Diálogos Amazônicos – Coordenação Márcio Holland e Daniel Vargas FGV
José Walter Bautista Vidal, um dos maiores físicos do país por sua obra e legado na elaboração e implantação do programa do álcool e do óleo vegetal do Brasil, já dizia nos anos 80 que a Amazônia é a pátria da energia alternativa para o futuro do país. Ele se referia a energia solar, ao biodiesel, à biomassa e ao gás natural. Nesta segunda-feira, 13, dando sequência aos Diálogos Amazônicos da Fundação Getúlio Vargas, Márcio Holland e Daniel Vargas receberam a dupla André Clark, da Siemens e Tarcísio Rosa consultor de energia oriundo da Eletrobras. Objetivo do evento era expor e debater a questão energética na Amazônia no contexto da crise hídrica e das perspectivas da Amazônia do Futuro, um projeto de desenvolvimento regional desenhado por iniciativa do setor produtivo do Amazonas, Zona Franca de Manaus, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.
Alfredo Lopes
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Pra começo de conversa
Segundo Márcio Holland, “nós estamos passando por uma crise hídrica e ao mesmo tempo sabemos que o setor investiu muito nas últimas décadas. Teve uma expansão de capacidade muito expressiva. Também teve uma expansão de acesso à energia para as populações mais carentes através de programas governamentais. Teve uma diversificação da sua matriz energética de forma muito relevante. André e Tarcísio, qual balanço vocês fazem no setor energético brasileiro, hoje? Ele ainda carece de muita movimentação, investimento, regulação ou está tudo muito bem?”
Assista o webinar na íntegra em:
Anotações de André Clark, da Siemens
Vivemos uma transição energética, a delicada mudança climática e uma larga perda de massa florestal em vários biomas no Brasil. Essas três coisas estão afetando drasticamente o nosso modelo enérgico e pode afetar nosso modelo econômico no sentido de que essa vegetação, em tempos de mudança climática, é o que garante o regime de chuvas. Este fenômeno é central em nossa matriz energética e central no nosso sistema econômico. Certamente nossa agroenergia – como etanol e biomassa – também dependem do modelo de chuva.
Dai nossa dependência desse grupo florestal, dessa enorme massa florestal produtora de água: os Rios Voadores. É dela que depende todo sistema energético brasileiro. Ficou claro para todos que as coisas estão prestes a mudar. Contudo, o Brasil é um gigante da área de energia, em inúmeras opções. E, se não bastasse isso, o Brasil desenvolveu, por política pública, pesquisa e desenvolvimento, ciência e tecnologia o pré-sal brasileiro que traz, além de tudo que nós temos, uma quantidade de gás muito importante.
Na Amazônia, que temos à frente no médio e longo prazo, a meu ver, é uma mudança muito significativa com tudo o que aponta para uma prosperidade importante. O momento atual é de grande preocupação. Não acho que vai chegar em falta de energia a questão da fragilidade do sistema no curto prazo, mas certamente nos impulsiona para mais uma transição energética brasileira, que não é a primeira.
Leia o artigo sobre o documento Amazônia do Futuro clicando aqui
Anotações de Tarcísio Rosa
A transição energética é um fato alvissareiro. Hoje, no estado inteiro do Amazonas 90% da energia já não é mais diesel, combustível fóssil, algo que até 2010 era praticamente tudo óleo diesel mais a Hidrelétrica de Balbina. Daí a importância da interligação entre os diferentes subsistemas. Vejamos o Nordeste de hoje, dados de sexta-feira (dia 11) quando 14% da energia em operação no Brasil, em um dia útil, foi de fonte eólica, e desse total 8.000MW vieram do Nordeste para o Sudeste. Aí chegamos à conclusão de que só energia eólica teria, em tese, por força de questão de base e de vento, condição, com sobra, de atender o Nordeste inteiro.
Há 10 anos, ninguém poderia dar esse diagnóstico. Quando se fala na perspectiva de falta de energia ou racionamento, vamos pensar em 2001/2002. Atuava na época em Florianópolis, na Tractebel Engie. Tínhamos energia sobrando no Sul e não podíamos levar para o lado do Sudeste onde faltava energia. O preço de liquidação de energia era máximo no Sudeste e mínimo no Sul. Havia uma limitação de linha de transmissão. Isso acontecia entre Sul e Sudeste, Norte e Nordeste.
Os números: eólica no Brasil 14% (Itaipu na última sexta-feira 10%), nuclear 2.8% – que é uma saída a ser pensada – solar 1,5%, que também está crescendo, nos mostra que a matriz está em mutação intensa e ainda é predominante a dependência hidrelétrica.
