“Estamos diante de uma peça que deveria ser técnica e transparente, mas se tornou instrumento de poder e barganha. A manutenção de um orçamento desequilibrado, baseado em ilusões de arrecadação e negação de despesas previsíveis, é mais do que uma irresponsabilidade — é uma ficção contábil que sabota o planejamento público”
O Brasil acaba de aprovar seu orçamento para 2025. Com três meses de atraso, ele chega carregado de distorções e desequilíbrios, como se o país pudesse seguir operando à base de equívocos planejados e irresponsabilidades legitimadas. A conta, mais uma vez, não fecha — nem em números, nem em prioridades.
A peça orçamentária aprovada pelo Congresso é uma obra de engenharia política e não de responsabilidade fiscal. O governo promete um superávit de R$ 15 bilhões, mas os números escondem uma realidade inquietante: receitas infladas por previsões irreais e despesas subestimadas com má-fé. O caso do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) é simbólico: no ano passado, a expectativa era arrecadar R$ 55 bilhões com passivos tributários; o que se arrecadou de fato foi R$ 307 milhões — um erro de mais de 99%. Mesmo assim, o governo repete a aposta, agora com previsão de R$ 28 bilhões. É como se o papel tivesse o poder mágico de transformar desejos em realidades.
Na outra ponta, cortam-se despesas essenciais como se fossem supérfluas. O Bolsa Família teve um corte de R$ 7,7 bilhões, enquanto programas como o Pé-de-Meia — que garante incentivo financeiro para adolescentes de baixa renda permanecerem na escola — foram simplesmente excluídos do orçamento. Isso, apesar de decisão do Tribunal de Contas da União exigindo sua inclusão. Para um país mergulhado em desigualdades históricas, retirar dinheiro da permanência escolar e da proteção social é escancarar o desprezo por seu próprio futuro.
O que, no entanto, não sofreu cortes foram as emendas parlamentares. Pelo contrário: a previsão agora ultrapassa os R$ 58 bilhões, dos quais 80% são de execução obrigatória. É dinheiro público transferido diretamente para as bases eleitorais dos deputados e senadores, embalado em discursos de cidadania e desenvolvimento local, mas alicerçado em práticas notoriamente clientelistas. As chamadas “emendas de comissão”, as mais nebulosas e imunes à transparência, ainda esperam julgamento do Supremo Tribunal Federal para que se possa, ao menos, lançar alguma luz sobre seu destino.
Vivemos o que se pode chamar de “orçamentarismo de conveniência”. Um regime presidencialista que se comporta como se fosse parlamentarista, onde as prioridades nacionais são definidas não por um projeto de país, mas por arranjos de ocasião. Um orçamento que enfraquece políticas estruturantes e alimenta o curto-prazismo eleitoral. Que tira do que é coletivo para manter o que é estratégico — não para o Brasil, mas para os mandatos.

Estamos diante de uma peça que deveria ser técnica e transparente, mas se tornou instrumento de poder e barganha. A manutenção de um orçamento desequilibrado, baseado em ilusões de arrecadação e negação de despesas previsíveis, é mais do que uma irresponsabilidade — é uma sabotagem do planejamento público.
A cidadania, que tantos invocam para justificar suas emendas, começa na escola, na saúde pública, na segurança alimentar, na proteção social. Ela não se constrói com transferência de recursos sem critério, nem com privilégios disfarçados de investimento. O Brasil precisa urgentemente resgatar o valor de seu orçamento como pacto público e não como moeda política. Porque, enquanto a contabilidade da ficção prospera, o país real segue afundado no atraso — sem superávit, sem transparência, sem rumo.