O STF considerou hoje em decisão que o governo Lula retomou com suas políticas ambientais a obrigação constitucional de proteger os biomas brasileiros, entretanto cobrou maior efetividade nas ações
O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão majoritária, concluiu que não é necessário proclamar um “estado de coisas inconstitucional” em relação à política ambiental brasileira, na sessão de quinta-feira (14).
Essa decisão teria permitido ao Judiciário impor e monitorar ações aos outros Poderes sobre essa matéria. A ministra Cármen Lúcia, que relatou o caso, votou a favor dessa medida, mas foi superada por uma maioria de 8 a 3.
Por outro lado, os ministros unanimemente acordaram que é preciso elaborar um plano governamental dedicado à conservação dos biomas Amazônia e Pantanal.
Adicionalmente, foi aprovada a criação de um crédito extraordinário para o ano fiscal de 2024, com o objetivo de garantir a continuidade dos projetos governamentais de preservação ambiental. Esta proposta, que também proíbe o bloqueio desses fundos, foi apresentada pelo ministro Flávio Dino e inclui a obrigação de informar o Congresso Nacional.
Medidas para redução do desmatamento
Os ministros também votaram por medidas específicas dentro do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), visando a diminuição do desmatamento na região da Amazônia Legal para um limite de 3.925 km² por ano até 2027.
O julgamento dessas ações teve início em abril de 2022, mas foi interrompido devido a um pedido de vista do ministro André Mendonça, que apresentou seu voto em fevereiro do ano corrente.
A posição de Cármen Lúcia foi apoiada pelos ministros Edson Fachin e Luiz Fux, enquanto André Mendonça, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques, Gilmar Mendes, Flávio Dino e Luís Roberto Barroso expressaram discordância.
Entre as medidas, então:
Prazo para redução do desmatamento na Amazônia Legal: 80% até 2027 e 100% até 2030;
Redução total do desmatamento em terra indígena até 2030;
União apresente um plano específico de fortalecimento e garantia de recursos ao Ibama, ICMBIO e Funai, considerando os valores do Fundo da Amazônia;
Envio de relatórios mensais ao Observatório do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Poder Judiciário do Conselho Nacional de Justiça, que irá monitorar a aplicação das medidas.
Reações e comentários dos ministros
Durante o julgamento, houve críticas direcionadas ao governo de Jair Bolsonaro e elogios ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva no que tange à política ambiental.
O ministro Alexandre de Moraes destacou a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) como “uma das pessoas com maior credibilidade internacional na defesa do meio ambiente”, apesar de reconhecer que os problemas ambientais ainda persistem. Ele enfatizou que a situação atual não configura um “estado de coisas inconstitucional”.
Moraes também mencionou uma mudança de direção no governo, visando interromper a “boiada”, em alusão à fala do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que sugeriu o afrouxamento das políticas ambientais sob a administração Bolsonaro.
O ministro Alexandre de Moraes fez referência à declaração de Paulo Guedes, ministro da Economia, que caracterizou o Brasil como um “pequeno transgressor” no contexto ambiental, mencionando episódios esporádicos de incêndios florestais. Essa observação já havia sido destacada pela ministra Cármen Lúcia em seu voto anterior, em 2022, onde ela interpretou a fala como uma admissão de culpa.
Mudanças com a gestão Lula
Sob a nova administração de Lula, a ministra Cármen Lúcia revisou parte de seu voto anterior, que reconhecia uma violação extensiva dos direitos fundamentais devido ao desmatamento ilegal na floresta amazônica. Ela observou que, com a transição governamental, iniciou-se um processo de reativação da proteção constitucional ao meio ambiente.
O presidente do STF, por sua vez, refletiu sobre a situação anterior como um “estado de coisas inconstitucional, sem perspectiva de superação”, conforme expresso por Cármen Lúcia em 2022. Contudo, ele reconheceu uma “mudança de visão muito clara, no último ano, em relação à questão ambiental”.
Reconstitucionalização
Barroso mencionou que, embora o processo de reconstitucionalização esteja ainda incompleto, ele não vê justificativa para a declaração de um estado de coisas inconstitucional. Ele argumentou que tal medida poderia prejudicar o reconhecimento do papel crucial do Brasil na questão ambiental. O ministro destacou a necessidade do Brasil se posicionar como líder global em questões ambientais, dada a sua limitada capacidade industrial e tecnológica.
Ele enfatizou a riqueza do Brasil em termos de energia limpa e renovável, como hidráulica, solar, eólica e biomassa, especialmente a cana-de-açúcar, além da Amazônia, que descreveu como “a maior prestadora de serviços ambientais do planeta“, crucial para o ciclo da água.
Kássio Nunes expressou preocupação de que a declaração de um estado de coisas inconstitucional pudesse transmitir uma imagem negativa internacionalmente, sugerindo que o Estado brasileiro é incapaz de administrar as riquezas da Amazônia. Ele ressaltou a importância de evitar tal percepção, enfatizando a capacidade e a responsabilidade do Brasil na gestão de seus recursos naturais.
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