A Quem Interessa o Esvaziamento do ESG?

“A Amazônia não pode ser refém do imediatismo e da desinformação. Nossa luta não é contra a tecnologia ou a IA – mas contra seu uso como pretexto para desviar o foco da crise climática. Sustentabilidade não saiu de moda. Ela apenas se tornou incômoda para quem teme perder o controle. E é exatamente por isso que precisamos continuar.”

Coluna Follow-Up

O setor financeiro europeu parece ter decidido que sustentabilidade não é mais uma prioridade. As recentes reuniões com analistas revelam que expressões como “ESG” e “sustentabilidade” perderam espaço para um novo queridinho: inteligência artificial (IA). O fenômeno não é casual. Ele reflete uma ofensiva bem-orquestrada contra tudo o que desafia a lógica extrativista e imediatista do capital.

Mas o que está por trás dessa mudança? Será que os bancos descobriram subitamente que os compromissos climáticos e sociais são um erro? Ou apenas perceberam que a transição sustentável exige transformações profundas que podem ameaçar seu domínio?

Seja qual for a resposta, nós, que vivemos na Amazônia e lidamos diariamente com a realidade da floresta, sabemos que sustentabilidade não é uma moda, nem um slogan corporativo – é uma necessidade inescapável. Estamos prestes a receber a COP30, em novembro de 2025, em Belém, e esse evento marcará um divisor de águas. O Brasil e a Amazônia estarão no centro do debate global. Mas estaremos preparados para resistir aos retrocessos e consolidar nossa visão de desenvolvimento?

A ofensiva contra o ESG

A ascensão da IA como prioridade dos bancos não se deve apenas à sua capacidade de gerar eficiência e lucros exponenciais. Ela também funciona como cortina de fumaça para afastar temas espinhosos como mudanças climáticas, governança e justiça social. O ESG não morreu porque falhou; ele se tornou um incômodo, uma barreira contra práticas predatórias e discursos negacionistas.

A Amazônia não pode ser refém do imediatismo e da desinformação. Nossa luta não é contra a tecnologia ou a IA – mas contra seu uso como pretexto para desviar o foco da crise climática. Sustentabilidade não saiu de moda. Ela apenas se tornou incômoda para quem teme perder o controle. E é exatamente por isso que precisamos continuar.

O negacionismo, vale lembrar, não se manifesta apenas na recusa em reconhecer o aquecimento global. Ele adquire formas sutis, como a marginalização de pautas ambientais, sociais e de governança nas discussões estratégicas das grandes corporações. Quando se minimiza o ESG, legitima-se um modelo econômico que posterga mudanças estruturais.

Esse movimento de silenciamento não ocorre isoladamente. Nos Estados Unidos, governadores conservadores atacam abertamente empresas que adotam práticas ESG, acusando-as de “woke capitalism”. Em setores industriais, há um esforço para desassociar desenvolvimento de sustentabilidade, como se esta última fosse um fardo e não um diferencial competitivo.

O poder que nos desafia

Quando apontamos que a Amazônia pode ser o maior laboratório de bioeconomia do mundo, estamos desafiando uma lógica de dominação secular. Há quem enxergue nossa visão de prosperidade sustentável como uma ameaça. A demonização do ESG, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e do Acordo de Paris não acontece por acaso. Ela é parte de uma disputa maior, onde a transição para um modelo econômico mais equilibrado representa um embaraço para velhas elites.

A Amazônia não pode ser refém do imediatismo e da desinformação. Nossa luta não é contra a tecnologia ou a IA – mas contra seu uso como pretexto para desviar o foco da crise climática. Sustentabilidade não saiu de moda. Ela apenas se tornou incômoda para quem teme perder o controle. E é exatamente por isso que precisamos continuar.

Estamos diante de um conflito entre modelos de mundo. Um, baseado na exploração desenfreada, acredita que qualquer limite ambiental ou social é um entrave à maximização de lucros. O outro, que defendemos, vê na harmonia entre economia e natureza a única saída possível para o século XXI.

Fórum ESG da Amazônia: resposta e resistência

Nos próximos dias, realizaremos o II Fórum ESG da Amazônia, uma iniciativa do CIEAM em parceria com a Suframa e apoio da Rede Amazônica. Não será apenas um evento – será uma trincheira de ideias e compromissos. Precisamos articular forças, consolidar argumentos e fortalecer nossas redes de apoio.

A luta por um modelo sustentável não é ingênua. Sabemos que haverá resistência e ataques, vindos de quem se beneficia do atraso. Mas também sabemos que a bioeconomia, a transição energética e a inovação sustentável não são apenas viáveis – elas são inevitáveis.

A Amazônia não pode ser refém do imediatismo e da desinformação. Nossa luta não é contra a tecnologia ou a IA – mas contra seu uso como pretexto para desviar o foco da crise climática. Sustentabilidade não saiu de moda. Ela apenas se tornou incômoda para quem teme perder o controle. E é exatamente por isso que precisamos continuar.

Alfredo Lopes
Alfredo Lopes
Alfredo é filósofo e escritor

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