Há 14 anos, discussões acaloradas – com exageradas doses de intimidação e bravatas – acusaram uma empresa suíça, a Novartis, uma das mais respeitáveis no ramo dos fármacos, de promover a biopirataria ao propor, através de contrato público, o acesso a um punhado de fungos e bactérias para produzir, em Manaus, medicamentos para doenças tropicais. Zelosa com sua reputação, a empresa decidiu investir em Singapura, sem entender a lógica daquela acusação, já que a prospecção era conjunta, com cientistas brasileiros, e o CBA, Centro de Biotecnologia da Amazônia, receberia US$ 1,0 pela venda de cada produto, colocado na prateleira, por 10 anos. Mesmo com essa classe política, entretanto, a precariedade de infraestrutura, uma burocracia medieval, as empresas ainda apostam no Brasil, pois veem aqui, certamente, o potencial de oportunidades que não vemos. E isso, longe de nós intimidar, deve ser motivo de reflexão, avaliação e mobilização imediata para fazer do limão da crise a refrescante limonada da transformação. “Os estrangeiros vão manter seu interesse no Brasil e as empresas nacionais continuarão com dificuldades de financiamento”, além da burocracia e apatia para enfrentar os gargalos de infraestrutura, diríamos. Esta informação foi tirada do Relatório, da Consultoria PWC, publicado na Folha desta quarta-feira, sobre a participação das empresas estrangeiras no Brasil, que passam à frente das empresas nacionais, num patamar de 51% e com perspectiva de chegar a 55% ao longo deste ano. O fato, aparentemente preocupante, encerra razões que explicam este cenário, e que oferecem desafios para quem acredita na possibilidade de mudança de suas tendências. Nada contra as empreses estrangeiras se expandirem. Importa é entender para superar os obstáculos que impedem as locais de fazê-lo. Um dos problemas apontados é a valorização do dólar e o agravamento das dificuldades enfrentadas pelas empresas brasileiras em 2015. São estes fatores que abriram caminho para a ampliação de companhias estrangeiras no país. Comprar imóveis ou empresas no Brasil recessivo de hoje é clima de black friday permanente para quem aqui aporta. Enquanto isso, taxas de juros, ampliação dos impostos e das tarifas públicas tendem a confirmar a tendência prevista. O que fazer para desembaraçar e avançar sem tantas amarras para impedir a transformação?
Desamarrando a Biodiversidade
Em maio último, depois de idas e vindas demoradas, o Brasil conseguiu sancionar o Novo Marco Legal da Biodiversidade, que vai regular, entre outras coisas, o acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados. Isto é, povos e comunidades tradicionais devem autorizar o uso de seus conhecimentos e deverão receber royalties pelo uso deles. Pela nova lei, empresas internacionais sem vínculos com instituições nacionais ficam proibidas de enviar patrimônio genético para o exterior. Os velhos chavões do burocratismo, onde o fiscal da Lei costuma fazer dela instrumento de poder, ainda vão perdurar, mas a nova lei tende a diminuir o legalismo e o formalismo – antes, para estudar uma pupunha era preciso preencher 11 laudas de explicações e precauções – na pesquisa da biodiversidade. Agora, em lugar de um pedido complicado de autorização, o interessado faz um cadastro de pesquisa, o que evita, pelo menos, que cientistas sejam acusados de biopirataria. Cientistas de renome foram historicamente molestados, e com suas plantas submetidas a processos criminais, e alguns até presos, condutas públicas incompatíveis com a ciência e com a pesquisa. As pesquisas com fins de desenvolvimento passam a contribuir com um fundo a ser distribuído para as populações tradicionais e nativas, gerido por um colegiado interinstitucional. Vamos ver como é que funciona na prática.
O CBA e os russos
Circula no meio acadêmico a notícia de que os ministros de Ciência, Tecnologia e Inovação, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio conseguiram se reunir e concordar com relação ao modelo de gestão do CBA, parado como instituição real no mercado desde 2003. Cabe aqui repetir, pela enésima vez, a resolução só vai pegar se combinar com os russos. Os russos dessa anedota da Copa da FIFA de 1958, descrevem um episódio envolvendo Garrincha, o lendário ponta-direita da seleção brasileira, aparentemente desplugado dos códigos sociais. Certo dia, perguntou se a tática sugerida para enfrentar a seleção da Rússia foi combinada com os jogadores adversários, tão complexa era sua operacionalização. Insistimos, a propósito, levando em conta que as verbas que constituíram o CBA foram recolhidas pelas empresas do Polo Industrial de Manaus, mediante colaboração com um projeto, desenhado pela Suframa, de constituição de um novo polo industrial, coerente com as vocações regionais de negócios, e complementar aos demais polos do Distrito Industrial. Portanto, a decisão final do modelo de gestão precisa passar pelo crivo, sugestão, anuência e adesão dos atores locais, entre eles, as entidades que representam as empresas e o Conselho de Desenvolvimento do Amazonas, uma entidade que congrega todos os atores na área em que se inserem os negócios do CBA, incluindo a Suframa, além das instituições de pesquisa, é claro.
O Marco Legal de C&T&I
Aprovado em 9 de dezembro de 2015, e publicado no Diário Oficial em 12 de janeiro último, o Brasil passa a ter um novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, que dispõe sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação. O projeto sancionado promove uma série de ações para o incentivo à pesquisa, à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico no país. Estão, pois, regulamentadas as parcerias de longo prazo entre os setores público e privado, com maior flexibilidade de atuação às instituições científicas, tecnológicas e de inovação (ICTs) e às respectivas entidades de apoio. Uma das inovações da nova legislação é a possibilidade de dispensa de licitação, pela administração pública, nas contratações de serviços ou produtos inovadores de micro, pequenas e médias empresas. A proposta também altera a Lei 8.666/93 para estabelecer nova hipótese de dispensa de licitação para a contratação de bens e serviços destinados a atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Estabelece, ainda, a possibilidade de utilização do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para ações em órgãos e entidades dedicados a ciência, tecnologia e inovação. E prevê a possibilidade de governadores e prefeitos estabelecerem regime simplificado, com regras próprias para as aquisições nessas áreas. Outro destaque na proposta é permitir aos pesquisadores em regime de dedicação exclusiva nas instituições públicas o exercício de atividades remuneradas de ciência, tecnologia e inovação em empresas. Tanto o acesso à Biodiversidade como as institucionais e comerciais envolvendo, ciência, tecnologia e inovação passam a ter maior simplificação e agilidade, ou seja, teoricamente, menos burocracia. Leis, entretanto, não nos faltam, resta-nos organizar as instituições, as representações sociais e entidades de classe para respeitá-las, a começar pelo resgate do arcabouço constitucional da Zona Franca de Manaus.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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