“A Zona Franca de Manaus não deve ser vista tão somente como um polo industrial, mas como o motor de uma utopia, a nova economia brasileira, alinhada aos desafios do século XXI. O futuro da Amazônia e do Brasil está intrinsecamente ligado à sua capacidade de transformar potencial em realidade. Afinal, utopia é um lugar que ainda não existe, um desafio que apenas precisa ser antecipado em mutirão.”
Anotações de Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
A Zona Franca de Manaus (ZFM) se consolidou como um projeto econômico regional robusto e uma estratégia nacional para integrar o Brasil ao mundo de forma sustentável. No entanto, seu papel no desenvolvimento do país vai muito além das vantagens fiscais. Para que a ZFM amplie sua contribuição de forma efetiva, é imperativo enfrentar desafios históricos, incluindo a falta de infraestrutura, a insegurança pública e a necessidade de um planejamento estratégico alinhado às diretrizes da Agenda 21 e aos ODS, Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Essa abordagem deve atender às demandas sociais, promover a reposição dos estoques naturais e explorar plenamente o potencial da bioeconomia e da inovação tecnológica.
Além da contrapartida fiscal: a infraestrutura verde como prioridade
A competitividade do Polo Industrial de Manaus (PIM) depende, em grande parte, da manutenção de sua legislação fiscal. Porém, há um paradoxo gritante: enquanto o Amazonas está entre os maiores contribuintes da Receita Federal, a infraestrutura regional permanece precária. Portos inadequados, estradas insuficientes, energia de baixa confiabilidade e telecomunicações limitadas dificultam o desenvolvimento econômico e social da Amazônia Ocidental.
O exemplo do Arco Norte, patrocinado em parte pela própria indústria do Norte, é emblemático. Embora tenha sido crucial para o escoamento de produtos do agronegócio do Centro-Oeste, deixou a Amazônia Ocidental à margem dos investimentos necessários. Soluções logísticas, como a modernização de hidrovias e o desenvolvimento de infraestrutura verde, como estradas ecológicas, um projeto engavetado da BR-319, por exemplo, são necessários para conectar o PIM aos mercados nacionais e internacionais de maneira sustentável.
A integração da infraestrutura com a bioeconomia e outras indústrias emergentes da Amazônia deve ser uma prioridade nacional. Não é necessário investir em logística transoceânica; basta estruturar o que já existe e atender às demandas regionais de forma inteligente.
Segurança e combate ao crime organizado
Outro desafio crítico para a ZFM é a presença crescente do crime organizado, que influencia cerca de um terço da Amazônia Legal, conforme apontam levantamentos recentes. Essa situação não apenas ameaça a segurança da população local, mas também compromete a economia formal. A principal atividade econômica da região, a indústria, é responsável por 30% da riqueza gerada no Norte e está cada vez mais vulnerável ao impacto da criminalidade.
Embora a criação de uma base da Polícia Federal em Manaus seja um avanço, ela precisa estar integrada a um plano mais amplo. Esse plano deve incluir o uso de tecnologia avançada, como drones e monitoramento por satélite, para fiscalizar áreas de desmatamento e atividades ilegais. Além disso, é essencial fortalecer políticas públicas que ofereçam alternativas econômicas às populações vulneráveis, rompendo o ciclo de exclusão que alimenta o crime organizado.
Bioeconomia e sustentabilidade: o caminho para o Futuro
A bioeconomia representa uma oportunidade única para transformar a biodiversidade amazônica em produtos de alto valor agregado, promovendo um desenvolvimento sustentável. O uso de bioativos como o açaí, o guaraná e a andiroba é apenas o começo. Um plano nacional que priorize pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia, envolvendo universidades, centros de tecnologia e a ZFM, poderia colocar o Brasil na vanguarda global desse setor.
Paralelamente, a ZFM também pode liderar a transição para uma economia de baixo carbono, integrando cadeias produtivas baseadas em sistemas agroflorestais e certificando produtos amazônicos com selo de origem sustentável. Essa abordagem atenderia tanto aos mercados internacionais quanto às demandas sociais da Agenda 21.
Outro setor promissor é a indústria da defesa, que poderia ser expandida para incluir tecnologias de monitoramento ambiental e proteção do bioma. Essa integração fortaleceria a soberania nacional como também criaria novos mercados para o PIM.
Investimento em Educação e Capacitação
A transformação da ZFM em um modelo de economia sustentável exige a formação de mão de obra qualificada. A criação de hubs de inovação e educação em Manaus, priorizando a inclusão de populações indígenas e ribeirinhas, é fundamental. Isso não apenas geraria empregos, mas também garantiria que a riqueza gerada pela ZFM fosse distribuída de forma mais equitativa.
Empresários como Denis Minev já apontaram que a ZFM precisa diversificar sua produção e investir em ciência e tecnologia. Essas mudanças exigem vontade política e uma visão de longo prazo, que ultrapassem interesses imediatistas.
Geopolítica e diplomacia verde
A ZFM também tem o potencial de liderar uma nova diplomacia ambiental brasileira, posicionando o país como referência global em economia sustentável. Com sua biodiversidade e o compromisso com a preservação, a Amazônia pode ser o principal ativo do Brasil em negociações internacionais, fortalecendo sua posição em fóruns como a COP e o Acordo de Paris.
Compromisso político e mobilização social
Deixar a Amazônia Ocidental ao “deus-dará” não é uma opção. Como destaca o relatório do professor Augusto Rocha sobre infraestrutura, os impactos da penúria logística afetam diretamente a integridade ambiental e as condições socioeconômicas da região. Contudo, é inegável que a ZFM já é parte da solução.
O sucesso da Zona Franca de Manaus depende de uma mobilização conjunta de todos os setores da sociedade, aliados ao compromisso político. Se bem gerida, a ZFM pode liderar a reindustrialização verde do Brasil, promovendo empregos, inovação e sustentabilidade.
A Zona Franca de Manaus não deve ser vista tão somente como um polo industrial, mas como o motor de uma utopia, a nova economia brasileira, alinhada aos desafios do século XXI. O futuro da Amazônia e do Brasil está intrinsecamente ligado à sua capacidade de transformar potencial em realidade. Afinal, utopia é um lugar que ainda não existe, um desafio que apenas precisa ser antecipado em mutirão.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora