Um estudo inovador publicado na Restoration Ecology identificou espécies-chave para restaurar Amazônia, integrando ciência e ecologia em esforços de recuperação de áreas degradadas na Amazônia Oriental.
Uma pesquisa conduzida por um consórcio de instituições brasileiras revelou um modelo inovador para a recuperação de áreas degradadas na Amazônia Oriental. O estudo, publicado nesta quarta-feira (20) na revista científica Restoration Ecology, identificou dez espécies de abelhas e dez espécies de plantas capazes de formar redes de interação ecológica robustas, promovendo uma restauração ambiental mais eficaz e duradoura. Liderada pelo Instituto Tecnológico Vale (ITV) em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi, a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisa integra ecologia e ciência aplicada, oferecendo novas perspectivas para enfrentar a degradação ambiental na região.
Espécies selecionadas: as peças-chave da restauração
A pesquisa destacou espécies vegetais e polinizadores essenciais para os estágios iniciais da restauração. No grupo de plantas, destacam-se o urucum (Bixa orellana), conhecido por suas propriedades medicinais e utilidade na alimentação; o muricí-da-praia (Byrsonima stipulacea), uma espécie nativa que contribui para a estabilidade do solo; e o fedegoso-gigante (Senna alata), valorizado pela sua resiliência e capacidade de atrair polinizadores.
Entre as abelhas, estão espécies de grande relevância ecológica e cultural. A uruçu boca de renda (Melipona seminigra), por exemplo, é uma abelha sem ferrão que desempenha papel crucial na polinização de diversas culturas agrícolas e florestais. A abelha-borá (Tetragona clavipes) e a jataí (Tetragonisca angustula) também foram incluídas por suas características generalistas, interagindo com uma ampla variedade de plantas e contribuindo para redes ecológicas estáveis.
Área de estudo: o laboratório natural da Floresta Nacional de Carajás
O trabalho de campo foi realizado na Floresta Nacional de Carajás, no Pará, uma área rica em biodiversidade, mas também marcada pela intensa atividade mineradora. Reconhecida por abrigar um dos maiores projetos de mineração do mundo, a região é palco de iniciativas que buscam conciliar a conservação ambiental com a exploração econômica.
Os pesquisadores estudaram as interações entre polinizadores e plantas em áreas de recuperação ambiental, comparando dados de minas de areia, depósitos de resíduos de ferro e trechos de floresta primária. A coleta de dados ocorreu em três campanhas entre abril de 2018 e outubro de 2019, abrangendo diferentes épocas do ano para garantir a representatividade dos resultados.
No total, foram identificadas 118 espécies de plantas, 137 espécies de abelhas (com um total de 1.090 indivíduos) e 51 espécies de vespas (170 indivíduos). Apesar da alta diversidade, os pesquisadores observaram que um pequeno número de espécies — cinco de abelhas e doze de plantas — foi responsável por mais da metade das interações registradas, demonstrando o papel central dessas espécies na manutenção das redes ecológicas.
Metodologia: foco nas interações ecológicas
A seleção das espécies mais promissoras levou em conta não apenas a frequência de suas interações, mas também características que facilitam sua aplicação em projetos de restauração. Polinizadores generalistas, como a jataí, que interagem com múltiplos parceiros, foram priorizados por sua capacidade de contribuir para redes ecológicas mais complexas. Do lado das plantas, foram escolhidas espécies com potencial para rápida reprodução por sementes, o que acelera o processo de regeneração do ecossistema.
Segundo Rafael Cabral Borges, pesquisador do ITV e autor principal do estudo, esse enfoque oferece uma abordagem holística para a restauração ambiental. “Os projetos tradicionais de restauração se concentram quase exclusivamente no plantio de árvores, ignorando a importância dos polinizadores para a reprodução das plantas. Nosso trabalho mostra que integrar esses agentes é fundamental para garantir a estabilidade de longo prazo dos ecossistemas restaurados”, explica.
Aplicações práticas e impacto socioeconômico
Além do avanço científico, o estudo tem um caráter altamente prático, com potencial para beneficiar agricultores e grandes empreendimentos. Pequenos produtores podem usar a lista de espécies para combater déficits de polinização em suas lavouras, enquanto empresas de mineração podem aplicá-la em projetos de recuperação ambiental, reduzindo custos e otimizando resultados.
“Plantas que se reproduzem por sementes e abelhas que nidificam em cavidades são escolhas estratégicas para simplificar o manejo”, ressalta Borges. Ele também destaca que a lista elaborada pelos pesquisadores oferece uma base para a alocação eficiente de recursos, permitindo que tomadores de decisão ajustem suas ações às características específicas de cada área.
Um novo paradigma para a restauração ambiental
O estudo representa um marco na integração de polinizadores aos esforços de recuperação ambiental na Amazônia. Ao demonstrar que as interações ecológicas são tão importantes quanto a seleção de espécies vegetais, os pesquisadores abrem novas possibilidades para estratégias mais sustentáveis e eficazes.
“Essa abordagem pode ser replicada em outras regiões e escalas, trazendo benefícios tanto para a biodiversidade quanto para as comunidades humanas que dependem desses ecossistemas”, conclui Borges.
*A matéria produzida contém informações da Agência Bori
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