A Amazônia, símbolo de riqueza natural e resistência histórica, continua sendo vítima de um sistema que prioriza o lucro em detrimento da vida. O escândalo bancário envolvendo o agronegócio é mais um capítulo dessa longa história de exploração e negligência. Mas também é uma oportunidade de questionar os modelos vigentes e lutar por um sistema mais justo, em que os recursos sejam utilizados para promover igualdade, sustentabilidade e reparação histórica
Por Belmiro Vianez Filho
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Uma reflexão sobre a acumulação de capital e as contradições dos bancos públicos de fomento
O Brasil é palco de um dos maiores paradoxos globais: uma economia agrária opulenta e altamente lucrativa que se sustenta em um sistema financeiro conivente com a desigualdade social e ambiental. O recente escândalo bancário envolvendo o agronegócio, amplamente noticiado, não apenas expõe práticas questionáveis de financiamento, mas revela as raízes históricas de um sistema que favorece grandes conglomerados e marginaliza os pequenos, especialmente na Amazônia. Neste contexto, bancos públicos de fomento, que deveriam atuar como instrumentos de justiça e reparação, frequentemente replicam os mesmos mecanismos predatórios do setor privado.
A Amazônia e o peso de sua história
A história da Amazônia é marcada por ciclos de exploração que deixaram profundas cicatrizes sociais e ambientais. Durante a Segunda Guerra Mundial, seringueiros da região foram mobilizados em um “esforço de guerra” para fornecer borracha natural essencial à produção de pneus para veículos militares dos Aliados, já que os seringais asiáticos estavam sob o domínio das forças nazistas. Esses homens, muitas vezes levados à força ou por promessas enganosas, embrenharam-se na floresta, enfrentando condições extremas e sem garantia de retorno.
Após o fim da guerra, o compromisso com a reparação foi esquecido. Um mecanismo compensatório, como a criação do Banco da Amazônia, poderia ter sido um marco de transformação regional. Contudo, o que se seguiu foi a reprodução de um modelo que não rompeu com as estruturas coloniais de exploração. A lógica do capital continuou a prevalecer, e os bancos públicos de fomento passaram a atuar com o mesmo enfoque em lucro que caracteriza o sistema financeiro privado.
A perpetuação da desigualdade pelo sistema bancário
Os bancos públicos, incluindo o Banco da Amazônia, são frequentemente apresentados como instrumentos de desenvolvimento. No entanto, seus relatórios anuais refletem outra realidade: cifras astronômicas de lucro, mesmo quando deveriam priorizar a promoção de justiça social e econômica. É evidente que, em vez de democratizar o acesso ao crédito, muitas dessas instituições favorecem grandes players, como o agronegócio, enquanto pequenos empresários, cooperativas e agricultores familiares são deixados à margem ou submetidos a condições desfavoráveis.
Um exemplo gritante é a prática de “venda casada”, um crime previsto na legislação brasileira, mas que persiste nos bastidores do sistema financeiro. Trata-se de impor aos pequenos tomadores de crédito a aquisição de produtos ou serviços adicionais, como seguros ou aplicações financeiras, como condição para a liberação de empréstimos. Essa prática penaliza especialmente os pequenos agricultores e empreendedores, que, com menor poder de barganha, tornam-se reféns de um sistema que enriquece bancos públicos e privados às custas de sua sobrevivência.
O agronegócio: opulência para poucos, sofrimento para muitos
O agronegócio, com seus lucros astronômicos e protagonismo na balança comercial brasileira, é o símbolo máximo desse sistema concentrador. Enquanto gigantes do setor ostentam balanços financeiros que rivalizam com os de grandes corporações globais, pequenos e médios produtores são esmagados pela lógica de mercado, enfrentando dívidas crescentes e condições desiguais de competição.
O financiamento ao agronegócio pelos bancos públicos é emblemático. Em vez de priorizar práticas sustentáveis ou apoiar agricultores familiares, esses recursos frequentemente alimentam a expansão de monoculturas, o desmatamento ilegal e a exploração predatória de terras. Na Amazônia, os impactos são ainda mais severos: florestas são devastadas, populações tradicionais são desalojadas, e os pequenos produtores enfrentam barreiras praticamente intransponíveis para acessar crédito em condições justas.
Alternativas para romper o ciclo de exploração
Romper com esse sistema de acumulação predatória exige coragem política e vontade de enfrentar interesses consolidados. Algumas alternativas incluem:
- 1. Reforma dos bancos públicos de fomento: Bancos como o Banco da Amazônia precisam ser submetidos a uma profunda reforma, com transparência total em suas operações e a imposição de critérios rigorosos de responsabilidade social e ambiental para a concessão de crédito. Relatórios de impacto deveriam ser públicos e auditados por entidades independentes.
- 2. Incentivo à agroecologia e à agricultura familiar: É urgente redirecionar os recursos do crédito agrícola para iniciativas que promovam a agroecologia, a diversificação de cultivos e o fortalecimento da agricultura familiar, pilares de um modelo mais inclusivo e sustentável.
- 3. Combate à prática de venda casada: A fiscalização sobre os bancos públicos e privados precisa ser intensificada, com punições severas para casos de venda casada ou qualquer outra prática que prejudique os pequenos tomadores de crédito.
- 4. Reparação histórica à Amazônia: Mecanismos compensatórios devem ser revisitados, com a criação de políticas públicas que valorizem as populações tradicionais e promovam o desenvolvimento regional, em respeito à história de exploração da Amazônia.
- 5. Transparência e rastreabilidade: Todos os financiamentos ao agronegócio devem ser condicionados a sistemas de rastreabilidade que garantam práticas sustentáveis e o cumprimento de metas sociais e ambientais.
Está na hora da justiça para a Amazônia e o Brasil
A Amazônia, símbolo de riqueza natural e resistência histórica, continua sendo vítima de um sistema que prioriza o lucro em detrimento da vida. O escândalo bancário envolvendo o agronegócio é mais um capítulo dessa longa história de exploração e negligência. Mas também é uma oportunidade de questionar os modelos vigentes e lutar por um sistema mais justo, em que os recursos sejam utilizados para promover igualdade, sustentabilidade e reparação histórica.
É necessário que a sociedade exija que os bancos públicos e privados cumpram um papel transformador, abandonando a lógica da acumulação desenfreada em favor de um modelo de desenvolvimento que respeite a história, o meio ambiente e o futuro das próximas gerações. Afinal, o lucro não pode ser a única medida de sucesso de um sistema que tem na Amazônia sua maior riqueza e também sua maior dívida.
Belmiro Vianez Filho é empresário do comércio, ex-presidente da ACA e colunista do portal BrasilAmazôniaAgora e Jornal do Commércio