Amazonas: riqueza federal, pobreza local – a contradição da Zona Franca e o desafio da Inclusão Social”

“Dados do IBGE mostram que mais da metade da população da capital do Amazonas vive em condições de favelização, uma situação que desafia as promessas de desenvolvimento regional associadas aos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus.”

Por Nelson Azevedo
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O estado do Amazonas, apesar de ser um dos principais contribuintes da arrecadação federal brasileira, enfrenta um paradoxo em sua realidade socioeconômica. Embora a Zona Franca de Manaus (ZFM) tenha promovido um crescimento econômico considerável desde sua criação, a qualidade de vida da população local não reflete adequadamente essa riqueza. Dados do IBGE mostram que mais da metade da população de Manaus vive em condições de favelização, uma situação que desafia as promessas de desenvolvimento regional associadas aos incentivos fiscais da ZFM.

Indústria robusta 

A ZFM, hoje, é muito mais do que um polo de montagem. O modelo foi idealizado para substituir importações e fortalecer a indústria local, reduzindo a dependência do mercado interno de produtos estrangeiros. Desde os anos 70 e 80, quando as atividades eram amplamente baseadas em montagem e importação de insumos, o Polo Industrial de Manaus (PIM) avançou significativamente. Empresas de classe mundial, como a Moto Honda da Amazônia, alcançam elevados níveis de verticalização, com mais de 90% em alguns modelos de motocicletas. Esse avanço demonstra que o Amazonas, ao contrário da imagem de simples montagem industrial, possui uma indústria robusta e cada vez mais tecnológica.

Dados do IBGE mostram que mais da metade da população da capital do Amazonas vive em condições de favelização, uma situação que desafia as promessas de desenvolvimento regional associadas aos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus.
foto: Divulgação/Honda

Falta diversificação 

Porém, embora o PIM responda por 85% da atividade econômica do estado e contribua com cerca de 30% da riqueza da região Norte, ainda há gargalos que limitam o impacto desse desenvolvimento na vida da população local. Entre eles, destacam-se a subutilização de insumos regionais, a necessidade de maior diversificação e adensamento das cadeias produtivas e a carência de estratégias para interiorizar o desenvolvimento.

Bioeconomia e Biotecnologia 

Embora o PIM seja o coração econômico do Amazonas, sua ênfase em alguns setores, como o eletroeletrônico e de duas rodas ainda esbarram em dificuldades para a diversificação e isso limita a amplitude do impacto econômico e social. É preciso promover a diversificação, o adensamento e a inclusão de cadeias produtivas regionais. Como está, o estado se torna vulnerável na variações mínimas de mercado nesses segmentos específicos. Urge avançar no aproveitamento de insumos regionais estreitar a conexão entre a indústria e os ativos da biodiversidade da Amazônia, base para novas cadeias produtivas, como sugere o PPBio, o Programa Prioritário da Suframa de Bioeconomia sob a coordenação do IDESAM.

Prospecção de Insumos Regionais

Apesar dos avanços na agregação de valor e verticalização, o Amazonas ainda enfrenta desafios para integrar insumos regionais nas cadeias industriais, caso da borracha e das fibras regionais para substituir fibras de vidro. O potencial da biodiversidade amazônica para fornecer matérias-primas de alto valor agregado e estimular a bioeconomia de insumos da indústria ainda permanece subexplorado. Esse gargalo representa uma oportunidade perdida para adensar as cadeias produtivas, gerar empregos qualificados e diversificar a base econômica do estado.

Concentração de investimentos em Manaus 

O desenvolvimento industrial e econômico do Amazonas está fortemente concentrado em Manaus, deixando o interior do estado com infraestrutura precária e poucas oportunidades de emprego. A interiorização do desenvolvimento é uma demanda urgente para descentralizar a economia e proporcionar crescimento inclusivo. Esse movimento poderia reduzir a pressão populacional em Manaus e melhorar a distribuição da riqueza gerada pelo estado.

Dados do IBGE mostram que mais da metade da população da capital do Amazonas vive em condições de favelização, uma situação que desafia as promessas de desenvolvimento regional associadas aos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus.
foto: Tadeu Jnr/Unsplash

Retorno pífio dos tributos arrecadados

Em 2022, economistas e tributaristas elaboraram alguns subsídios para o debate da Reforma Tributária e demonstraram que, em duas décadas, o Amazonas recebeu, em média, apenas 26% dos tributos arrecadados no estado de volta na forma de transferências constitucionais. A cada R$100 reais recolhidos aos cofres federais apenas R$26 retorna ao Estado. Essa baixa proporção limita a capacidade do governo estadual de investir em infraestrutura e serviços públicos essenciais, como saúde, educação e habitação. Sem um retorno fiscal adequado, o estado enfrenta dificuldades para implementar políticas públicas que acompanhem o crescimento econômico e melhorem a qualidade de vida da população.

Inserção de tecnologia e qualificação de mão de obra

Apesar de avanços na verticalização e na incorporação de tecnologia, o Polo Industrial de Manaus ainda enfrenta dificuldades para desenvolver uma base tecnológica local robusta. A qualificação de mão de obra é um fator limitante, pois muitos dos postos de trabalho no PIM ainda exigem níveis de qualificação básica ou intermediária, sem forte investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI) na região. Para transformar a indústria local em um verdadeiro motor de inovação, seria essencial fortalecer programas de capacitação e aumentar os investimentos em P&D voltados para a realidade amazônica. E equalizar a distribuição da riqueza.

A Lei e suas implicações 

Quando a Constituição autoriza a compensação fiscal é para reverter os ganhos em favor da população. O Amazonas possui um grande potencial econômico e já realiza uma contribuição substancial para a arrecadação nacional e para o mercado interno brasileiro, ao reduzir a dependência de importações e fortalecer a produção nacional. No entanto, as disparidades na qualidade de vida e as dificuldades estruturais revelam um modelo que, embora avançado, ainda não atende plenamente às necessidades da população local. 

Em favor do tecido social 

A falta de retorno fiscal, combinada com a concentração econômica e a subutilização de insumos regionais, limita o desenvolvimento social e impede que o Amazonas aproveite integralmente suas riquezas. Para alcançar um desenvolvimento mais equilibrado e inclusivo, o estado precisa superar esses desafios estruturais, diversificar suas cadeias produtivas, integrar a bioeconomia e interiorizar o crescimento econômico. Esse é o caminho para que o Amazonas, além de ser um pilar na arrecadação nacional, se torne um modelo de prosperidade e bem-estar para seus próprios habitantes.

Nelson Azevedo

Nelson é economista, empresário e presidente do sindicato da indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM.

Nelson Azevedo
Nelson Azevedo
Nelson Azevedo é economista, empresário, presidente do Sindicato da Indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM

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