Muitas vezes visto como ‘necessário’ para evolução da ciência, o negacionismo climático, na verdade, é um entrave no combate à crise climática global e se fortalece por razões tanto ideológicas, quanto econômicas
Com o aumento constante da temperatura média global, ondas de calor cada vez mais frequentes, nevascas extremas e incêndios em escalas inéditas, pode parecer óbvio e inegável os efeitos das mudanças climáticas no planeta. Entretanto, tão crescente quanto os eventos climáticos extremos é o negacionismo em relação a eles.
Esse conceito gira em torno da recusa de determinados grupos em acreditarem na gravidade da crise climática atual e, principalmente, que a ação humana é sua principal responsável.
Seja em relação a esse ou outros ramos da ciência, é comum que negacionistas usem de argumento a justificativa de que não há avanços científicos sem negacionismo e que o questionamento de verdades já estabelecidas faz parte da história evolutiva da humanidade. Entretanto, segundo o pesquisador e diretor do Laboratório Multipropósito do Instituto Butantan, Renato Mancini Astray, o segredo por trás da evolução não é a negação. “O que faz a ciência avançar é a ignorância, é a pergunta, não é negar. Negacionismo é você ir contra algo que tem evidência. Você está negando algo que foi muitas vezes comprovado cientificamente”, aponta ele em matéria do Instituto.

Outro ponto que desmonta esse argumento é em relação a uma suposta falta de consenso sobre a existência de uma crise climática. Na verdade, há quase 100% de consenso entre os cientistas sobre as mudanças climáticas. Além disso, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) da ONU afirma que o aquecimento global está se acelerando e deve atingir 1,5°C acima dos níveis pré-industriais por volta de 2030 — uma década antes do que as previsões anteriores indicavam.
A ciência das mudanças climáticas
Segundo o climatologista Carlos Nobre, cientista referência no estudo das mudanças climáticas e seus impactos na Amazônia, o negacionismo climático existe há quase 50 anos, desde que a ciência começou a alertar sobre os riscos do aquecimento global causado pelas emissões de gases de efeito estufa.
“A física conhece isso há muito e muito tempo. O primeiro cientista a perceber que estava aumentando a concentração do gás carbônico na atmosfera foi Svante August Arrhenius, o sueco que ganhou o Prêmio Nobel em 1903. Foi ele que inventou a tabela periódica, mas também foi o primeiro cientista a demonstrar que, se dobrasse a concentração do gás carbônico na atmosfera, a temperatura aumentaria muito”, conta Nobre em entrevista ao portal Brasil de Fato.
Esse debate ganhou força quando, há 34 anos, o IPCC publicou seu primeiro relatório, trazendo evidências concretas sobre as transformações no clima da Terra.
O que os negacionistas falam sobre o aquecimento global?
A ideia de que o aquecimento global não é causado pelo homem é a essência do negacionismo climático, somada ao discurso de que os impactos desse fenômeno são inofensivos ou benéficos.
Um dos argumentos mais comuns entre esse grupo é que o aquecimento global seria um fenômeno natural, já que as variações de temperatura fazem parte dos ciclos do planeta. No entanto, especialistas ouvidos em matéria do Ecoa-Uol explicam que, embora existam componentes naturais nas mudanças climáticas, desde a Revolução Industrial as atividades humanas se tornaram a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa, acelerando e intensificando esse processo de forma sem precedentes.
Além disso, vale lembrar que efeito estufa e aquecimento global não correspondem ao mesmo conceito: o primeiro, sim, diz respeito ao fenômeno de retenção de calor pelos gases atmosféricos, necessário para a sobrevivência do planeta. Já o excesso desses gases leva ao aquecimento global, ou seja, a elevação da temperatura média do planeta além do necessário.

