De agora em diante, tudo indica passaremos mais um tempo sem temer a doença holandesa. O indicado para ser o novo Secretário do Tesouro dos EUA anuncia metas que, pela lógica, devem levar a doença holandesa lá para o norte da América. Protecionismo comercial, redução do déficit orçamentário, e, principalmente, acréscimo de 3 milhões de barris à produção diária de petróleo
Por André Ricardo Costa
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A taxa de câmbio é apreciada de modo inusitado entre os que pensam política e economia industrial. Uma das principais questões é a tal “doença holandesa”, que costuma acometer países exportadores de commodities. O termo foi cunhado pela revista “The Economist”, em 1977, para descrever as consequências à economia holandesa por ter descoberto jazidas de gás natural na década de 1960. Os investimentos para iniciar a extração e, depois, os influxos monetários pela exportação da commodity teriam valorizado excessivamente a moeda holandesa, inviabilizando as exportações de produtos manufaturados. O próprio mercado interno holandês ficou muito suscetível à importação de bens finais.
A preocupação ocorre porque tem-se as commodities como itens de baixo valor agregado com reduzida geração de empregos nos pontos iniciais das cadeias produtivas, sobretudo a extração. O Brasil teve o seu momento de temer a doença holandesa, foi nos anos 2000, de 2003 a 2008, quando o real teve trajetória quase ininterrupta de apreciação. A renda da exportação de commodities agrícolas ocorria tanto pelo aumento da produtividade quanto pelo aumento do preço no mercado global. No ápice desse movimento, em 2006, com o dólar a R$ 2,20, a nossa estatal de petróleo anunciou a descoberta do pré-sal. O cultivar perfeito para a doença holandesa que poderia matar de vez a indústria brasileira.
Nos meios acadêmicos não havia consenso. Samuel Pessoa (2008) dizia que a doença não era tão ruim assim. No máximo ressaltaria sintomas de doenças pré-existentes, como a má alocação de recursos. Para Bresser-Pereira (2010) era ruim, sim, pois levaria o câmbio para abaixo da taxa de equilíbrio industrial, inviabilizando a atividade manufatureira em território pátrio. A solução seria tributar as exportações de commodities.
Leia o último artigo de André Costa aqui:
Desde então o que ocorreu foi o contrário do que Bresser temia. Assim como o Brasil demorou a descobrir o pré-sal, também demorou a explorá-lo. Quando o fez com mais ênfase, foi ao tempo em que se corrigiram distorções alocativas que faziam os juros serem tão altos. Corrigidas as distorções, os juros caíram e, surpresa, o câmbio disparou, despeito a produção de todas as commodities, agora com destaque ao petróleo, continuarem subindo.
Alguns setores industriais foram beneficiados. Os itens do Polo Industrial de Manaus vendem bem no mercado interno, suportando a concorrência dos importados. Algumas indústrias, principalmente do sul do país, conseguiram até se tornar grandes exportadoras. Fica a questão se o ganho seria ainda maior se aplicasse a sugestão do Bresser de tributar as exportações de commodities. A Reforma está para concluir e isso não vêm à mesa.
De agora em diante, tudo indica passaremos mais um tempo sem temer a doença holandesa. O indicado para ser o novo Secretário do Tesouro dos EUA anuncia metas que, pela lógica, devem levar a doença holandesa lá para o norte da América. Protecionismo comercial, redução do déficit orçamentário, e, principalmente, acréscimo de 3 milhões de barris à produção diária de petróleo. É que os EUA têm um análogo ao “pré-sal”, o “fracking”, que lhes permitiu mudar a geopolítica se posicionando como dos maiores exportadores de petróleo. Querem ainda mais.
Talvez a contragosto de quem lhe indicou, o dólar pode ficar ainda bem mais caro que os atuais R$ 5,81. Será interessante acompanhar se os EUA vão sofrer de doença holandesa, e se o Brasil vai se beneficiar de mantê-la distante.
André Ricardo Costa é Doutor em Administração pela FEA/USP e professor da Ufam
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