O que foi feito nos últimos anos? Podemos citar a usina hidrelétrica de Jirau em 2012 com 3.700 MW e Santo Antônio com 3500 MW também em 2012. Mas a parte hídrica começa a exaurir os bons reservatórios ou aqueles que são mais fáceis de pegar. Eu diria que a transição está boa. O gás é uma realidade do próprio Amazonas que tem ainda capacidade grande para ser explorada e utilizada. Numa recente entrevista, o diretor geral da ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) Luiz Carlos Ciocchi, disse que o cenário desenhado anteriormente, e mais conservador, está indo para melhor. Ou seja, a situação está um pouco melhor do que o pior que era imaginado. Sendo assim, as notícias de parecem que estão mais favoráveis.
E quais são as perspectivas de futuro?
Daniel Vargas, da FGV, em nova intervenção, indaga sobre as tendências da energia, ponderando: “Se esse nosso encontro ocorresse entre 20 ou 30 anos atrás, muito provavelmente nós estaríamos discutindo a ampliação da construção de hidrelétricas. Entre outras razões por que ela tem essa característica de dar estabilização para o sistema. Uma energia em geral não se estoca, é planejado não só a construção, mas também se consegue gerir o fluxo da água conforme a demanda de energia. Mas hoje, naturalmente, tem uma resistência enorme à construção de usinas hidrelétricas ao mesmo tempo a solução mais limpa como eólica e solar, costumam ser complementares e não a base da estabilização do sistema. Sendo assim, o que nós podemos esperar nos próximos anos? Vamos ampliar a concepção de termelétricas que são mais poluentes no Brasil ou tem alguma outra saída?
Os cenários energéticos são alvissareiros, segundo André Clark. Para ele, a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia parece um futuro improvável. Tratam-se de áreas que implicam em grandes alagamentos. A sociedade, o mundo, os financiadores e os investidores não irão mais apostar nesse tipo de modelo. Nós temos 70% de utilização de hidrelétricas no Sudeste que é onde a falta de precipitação hídrica está se dando. Eu não vejo no curto, médio, tampouco longo prazo a volta de construção de grandes hidrelétricas por uma razão simples: o mundo caminha para energia de custo marginal zero. Energia solar e eólica são energias de custo marginal zero.
Achava-se que hidrelétricas também existiriam até faltar água para beber, para o plantio, para agricultura e assim por diante. O modelo brasileiro de geração de energia ainda considera água custo marginal zero. Com essa crise que nós estamos vivendo, o país irá dar valor fundamental à água doce. O Brasil, segundo os últimos estudos de 1995 para cá, perdeu quase 30% da sua água, por vários motivos, o principal deles o desmatamento e entre eles a mudança climática. Água torna-se, portanto, um commodity fundamental para qualquer economia, certamente para a brasileira. E o que nos resta é um acervo hídrico imenso.
O Brasil é absolutamente rico em quase todas as fontes de energia que a humanidade conhece hoje. A única que não temos é a geotérmica, e graças a Deus, senão teríamos vulcões. O Brasil é riquíssimo, agora, em gás. É riquíssimo em biogás. Tem outro pré-sal caipira apontando. É o produtor de custo marginal de energia eólica mais competitivo do planeta. Solar, nem se fala.
E temos inúmeras saídas e o plano de longo prazo da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) demonstra isso. Nós teremos um vasto crescimento das eólicas e solar e é importante lembrar que o Brasil venta a noite. Nós teremos o uso intensivo de tecnologia na sincronização entre demanda e oferta. Nós teremos mais investimento na resiliência do sistema que conecta as várias regiões do país, aumentando a sua resiliência. E, nós teremos, um certo crescimento em térmicas. Certamente na Amazônia – que descobriu uma quantidade significativa recentemente – não vai faltar energia a partir do gás. Na costa brasileira, a mesma coisa, com o pré-sal vem gás associado.
Se bem usado esse gás, pode sim, complementar a nossa matriz, fazer a nossa mudança de matriz e poluir menos ainda. Nosso futuro são as renováveis. Imbatíveis em qualquer cenário. São economicamente robustas. O que precisamos são as energias nos horários de pico. A tecnologia vem aí, muito rápido. As tecnologias que se chamam hoje de stored, ou seja, armazenagem de energia com baterias e como o hidrogênio verde. São tecnologias que virão mudar o médio e longo prazo e certamente enriquecer uma matriz, que já é riquíssima, como é a matriz brasileira. O futuro é alvissareiro. Voltaremos.
Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia
Daniel Vargas é Coordenador de Pesquisa do FGV Agr e serviu, incluindo Secretário de Desenvolvimento Sustentável, Secretário de Ações Estratégicas e Ministro-Chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
André Clark Juliano é General Manager da Siemens Energy Brasil.
Tarcísio Estefano Rosa – Sócio/Diretor TCE ENERGIA Consultoria e Serviços em Energia
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