Força do negacionismo
Estudos realizados na Austrália, Reino Unido e Estados Unidos indicam que entre 5% e 8% da população desses países nega as mudanças climáticas, segundo a Associação Americana de Psicologia (APS). No Brasil, porém, essa parcela é significativamente maior: uma pesquisa do Datafolha de julho de 2019 revelou que 15% dos brasileiros não acreditam no aquecimento global ou na sobrecarga ambiental da Terra.
Outro estudo mais recente, realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT/Fiocruz) entre agosto e outubro de 2022 reforçou que entre os 90% de brasileiros que disseram acreditar nas mudanças climáticas, 12% ainda sustentam que o fenômeno acontece por mudanças naturais do clima, não pela ação humana — uma fração preocupante, segundo os autores.
Raízes ideológicas do negacionismo climático
O negacionismo climático não é um fenômeno homogêneo: varia em intensidade e motivação. Algumas pessoas simplesmente desconhecem o processo científico e, por isso, acabam acreditando em desinformação. Outras podem ter dúvidas legítimas e estarem abertas a repensar suas crenças quando expostas a evidências.
Segundo a divulgadora científica Karina Bruno Lima em entrevista ao Ecoa-Uol, o mais difícil é lidar com aqueles que adotam o negacionismo como parte da identidade ou visão de mundo. Nesse caso, a mudança não vem apenas com informação, porque há fatores emocionais, sociais e ideológicos envolvidos.
“Se a pessoa não está disposta, desconfia de bases confiáveis (relatórios do IPCC, dados da Nasa etc), nega a ampla base que a ciência do clima vem construindo há mais de um século, acredita em teorias conspiratórias e entra em um debate sem o objetivo de aprender algo, provavelmente nada disso será efetivo. Geralmente esse tipo de negacionista climático está abraçado a um pacote de negacionismos diversos que está atrelado a questões políticas e ideológicas”, afirma Lima, que também é doutoranda em Climatologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

O lado socioeconômico
Além das raízes ideológicas, a resistência às mudanças sociais e, consequentemente, a tendência de desacreditar nas mudanças climáticas também podem ser influenciadas por fatores socioeconômicos.
Segundo análise presente no estudo “Raízes Socioeconômicas da Negação e Incerteza sobre as Mudanças Climáticas entre a População Europeia“, realizado pela European Sociological Review, acredita-se que os indivíduos possuem um “reservatório finito de preocupações”. Ou seja, as pessoas conseguem focar sua atenção apenas em um número limitado de questões e ameaças percebidas. Qualquer assunto que não faça parte desse grupo acaba ficando fora de sua percepção.
Dessa forma, indivíduos que já estejam constantemente preocupados com sua situação econômica atual ou com as perspectivas futuras podem não conseguir dedicar atenção às mudanças climáticas, levando-os a ignorar ou até mesmo rejeitar informações sobre sua existência e as causas humanas do fenômeno.

Além disso, o negacionismo climático também pode ser influenciado por interesses econômicos próprios. Isso porque a mitigação das mudanças climáticas exige uma reestruturação significativa do sistema econômico atual, o que pode ser percebido como uma ameaça à segurança socioeconômica existente em alguns países.
Por exemplo, indivíduos empregados em setores dependentes de combustíveis fósseis podem se preocupar com a estabilidade de seus empregos. Essa preocupação pode ser ainda mais acentuada em países dependentes da produção e do consumo dessas fontes, onde a transição para fontes de energia sustentáveis pode representar um risco econômico para trabalhadores e indústrias locais.

Busca pelo lucro
Nesse cenário, algumas empresas lucram em cima da crise climática. Segundo Pedro Luiz Côrtes, titular da Escola de Comunicações e Artes e também do Instituto de Energia e Ambiente da USP, esse é um dos principais motivos para a manutenção de uma estratégia de desinformação.
Um exemplo concreto disso é o caso da empresa ExxonMobil, uma das maiores petroleiras estadunidenses. Um artigo publicado na revista Science revelou que, desde 1977, ela já tinha conhecimento sobre o aquecimento global causado pela ação humana. No entanto, ao longo das décadas, adotou um posicionamento público que tratava o tema como mera especulação, negando ou minimizando os impactos das mudanças climáticas e da exploração do petróleo.

