“A Lei da Biodiversidade, sancionada em 2015, surgiu como tentativa de corrigir o excesso de burocracia do modelo anterior, promovendo um sistema mais funcional e transparente para o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. Apesar de representar um avanço, a implementação da lei apresenta sérias deficiências — especialmente na operacionalização do SisGen, na justiça da repartição de benefícios, e na inclusão efetiva das comunidades tradicionais no processo decisório.”
Coluna Follow-Up
Há exatamente uma década, o Brasil dava um passo importante ao sancionar a Lei nº 13.123/2015, conhecida como Lei da Biodiversidade. Fruto de um longo processo de debates entre cientistas, juristas, representantes de comunidades tradicionais e formuladores de políticas públicas, a lei buscou equilibrar interesses diversos em torno de um bem comum essencial: a biodiversidade brasileira e os saberes ancestrais que a acompanham.
Ao regulamentar o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, a nova legislação representou um avanço sobre o modelo anterior, que era excessivamente burocrático e pouco funcional. A adoção do sistema de autodeclaração em substituição às autorizações prévias trouxe maior fluidez às pesquisas e atividades com base biológica. O estabelecimento do SisGen (Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético) centralizou informações e promoveu mais transparência, ainda que com limitações.
Apesar desses avanços, os desafios permanecem significativos. O SisGen, peça-chave da legislação, apresenta falhas operacionais crônicas. Sua interface continua pouco amigável, sua integração com plataformas internacionais é quase inexistente, e sua estrutura técnica dificulta o acesso dos verdadeiros protagonistas da conservação: os povos indígenas, as comunidades tradicionais e os pequenos pesquisadores espalhados pelos rincões da biodiversidade nacional.
É preciso reconhecer que uma lei, por si só, não transforma a realidade. É a sua implementação efetiva, acompanhada de políticas públicas consistentes, que garante impacto positivo. E nesse ponto, a Lei da Biodiversidade ainda patina. Falta clareza nos procedimentos, agilidade nas respostas e, sobretudo, justiça na repartição dos benefícios derivados do uso da biodiversidade e dos conhecimentos associados. A ausência de mecanismos eficientes para garantir o retorno justo a comunidades que há gerações protegem e compartilham saberes é uma ferida aberta no sistema.
Se quisermos que a Lei da Biodiversidade cumpra seu papel transformador, precisamos ir além da letra da lei. É hora de revigorá-la como instrumento de soberania nacional, justiça climática e desenvolvimento sustentável. Para isso, propomos cinco caminhos centrais:

- Um SisGen funcional, acessível e multilíngue, capaz de dialogar com sistemas de ciência aberta e bases internacionais;
- Acordos setoriais vinculantes que assegurem previsibilidade jurídica e justiça na repartição de benefícios;
- Uma governança verdadeiramente inclusiva, com assentos permanentes e voz ativa para os representantes de povos e comunidades tradicionais;
- Uma revisão normativa contínua e participativa, que valorize a simplicidade, a clareza e a centralidade da proteção dos saberes ancestrais;
- E, por fim, a criação de um Plano Nacional de Reinvestimento em Biodiversidade, com recursos públicos e privados dedicados à pesquisa científica, à inovação tecnológica e ao fortalecimento das cadeias produtivas sustentáveis baseadas na sociobiodiversidade.
O Brasil tem na sua biodiversidade uma vantagem estratégica incomparável, mas ainda não conseguiu convertê-la plenamente em ativo para o bem-estar da população, especialmente das comunidades que historicamente cuidam desses recursos. Estamos diante de uma encruzilhada: ou deixamos a lei estagnar como uma promessa formal ou a transformamos numa plataforma viva, ancorada em pactos sociais, investimentos robustos e profundo respeito à diversidade biocultural do país.
A década passada serviu para organizar o sistema. A que começa agora deve ser marcada pela ousadia, pelo compromisso com a transformação e pela coragem de fazer valer, na prática, aquilo que está consagrado no papel. Porque, no Brasil, biodiversidade é sinônimo de futuro. E futuro exige coragem, para proteger, para inovar e para repartir.

Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora