“A crise climática não é uma possibilidade. É uma realidade em curso. E se não formos capazes de transformar nossas estruturas econômicas, políticas, mentais e afetivas, restará apenas a crônica de um colapso anunciado.”
Há um certo constrangimento em celebrar, todos os anos, o Dia Mundial do Meio Ambiente, como se a Terra ainda estivesse em condições de receber homenagens simbólicas enquanto arde em silêncio, se contorce em extremos climáticos e emite sinais inequívocos de exaustão. A cada novo 5 de junho, a avalanche de slogans, hashtags e promessas públicas mais parece o coro de um funeral em marcha lenta. Fala-se muito, faz-se pouco.
Enquanto isso, o aquecimento não é mais futuro: já chegou — e se instalou. A Crise da Dualidade: Homem x Natureza A devastação ambiental não é apenas um problema físico, mas epistemológico. Herdamos da modernidade uma lógica que separa sujeito e objeto, homem e natureza, civilização e floresta. Uma dicotomia que autoriza o domínio, o consumo, a exploração.
Mas essa separação é uma ilusão. O nós — como lembra Ailton Krenak — não é apenas humano. Somos parte de uma totalidade viva e interdependente. A natureza que sangra também nos sustenta. A árvore tombada, o rio poluído, o bicho extinto — tudo isso é luto.

Há algo de profundamente pré-socrático nesse pensamento, que remonta à ideia de physis como totalidade pulsante. E conectada. Hoje, não basta apenas proteger o meio ambiente. É preciso radicalizar o olhar, desmontar a lógica predatória da separação e restaurar a consciência da conexão. O que está em jogo não é apenas o planeta, mas o próprio sentido da existência humana.
Barbárie Naturalizada e o Teatro da Polarização A questão ambiental foi tragada pela polarização contemporânea. Tornou-se mais um campo de disputa onde reina a desinformação, o negacionismo, a guerra de narrativas. A destruição da floresta passou a ser justificada por interesses imediatistas travestidos de progresso. E a barbárie foi naturalizada.
Mas não há economia sem água, não há agro sem floresta, não há política possível no colapso climático. A Amazônia, que garante o ciclo da água do Centro-Oeste, já dá sinais de colapso funcional. A ciência não tergiversa: segundo o físico Paulo Artaxo, a transição energética é inadiável. Persistir nos combustíveis fósseis é cavar a própria cova.

Celebrar o Meio Ambiente pela Metade é Negligenciar o Todo Em vez de um dia de celebração, o 5 de junho deveria ser um rito de passagem para um cotidiano de urgência ambiental. A cada dia, a mudança climática cobra uma fatura mais alta. Não se trata de salvar o planeta, mas de salvar a si mesmo com o planeta. E essa mudança começa na infância.
As crianças precisam ser educadas para sentir dor quando uma árvore cai, chorar com o rio que morre, compreender que a existência é um laço de afetos entre espécies e ecossistemas. Quando essa sensibilidade floresce, a ecologia deixa de ser um tema e passa a ser um modo de estar no mundo.
Não Retorno: Ou Tudo Muda, ou Tudo Acaba A crise climática não é uma possibilidade. É uma realidade em curso. E se não formos capazes de transformar nossas estruturas econômicas, políticas, mentais e afetivas, restará apenas a crônica de um colapso anunciado.
Que o Dia Mundial do Meio Ambiente sirva, ao menos, para uma reflexão séria: ou assumimos a integralidade do nosso pertencimento ao mundo natural, ou decretamos, com cada árvore derrubada e cada rio contaminado, que não merecemos mais habitá-lo.