“A indústria do tabaco utilizou muito essa estratégia no século passado. Durante muitos anos, ela financiou pesquisas que disseminavam a dúvida sobre a capacidade de o cigarro causar dependência, embora ela soubesse que cigarro vicia”, compara Côrtes ao Jornal da USP com a estratégia utilizada pela ExxonMobil.
Donald Trump e o Acordo de Paris
Atualmente, a postura do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem sido o maior exemplo global de negacionismo climático. Além da retomada do slogan de campanha republicano “Drill, baby, drill” (“Perfure, baby, perfure”), prometendo tornar os Estados Unidos ricos novamente por meio do desenvolvimento de petróleo e gás, Trump acaba de anunciar a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris.
A saída trouxe uma série de debates e questionamentos globais sobre o futuro de negociações climáticas e emissão de poluentes pelo país, já que os EUA são o segundo maior emissor mundial de gases de efeito estufa, perdendo apenas para a China.

Após a postura de Trump, Países como Indonésia e Argentina já questionaram o acordo e manifestaram interesses em seguir os mesmos passos, levantando preocupações sobre compromissos para enfrentar o aquecimento global.
O que é o Acordo de Paris?
O Acordo de Paris é um tratado internacional legalmente vinculante sobre mudanças climáticas. Foi adotado por 196 partes durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP21) em Paris, França, em dezembro de 2015, e entrou em vigor em novembro de 2016.
Atualmente, 194 países – sendo 193 mais a União Europeia – assinaram o Acordo de Paris. Os Estados Unidos, no entanto, se retiraram do compromisso após a posse de Trump no início de janeiro.

Segundo definição da ONU, o Acordo estabelece metas de longo prazo para orientar todas as nações a:
- Fornecer financiamento para países em desenvolvimento, a fim de mitigar as mudanças climáticas, fortalecer a resiliência e aprimorar a capacidade de adaptação aos impactos climáticos;
- Reduzir substancialmente as emissões globais de gases de efeito estufa, mantendo o aumento da temperatura global bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, com esforços para limitá-lo a 1,5°C, reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos e impactos das mudanças climáticas;
- Avaliar periodicamente o progresso coletivo na realização dos objetivos do acordo e de suas metas de longo prazo.
Esses objetivos costumam ser discutidos anualmente, a cada edição das COPs, que neste ano acontecerá na cidade de Belém (PA).
Como fica o futuro do planeta na crise climática?

Apesar dos desafios em lidar com o negacionismo climático atrelado a uma ideologia política, por exemplo, aumentar a conscientização sobre o consenso científico em relação às mudanças climáticas ainda mostra-se como um caminho essencial para combatê-lo.
Exemplos concretos, como os eventos climáticos extremos, incluindo as enchentes no Rio Grande do Sul, ondas de calor, secas extremas e prolongadas na Amazônia, dentre outros fenômenos ao redor do mundo, como os incêndios em Los Angeles, também acabam tornando cada vez mais difícil que os negacionistas mantenham discursos que desacreditem dos impactos das mudanças climáticas.
É o que defende Carlos Nobre: “na minha opinião, eles estão perdendo força porque os extremos climáticos em 2023/24 bateram todos os recordes. Nunca a temperatura foi tão alta desde o último período interglacial, há 120 mil ou 130 mil anos. Não há como as pessoas negarem que o clima está mudando. E mesmo os que tinham dúvidas agora estão vendo essa realidade que afeta praticamente todas as pessoas”, pontua.

Para mitigar o aumento das temperaturas e a incidência desses fenômenos, os próximos passos já são claros para os cientistas: o planeta precisa conseguir rapidamente reduzir as emissões de gases e depois passar a remover gás carbônico da atmosfera. Projetos de restauração florestal, políticas de combate ao desmatamento e investimento em transição energética são algumas das formas possíveis de alcançar essa meta.
Até mesmo empresas e governos podem se beneficiar economicamente com essas transformações. Isso porque a transição energética reduz a dependência de combustíveis fósseis, promovendo maior estabilidade nos preços da energia e fortalecendo a economia. Heloisa Borges, diretora da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), destaca em entrevista ao Ecoa-Uol que essa mudança também diminui a necessidade de importação de combustíveis como o óleo diesel, aliviando a balança comercial e liberando recursos para investimentos internos.
“O Brasil tem um gigantesco potencial de energias renováveis, caso da energia solar, da eólica, dos biocombustíveis, e até mesmo energias novas que o mundo começa a desenvolver agora, as que vêm do oceano. O Rio Grande do Sul também tem um grande potencial tanto de energia solar, como, principalmente, de eólica. Esse é o caminho”, reforça Nobre.