Artigo de Sandro Breval e Alfredo Lopes
Em meio às contradições de um território rico em biodiversidade, mas historicamente negligenciado em políticas estruturantes, surge uma ideia potente como cura para a desigualdade: a criação de um Data Space com os dados de saúde da Amazônia, começando pelo estado do Amazonas. Mais do que uma proposta técnica, trata-se de um passo civilizatório. Um gesto de respeito com as populações amazônicas. Uma semente de soberania sobre nossos próprios corpos e territórios.
Ciência a Serviço do Povo
A proposta foi gestada no calor colaborativo do Amazonia Health Datathon 2025, evento internacional realizado em Manaus de 9 a 11 de junho, reunindo pesquisadores do MIT, Harvard, Oxford, Mayo Clinic, além de especialistas locais e instituições como o INPA, Hospital Samel e universidades brasileiras. Durante três dias, estudantes, médicos, cientistas de dados e profissionais da saúde enfrentaram um desafio comum: transformar dados reais – de saneamento, hospitalizações, clima e condições socioeconômicas – em soluções para os problemas concretos da região, como doenças tropicais, respiratórias e a ausência de infraestrutura sanitária adequada.
Mais do que um exercício acadêmico, o Datathon expôs a carência de um sistema integrado de dados de saúde na Amazônia. As equipes demonstraram que, ao cruzar informações ambientais, clínicas e sociais, é possível antecipar surtos, otimizar recursos hospitalares e subsidiar políticas públicas mais eficazes.
O Centro de Dados como Política Pública
A ideia de um Centro de Inteligência em Saúde Amazônica nasce dessa constatação. Com base em dados confiáveis, organizados e interoperáveis, esse centro teria três pilares:
- Monitoramento contínuo da saúde da população, com foco em doenças endêmicas, síndromes respiratórias e impactos das mudanças climáticas.
- Integração com dados ambientais e de biodiversidade, conectando saúde humana, animal e ecossistêmica — visão alinhada ao conceito de One Health.
- Tradução de dados em políticas públicas orientadas por evidências, com foco em áreas rurais, comunidades tradicionais e periferias urbanas.
Mais do que um repositório, esse centro seria uma plataforma viva de inteligência, com governança colaborativa entre universidades, instituições públicas, organizações indígenas, centros de pesquisa e a sociedade civil.

Pesquisa e Soberania: As Instituições da Floresta
Duas instituições-chave são apontadas como base técnica e científica dessa transformação: o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), referência internacional em biodiversidade, e o núcleo de excelência em doenças tropicais da região. Ambos oferecem décadas de dados e expertise que, se integrados e organizados com apoio da ciência de dados, podem servir como vetor de soberania sanitária e ambiental.
A parceria com centros internacionais, como os laboratórios do MIT que participaram do Datathon, deve seguir, mas a liderança do projeto precisa ser local. Afinal, a Amazônia precisa de ciência que se traduza em bem-estar para o seu povo — e não apenas em papers para o Norte Global.
Caminhos para o Futuro
A implementação desse Centro de Dados, Data Space exige vontade política, articulação federativa e financiamento consistente. No entanto, o caminho já foi iniciado. O Datathon de 2025 foi mais que um evento — foi um manifesto coletivo pela vida.
Que a energia dos jovens cientistas, a sabedoria dos povos da floresta e a indignação de quem vive os dramas da saúde pública amazônica se convertam em mobilização. O dado pode ser frio, mas sua organização em favor do bem comum é o que torna possível políticas quentes — humanas, eficazes, justas. Porque cuidar da Amazônia é, antes de tudo, cuidar de quem vive nela.