“O Brasil se encontra em um momento decisivo, em que é fundamental garantir a ordem e a justiça em diversas esferas. A atuação firme da Justiça Eleitoral no combate ao crime organizado e a urgência de regulamentar e fiscalizar as apostas online são questões que andam lado a lado. Ambas demandam ações coordenadas das autoridades para proteger o processo democrático, o bem-estar social e a recuperação econômica do país.”
Anotações de Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
“Aqui tudo parece/Que era ainda construção/E já é ruína/Tudo é menino, menina
No olho da rua/O asfalto, a ponte, o viaduto/Ganindo prá lua/Nada continua”
Caetano Veloso
O verso “Alguma coisa está fora de ordem”, de Caetano Veloso, reflete a desordem que o Brasil enfrenta em múltiplos aspectos, sendo a temporada eleitoral e o crescimento desregulado das apostas online, só para ilustrar – com dois exemplos emblemáticos – que exigem ações urgentes. Ambos os fenômenos desafiam a ordem social e política, como também ameaçam a estrutura econômica e a segurança da população, ao colocar em xeque a integridade do processo democrático e a saúde financeira de milhões de brasileiros.
Alerta da ministra do TSE
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, em recente manifestação, chamou a atenção para a crescente tentativa de infiltração do crime organizado nas eleições de 2024, especialmente em estados como Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas e Ceará, para citar alguns. Essa interferência representa um desafio danoso e grave, pois coloca em risco a legitimidade do processo eleitoral e a própria segurança das instituições democráticas.
Em resposta, o TSE implementou um protocolo de monitoramento inédito, mobilizando o Ministério Público e a Polícia Federal para analisar candidaturas e identificar possíveis conexões com facções criminosas. Além disso, foram adotadas medidas preventivas, como a presença de juízes em todos os municípios no dia da eleição, e o apoio das Forças Armadas para garantir que o ambiente eleitoral seja seguro para os eleitores e os servidores da justiça.
Esse quadro é agravado pelo aumento da violência política no país. Entre janeiro e julho de 2024, o Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil registrou 35 assassinatos de lideranças políticas, sendo um dos casos mais emblemáticos o do prefeito de João Dias, no Rio Grande do Norte, que foi morto em circunstâncias que indicam envolvimento de facções criminosas. Esses fatos mostram a urgência de uma ação coordenada entre o poder público e as forças de segurança para garantir a ordem durante o processo eleitoral.
Para o setor produtivo, especialmente o industrial, um ambiente de ordem e segurança jurídica é indispensável. As eleições são um momento em que o país define seus rumos, e qualquer influência externa criminosa no processo pode desestabilizar a economia e afetar negativamente os investimentos. Portanto, a segurança eleitoral não é apenas uma questão política, mas também econômica.
Apostas Online e seus impactos sociais e econômicos
Paralelamente às preocupações com o crime organizado nas eleições, o Brasil enfrenta uma crise crescente relacionada às apostas online, especialmente nas modalidades esportivas e de quota fixa. Com a aprovação da Lei 14.790/2023, que regula a modalidade lotérica de apostas de quota fixa, o país deu um passo importante em direção à regulamentação do setor. No entanto, a aplicação efetiva dessa legislação, prevista para o próximo ano, ainda encontra desafios, principalmente no que diz respeito à fiscalização e ao controle das plataformas que operam no ambiente virtual.
Estudos recentes mostram os impactos negativos das apostas online no consumo e na recuperação econômica do país. Um levantamento da consultoria Strategy& da PwC apontou que 63% dos apostadores online no Brasil comprometeram parte de sua renda com as apostas. Como consequência, 23% dos entrevistados deixaram de comprar roupas, 19% reduziram os gastos com alimentos e 14% diminuíram o consumo de produtos de higiene e beleza. Essas estatísticas indicam que a atividade, sem a devida regulamentação e fiscalização, está desviando recursos significativos que poderiam ser direcionados para o varejo e outros setores produtivos.
Além dos impactos econômicos, o crescimento das apostas online tem gerado problemas sociais graves, incluindo o aumento da inadimplência. Um estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC) revelou que mais de 1,3 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes em 2024 devido a compulsão em apostas. Esse dado reflete uma realidade alarmante que precisa ser enfrentada por meio de regulamentação rigorosa e proteção ao consumidor.
Os exemplos internacionais reforçam a necessidade de ação. Nos Estados Unidos, onde as apostas esportivas online são permitidas em 38 estados, cerca de 7 milhões de pessoas enfrentam problemas relacionados à compulsão, resultando em dificuldades financeiras e de saúde mental. Na Austrália, um relatório parlamentar recomendou a proibição do uso de cartões de crédito em apostas online e defendeu medidas rígidas para limitar a publicidade voltada para o público jovem, como forma de mitigar os danos sociais.
Necessidade de regulamentação urgente e fiscalização rigorosa
Diante desse cenário, torna-se cada vez mais claro que o governo brasileiro precisa intensificar a regulamentação das apostas online para proteger a sociedade e garantir que as empresas do setor atuem de forma responsável. A Lei 14.790/2023 já abriu o caminho para essa regulamentação, mas sua aplicação precisa ser robusta e incluir mecanismos de fiscalização eficientes que coíbam abusos e protejam os consumidores, especialmente os mais vulneráveis.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi acionado por meio de uma ação de descumprimento de preceito fundamental para retirar do ar sites de apostas ilegais, o que reflete o reconhecimento, por parte das autoridades, dos danos causados por essa atividade. A retirada de plataformas ilegais é uma medida necessária para reestabelecer o controle sobre o mercado e proteger o consumidor brasileiro de práticas predatórias.
Ordem, justiça e regulação
O Brasil se encontra em um momento decisivo, em que é fundamental garantir a ordem e a justiça em diversas esferas. A atuação firme da Justiça Eleitoral no combate ao crime organizado e a urgência de regulamentar e fiscalizar as apostas online são questões que andam lado a lado. Ambas demandam ações coordenadas das autoridades para proteger o processo democrático, o bem-estar social e a recuperação econômica do país.
O setor produtivo industrial, como parte vital da economia regional e brasileira, apoia e reforça a necessidade de medidas que garantam a segurança jurídica e a ordem social. Um ambiente de estabilidade política e econômica é essencial para que possamos continuar gerando empregos, oportunidades e crescimento para o país. Afinal, “alguma coisa está fora de ordem”, e cabe a todos nós, junto às autoridades constituídas, trabalhar para restabelecê-la.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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