Embora a presença de arsênio no arroz seja conhecida há tempos, estudos recentes apontam que o aquecimento global e o aumento das emissões de carbono podem intensificar esse problema e contribuir para o cultivo de um arroz tóxico
O arroz, alimento básico para mais da metade da população mundial, está no centro de uma crescente preocupação ambiental e de saúde pública: o aumento dos níveis de arsênio nos grãos, agravado pelas mudanças climáticas. Embora a presença de arsênio no arroz seja conhecida há tempos — trata-se de um elemento tóxico que ocorre naturalmente no solo —, estudos recentes apontam que o aquecimento global e o aumento das emissões de carbono podem intensificar esse problema.
Segundo informações de reportagem da BBC News, a concentração de arsênio no arroz pode variar amplamente, desde níveis aceitáveis até valores que ultrapassam os limites estabelecidos por agências reguladoras. Essa variabilidade depende de fatores como a origem do solo, o método de cultivo, as práticas de irrigação e, agora, as mudanças climáticas.
Conforme a Terra se aquece, as condições de cultivo em arrozais, normalmente ambientes inundados, favorecem a mobilização do arsênio no solo, aumentando sua absorção pelas plantas. Assim, o arroz acaba acumulando maiores quantidades desse metal tóxico em seus grãos, o que representa um risco à saúde humana, especialmente em populações que consomem o alimento diariamente.

Impactos do arroz tóxico na saúde pública
No Brasil, a presença de arsênio no arroz é monitorada e, geralmente, não representa um risco significativo à saúde da população – ao contrário de países como Bangladesh, que possuem três vezes mais arsênio do que os cultivados no próprio Reino Unido, comprador do produto, como mostra uma pesquisa realizada na Universidade de Montfort em 2005.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) esclarece que, por ser um elemento natural da crosta terrestre, o arsênio pode estar presente em alimentos e na água, razão pela qual foram estabelecidos limites máximos de tolerância para sua ingestão no Brasil: 0,20 mg/kg para o arroz branco e 0,35 mg/kg para o arroz integral.
Entretanto, mesmo em pequenas quantidades, a ingestão prolongada de arsênio inorgânico por meio de alimentos ou da água potável pode trazer sérios riscos à saúde. Os efeitos incluem câncer, doenças cardiovasculares, diabetes e outras complicações crônicas.

Um estudo recente realizado na China revela que os aumentos correspondentes nos níveis de arsênio no arroz, que aumentaram à medida que os níveis de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera e as temperaturas subiam, poderiam contribuir para aproximadamente 19,3 milhões de casos de câncer a mais somente na China.
“O arsênio inorgânico mostrou, em mais estudos do que se pode imaginar, ser cancerígeno, ter efeitos adversos em relação à saúde pulmonar e cardiovascular — é uma longa lista”
Lewis Ziska, professor de ciências da saúde ambiental da Universidade de Columbia, em Nova York, coautor do estudo.
Soluções existem, mas requerem mudanças
Além da necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e limitar o aquecimento global, há estratégias complementares para mitigar os riscos associados à presença de arsênio no arroz. Segundo Bruno Lemos Batista, professor de química da Universidade Federal do ABC (UFABC), uma abordagem eficaz é identificar os níveis de arsênio nos lotes produzidos e direcionar os grãos com menor concentração para os grupos mais vulneráveis da população, como crianças, gestantes e idosos, que são mais suscetíveis aos efeitos do arroz tóxico.
Outra frente de pesquisa envolve o manejo hídrico nos arrozais. Tradicionalmente cultivado em campos permanentemente inundados, o arroz absorve mais arsênio do solo sob essas condições anaeróbicas. No entanto, pesquisadores têm explorado métodos alternativos de irrigação, como a irrigação intermitente, em que o campo é parcialmente inundado, depois drenado e posteriormente reabastecido com água. Esse processo modifica a química do solo e reduz significativamente a absorção de arsênio inorgânico pelas plantas.
Entretanto, é preciso cautela: pesquisadores já alertam que esse método pode aumentar a absorção de cádmio pelas plantas — um metal pesado ainda mais perigoso para a saúde humana. O cádmio é considerado altamente tóxico e está associado a uma série de doenças graves.

Outra maneira de mudar o microbioma dos campos poderia ser adicionar certos tipos de fertilizantes — uma combinação que diminuiu o teor de arsênio foi uma mistura de tomilho selvagem e esterco de aves. No entanto, são necessárias mais pesquisas sobre qualquer uma destas abordagens.