“Esse não é apenas o recado de um professor atento ao rio, é um chamado pedagógico à academia, à indústria, ao Estado e à sociedade”
Coluna Follow-Up
O alerta do professor Augusto Rocha, de que o rio Amazonas deve ser compreendido em sua dinâmica antes de sofrer intervenções, não é apenas uma recomendação técnica. É uma metáfora civilizatória para tudo o que se faz na Amazônia. O rio, com seus fluxos invisíveis de carbono e oxigênio, suas cheias imprevisíveis e suas vazantes ancestrais, é também o espelho dos nossos erros: insistimos em transformá-lo em corredor de escoamento, quando ele é o próprio cérebro hídrico da floresta, pulsando como coração e respirando como pulmão.
Esse mesmo descuido se repete quando tratamos da infraestrutura amazônica. Há décadas seguimos a lógica da pressa: abrir estradas, cortar ferrovias, ampliar aeroportos, dragar canais — tudo em nome de uma modernidade apressada que não se sustenta. O resultado é um retrato de abandono e desperdício: bilhões gastos em obras precárias, incapazes de resistir à força da natureza e ao tempo.
É nesse ponto que o chamado da ciência se impõe. E não uma ciência fechada em si mesma, mas uma ciência de fábrica, capaz de dialogar com a realidade de uma cidade essencialmente industrial, como Manaus, que irradia novos negócios e soluções estruturais.
A academia precisa deixar de ser mera repetidora de diagnósticos e assumir sua vocação de plataforma de respostas concretas. Seus departamentos devem funcionar como linhas de produção de estudos, modelos e tecnologias ajustadas às singularidades amazônicas.
A tradição, longe de ser descartada, é ingrediente dessa equação. Povos indígenas, ribeirinhos e comunidades tradicionais decifram há séculos o idioma da floresta e dos rios. Sabem identificar onde a estrada desmorona, onde a cheia chega, onde a seca ameaça. Integrar esses saberes ao repertório científico é parte da sabedoria que falta a muitos planejadores.
E há ainda a tecnologia, que hoje já permite mapear rotas e gargalos em tempo real, usando satélites, drones, sensores e inteligência artificial. A Amazônia pode e deve se tornar o território da infraestrutura inteligente, onde a prevenção substitui a improvisação, e o investimento deixa de ser sinônimo de desperdício. Um acidente em estrada, uma erosão em barranco, uma interrupção de via navegável não podem mais ser tratados como fatalidade. São falhas de planejamento que poderiam ser evitadas se houvesse um mapa vivo da infraestrutura regional.

Mas a pergunta que ecoa é: de onde virão os recursos para essa transformação? A resposta está diante de nós, em dados públicos que revelam uma verdade incômoda. O Amazonas, por meio da Zona Franca de Manaus, é um dos maiores contribuintes líquidos do país.
A Receita Federal registra, ano após ano, bilhões que partem do esforço industrial amazônico diretamente para os cofres da União. Esse dinheiro financia estradas em outros estados, sustenta políticas públicas em regiões distantes, paga juros da dívida nacional. Mas quando se trata de retorno para a região, o silêncio é ensurdecedor.
É preciso inverter essa lógica. O que a Amazônia devolve em tributos deve retornar em infraestrutura sustentável e inteligência aplicada. Não se trata de privilégio, mas de justiça federativa. O pacto precisa ser refeito: o Brasil só será sustentável se a Amazônia for. E a Amazônia só será sustentável se ciência, tradição e tecnologia forem a base de sua infraestrutura.
Antes de dragar, estudar. Antes de construir, conhecer. Esse não é apenas o recado de um professor atento ao rio, é um chamado pedagógico à academia, à indústria, ao Estado e à sociedade. O Amazonas não é um desafio a ser vencido. É um professor a ser ouvido.
Coluna Follow-Up é publicada pelo Jornal do Comércio do Amazonas, às quartas, quintas e sextas-feiras, Sob a responsabilidade do CIEAM E a coordenação editorial de Alfredo Lopes, editor do BrasilAmazoniaAgora.