí. Um, os ganhos de produtividade possíveis a partir da tecnologia. Precisamos desenvolver uma ciência que cubra toda a cadeia, desde a ciência básica à produção de tecnologia ao mercado. Hoje pecamos na transição da bancada ao mercado, o que faz com que a ciência tenha pouco apoio popular. Dois, a formação de recursos humanos de alta produtividade, principalmente nos campos de STEM (ciências, tecnologias, engenharias e matemáticas).
Não será possível construir uma boa economia (ou mesmo uma boa sociedade) sem termos uma parcela significativa dela trabalhando e empreendendo em campos que requerem um grande volume de conhecimento. Voltamos ao tema central, que é a construção de uma economia do conhecimento.
BAA – Que ações podem ser tomadas para capacitar o capital humano local e integrar a população amazônica nesse processo?
DM – Aqui creio que primeiro é preciso uma grande visão para mobilização. Hoje não conseguimos imaginar o que quer dizer uma sociedade próspera na Amazônia. Imagino algumas vertentes: uma sociedade com logística e conectividade profundas, onde conhecemos o bioma com profundidade, onde aproveitamos bem o território, evoluindo para um extrativismo tecnológico e a utilização produtiva de áreas degradadas. A partir de um punhado de visões conjuntas, é possível construir políticas públicas (de infraestrutura e de capacitação) e mobilizar o espírito empreendedor em direção a um destino próspero.
Sobre o Conceito de Rematamento
BAA – O conceito de rematamento é inovador. Como surgiu essa ideia e quais são os principais desafios para sua implementação em larga escala?
DM – Não gosto do termo usual, “restauração florestal”. Parece algo que se faz num museu. O que precisamos é de uma grande mobilização nacional (e até internacional) para financiar e operar a utilização de áreas pouco produtivas na Amazônia. Dos cerca de 500 milhões de hectares da Amazônia brasileira, há 90 milhões desmatados, dos quais cerca de 70 milhões são de baixa ou nenhuma produtividade econômica. Extrair máxima produtividade deles seria transformador não apenas para a economia regional, mas também para o Brasil e para o mundo.
Por exemplo, quanta proteína seria possível produzir com 1 milhão de hectares de piscicultura. 1 milhão de hectares de sistemas agroflorestais conseguiriam produzir um volume de alimentos suficientes para a população brasileira toda. Quanto carbono poderiam armazenar? Quanta madeira seria possível produzir? E se desenvolvessem tecnologias para torná-los mais produtivos que o conhecimento atual permite?
BAA – O senhor acredita que a recomposição florestal pode se tornar um negócio lucrativo? Que exemplos práticos existem disso?
DM – Sem dúvidas, hoje já existem exemplos de empresas investindo volumes grandiosos de recursos em busca de construir essa nova economia. O melhor exemplo que conheço é uma empresa chamada Belterra, que está revolucionando a utilização de terras degradadas onde ela opera. Mas precisamos de escala e ambição.
BAA – Como equilibrar a recuperação de áreas degradadas com as necessidades econômicas e sociais das comunidades locais?
DM – As áreas degradadas são a melhor oportunidade de geração de emprego, renda e segurança alimentar que nossos interiores têm. É preciso buscar o mais rápido possível a máxima produtividade econômica para essas áreas. Seja para alimentos, seja para madeira, seja para armazenar carbono. Creio que a melhor política pública possível seria espalhar exemplos pelo território. Por exemplo, subsidiar a implantação de sistemas agroflorestais em cada um dos mais de 500 municípios da Amazônia seria transformador pelo exemplo. 50 hectares de SAF produziria um enorme volume de alimentos para as cidades, que deixaria de depender tanto de produtos vindos de fora e passariam até a exportar produção, algo que hoje é muito pequeno para a maioria dos nossos municípios.
Sobre Diversificação e Produtividade Econômica
BAA – A diversificação econômica é essencial para a Amazônia. Quais setores você acredita que têm mais potencial para crescimento sustentável na região?
DM – Focaria no desenvolvimento de aspectos da economia do conhecimento. O que torna o interior de São Paulo tão produtivo? É o capital humano. O que torna um país desenvolvido – novamente, capital humano. Podemos buscar mesclar o capital humano com a floresta, seria glorioso, mas o capital humano é mais essencial que a floresta na criação dessa economia. Há muitos segmentos que poderiam florescer, do turismo à biotecnologia, mas sem os humanos qualificados, não futuro.
BAA – Quais são as principais barreiras para o aumento da produtividade na Amazônia e como superá-las?
DM – Temos barreiras complexas, na sua maioria ligadas à logística. A Amazônia tem um problema geográfico (enormes distâncias com rios tortuosos), demográfico (população de baixa densidade) e econômico (renda baixíssima, com pouca produção e grande dependência de transferências federais). Esses três problemas fazem com que a logística seja caríssima para tudo, desde a saúde até a conectividade (fibra óptica). Do transporte até o saneamento. É preciso tanto de subsídios quanto de infraestrutura e inovação.
BAA – Que papel o comércio eletrônico, como o da Bemol, pode desempenhar no estímulo à economia local?
DM – O comércio eletrônico incrementa a competitividade do varejo, o que faz com que os consumidores tenham acesso a mais produtos, melhor serviço e preços melhores. Se a vida no interior custo o dobro da vida na capital, então a mesma renda gera apenas metade dos benefícios. É preciso reduzir essa disparidade. O comércio eletrônico é uma das soluções.
Reflexões Finais
BAA – O senhor acredita que é possível alcançar um equilíbrio entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental na Amazônia?
DM – Precisa ser possível. Nós precisamos ser capazes de construir essa possibilidade. Todos vivemos a seca deste ano, que teve consequências enormes e tem o potencial de, se repetida com frequência, inviabilizar boa parte do nosso território, tornando-o inabitável por uma sociedade moderna. Manaus todo ano é coberta por fumaça que torna a cidade uma das mais poluídas do mundo. Não é aceitável, não é tolerável. Como dizia meu avô Samuel Benchimol, o futuro não acontece por acaso, ele é fruto do nosso planejamento e do nosso trabalho como sociedade.
BAA – Que mensagem deixaria para os jovens empresários que desejam atuar na região?
DM – Primeiro que não precisa ser jovem, pode ser qualquer empresário. Nada substitui o conhecimento. Neste momento, a inteligência artificial me parece a melhor oportunidade que temos para aprender e ganhar produtividade. Todos os negócios vão precisar aprender a usar. A partir de agora acredito que a economia do conhecimento será baseada no alicerce da inteligência artificial, aprenda a usar.
BAA – Qual é a sua maior esperança para a Amazônia nos próximos 20 anos?
DM – Que consigamos construir uma visão de prosperidade e que comecemos a dar passos largos em direção a ela.
Denis Minev é diretor-presidente da Bemol e cofundador da Fundação Amazonas Sustentável, do Museu da Amazônia, da plataforma Parceiros Pela Amazônia e parceiro do portal BrasilAmazôniaAgora. É também investidor em diversas startups amazônicas nos segmentos de bioeconomia, carbono, logística e turismo e serviu como Secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas. Em 2012, foi selecionado Young Global Leader do Fórum Econômico Mundial.