Desenvolvimento sustentável passa por fundo constitucional para a bioeconomia amazônica
Por Márcio Holland e Daniel Vargas
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A Amazônia é terra de oportunidades. Sua exuberância e riqueza de recursos naturais a torna uma terra prometida ao mundo da bioeconomia. Não temos, contudo, um plano de voo para atuar na região. O Brasil não conhece a sua Amazônia. O Brasil não sabe o que fazer com tanta riqueza natural. A cada novo projeto de investimento para a região, abre-se um caloroso embate entre gerar riqueza e impactar o meio ambiente. No bioma, o debate se exalta para projetos que são usualmente realizados no resto do Brasil.
Recentemente, entrou em rota de colisão os interesses da Petrobras e a indisposição do Ibama em autorizar a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, com potencial de ser um novo “pré-sal”.
Para o Ibama, há “inconsistências identificadas sucessivamente” em matéria de “notória suscetibilidade socioambiental”. Para a Petrobras, a área de pesquisa, que pode chegar a 2.200 km de extensão, fica a cerca de 500 km da foz do rio Amazonas, sem riscos ambientais para o bioma.
A exploração de potássio na região é outro caso em disputa. O Brasil é uma grande potência agrícola, mas altamente dependente de importação de fertilizantes, em particular de regiões que vivem em conflitos geopolíticos, como Ucrânia e Belarus. O Brasil importa 96,5% do cloreto de potássio que utiliza para fertilização do solo e é o maior importador mundial de potássio, com mais de 10 milhões de toneladas adquiridas do exterior.
Contudo, os municípios amazonenses de Nova Olinda do Norte, Autazes e Itacoatiara têm reservas em torno de 3,2 bilhões de toneladas de minério. Apenas 11% destas reservas estão em terras indígenas. Mas o Brasil segue altamente dependente da importação do insumo para uma cadeia produtiva que garante segurança alimentar a centenas de milhões de pessoas pelo mundo.
Vale ainda o registro do longo embate em torno da pavimentação da rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho (RO). Mais da metade de seus extensos 885 km não têm condições para transportar pessoas e mercadorias, e mesmo os trechos asfaltados, nas proximidades das capitais, estão aquém do adequado.
Mais um projeto de investimento amazônico na rota de disputa entre economia e meio ambiente. Sem um plano estratégico, as discussões sobre investimentos na região seguem sob conflito e com poucas realizações a favor da sociedade local. Recentemente, o Banco Mundial divulgou o documento “Equilíbrio Delicado para a Amazônia Legal Brasileira: um Memorando Econômico”, editado por Marek Hanusch.
O projeto se propõe a enfrentar as questões da Amazônia “de forma multifacetada”. Como outras iniciativas, o documento fala em altas cifras para valorar a floresta e seus serviços ambientais, mas não mostra o caminho da monetização desses recursos para os 28 milhões de brasileiros que lá habitam.
Fala-se em mais de US$ 200 bilhões anuais para o valor da floresta tropical brasileira. Mas como a população se beneficiaria desses recursos? Como se converteriam em produção ou renda para as famílias da região? A questão permanece em aberto.
A tarefa de promover grandes investimentos na região amazônica não é nada trivial, em especial porque envolve o falso conflito entre meio ambiente e investimentos produtivos, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, de potássio em Autazes e a pavimentação da BR-319.
A partir dos “Diálogos Amazônicos”, série de webinars da Fundação Getulio Vargas, discutimos a proposta de um fundo constitucional para a bioeconomia. Contribuições advindas destes e de outros tantos investimentos para esse fundo, empoderado em governança e princípios socioambientais, poderiam ajudar a mitigar seus riscos ambientais, promover a interiorização do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida da população, realizar investimentos em logística e patrocinar pesquisas e inovações nas cadeias produtivas da região.
A Amazônia somente terá desenvolvimento sustentável quando soubermos o que realmente queremos dessa extraordinária bênção da natureza.
Texto publicado originalmente pela Folha de São Paulo
Daniel Vargas é Coordenador do Observatório de Bioeconomia da FGV, e Coordenador de Pesquisas do FGV Agro.
Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena os “Diálogos Amazônicos” e a Pós-Graduação em Finanças e Economia (Master)
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