Cientistas brasileiros conduziram uma pesquisa que descobriu uma forma de fazer concreto sustentável com um produto das sementes do fruto amazônico e com ele um importante aliado para trazer redução do impacto ambiental à construção civil, reduzir emissões e criar um potencial mercado de bioeconomia
O concreto tradicional, apesar de ser um dos materiais de construção mais utilizados no mundo, traz consigo uma série de preocupações ambientais. A produção de cimento, componente essencial do concreto, é responsável por cerca de 8% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases de efeito estufa. Esse impacto é resultado, em grande parte, da queima de calcário no processo de fabricação do cimento, bem como do consumo intensivo de energia durante esse processo.
Além disso, a extração de agregados, como areia e brita, para a produção de concreto, frequentemente leva à degradação de habitats naturais, erosão do solo e alterações em ecossistemas aquáticos. Esses impactos, somados à crescente urbanização e demanda por infraestrutura, tornam imperativo o desenvolvimento de alternativas mais sustentáveis ao concreto tradicional.
Bem conhecido na Amazônia por sua contribuição à indústria cosmética, o murumuru, uma semente de palmeira nativa, surge agora como uma inovadora solução para melhorar a qualidade do cimento, atendendo à demanda da construção civil por estruturas mais leves e concretos mais impermeáveis.
Ciência, inovação e sustentabilidade
A descoberta é fruto de uma pesquisa conduzida pelo Núcleo de Desenvolvimento Amazônico em Engenharia da Universidade Federal do Pará (UFPA), em colaboração com o Instituto Federal do Pará (IFPA) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
De acordo com o censo agropecuário do IBGE de 2017, são colhidas anualmente 253 toneladas de sementes de murumuru, das quais 47% são casca, totalizando 118,9 toneladas. No estudo, esse material, que anteriormente seria descartado, foi submetido a um tratamento químico em forno tradicional para diminuição de sua massa, um método típico na Amazônia. Posteriormente, o resíduo foi processado e analisado, visando seu total reaproveitamento.
Concreto sustentável e eficiente
Milleno Souza, líder da pesquisa e mestre pela UFPA, destaca que o material contribui para a criação de um concreto mais leve e ambientalmente responsável. Ele reduz a emissão de poluentes, conserva recursos naturais e previne a disposição inadequada ou queima do resíduo. “Dado o volume de toneladas colhidas anualmente, é plausível que as fábricas de cimento na Amazônia possam utilizar esse resíduo”, opina.
Benefícios da cinza
A cinza resultante da casca do murumuru mostrou ter propriedades que melhoram a compactação do concreto, tornando-o mais impermeável e durável. Além disso, a presença de elementos como a sílica pode potencializar a resistência e durabilidade do concreto sustentável.
As análises indicam que, com a adição de um aditivo específico, o material tem potencial para substituir parcialmente o cimento, resultando em um concreto mais durável e com propriedades físicas aprimoradas. “O concreto sustentável apresenta menos porosidade, tornando-se mais impermeável e leve”, destaca Souza.
Impacto ambiental positivo
Apesar de o cimento tradicional não poder ser completamente substituído, Souza ressalta que a substituição parcial de 6% já representa um avanço significativo para o meio ambiente. “Esse percentual pode parecer modesto, mas evita que resíduos sejam queimados ou acumulados em aterros. Além disso, reduz os insumos usados na produção de cimento, que emitem poluentes quando processados”, explica.
Este é o primeiro estudo a explorar a cinza da casca do murumuru no concreto, e mais pesquisas são necessárias. “Nossos resultados iniciais são encorajadores. Precisamos expandir nossos testes, explorar diferentes composições de concreto e temperaturas de queima, tudo para otimizar as propriedades do concreto”, conclui o pesquisador.
Mais sobre o murumuru
O murumuru, originário da região amazônica, tem sido tradicionalmente valorizado por suas propriedades benéficas na indústria cosmética. Rico em ácidos graxos, o óleo extraído de sua semente é amplamente utilizado em produtos para cabelo e pele, proporcionando hidratação, reparação e proteção. Além disso, a manteiga de murumuru, conhecida por sua textura luxuosa e capacidade emoliente, é frequentemente incorporada em cremes, loções e batons.
No mercado global, a espécie é frequentemente promovido como um ingrediente “clean” e sustentável, atraindo consumidores conscientes e marcas que buscam ingredientes naturais e éticos. A crescente conscientização sobre a biodiversidade da Amazônia e a demanda por produtos sustentáveis tem potencializado o valor comercial do murumuru, posicionando-o como um ativo estratégico na economia verde.
Com informações da Revista Cenarium
Comentários