Ciência com raízes na floresta: uma conversa com Adalberto Val – BAA Entrevista

Aos 69 anos, Adalberto Val é mais do que um cientista premiado. É símbolo de uma Amazônia que pensa, inova e transforma. Pesquisador do INPA, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da The World Academy of Sciences (TWAS), ele também é cofundador do portal Brasil Amazônia Agora. Nesta entrevista exclusiva, Val compartilha a trajetória que o levou do fascínio pelos peixes amazônicos a se tornar uma das vozes mais lúcidas da ciência latino-americana, engajada na defesa da floresta viva, da soberania do conhecimento e do protagonismo dos povos da Amazônia.

Coluna Follow-Up

1. Uma curiosidade que virou missão de vida

Adalberto Val – A história começa com o encantamento juvenil pela fisiologia dos peixes amazônicos — seres que desafiam a lógica biológica ao sobreviverem em ambientes extremos: águas com baixo oxigênio, pH instável, calor, escassez. Mas o que era fascínio virou chamado. Hoje, movido pela urgência de proteger a biodiversidade frente às pressões ambientais e sociais, Val transforma ciência em instrumento de soberania e justiça ambiental. A floresta, para ele, não é apenas um bioma: é um território de inteligência, resistência e criação.

Aos 69 anos, Adalberto Val é mais do que um cientista premiado. É símbolo de uma Amazônia que pensa, inova e transforma. Pesquisador do INPA, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da The World Academy of Sciences (TWAS), ele também é cofundador do portal Brasil Amazônia Agora. Nesta entrevista exclusiva, Val compartilha a trajetória que o levou do fascínio pelos peixes amazônicos a se tornar uma das vozes mais lúcidas da ciência latino-americana, engajada na defesa da floresta viva, da soberania do conhecimento e do protagonismo dos povos da Amazônia.
Pirarucu, Tambaqui e Jaraqui, respectivamente – foto: Citron / Wikimedia commons | Fiver, der Hellseher /

“Quarenta anos depois, o que me move é a urgência.”

2. Do INPA ao INCT-Adapta: ciência que nasce e floresce na Amazônia

Adalberto Val – À frente do INPA, Val enfrentou tempos de escassez e oportunidades. Foi nesse contexto que semeou o INCT-Adapta, um instituto de pesquisa que estuda como organismos amazônicos respondem às mudanças ambientais e climáticas. O projeto articula pesquisa de excelência, formação de doutores e diálogo com a sociedade — tudo com base no território. O grande desafio? Consolidar uma ciência amazônica feita na e pela Amazônia.

“Liderar ciência na Amazônia exige escuta, resiliência e visão de longo prazo.”

3. AmIT: inovação com DNA amazônico

Adalberto Val – Idealizado por Val, o Amazon Institute of Technology (AmIT) nasce com uma ambição clara: converter o conhecimento científico da floresta em soluções para quem vive nela. Em sinergia com o Adapta, o AmIT propõe uma bioeconomia crítica e inclusiva, com tecnologias apropriadas, co-construídas com as comunidades e não apenas voltadas ao mercado global. A floresta em pé é o centro — viva, pulsante e produtiva — com gente que pensa e cria a partir dela.

“Nem toda bioeconomia é sustentável. Nem toda inovação serve aos interesses locais.”

Arte Instituto de tecnologia da Amazonia AmIT
arte: AMIT

4. Formação de talentos com os pés no chão da Amazônia

Adalberto Val – O futuro da ciência amazônica não está apenas nos laboratórios. Está nos rios, nas aldeias, nas periferias urbanas. Por isso, Val defende uma formação transdisciplinar, que una biologia, engenharia, economia, ciência social e tecnologias digitais, com escuta ativa e respeito aos saberes locais. Para ele, ciência boa é a que resolve problemas reais e gera pertencimento.

“Precisamos de cientistas que dialoguem com saberes tradicionais e enfrentem a realidade concreta da região.”

5. Infraestrutura para a ciência da floresta

Adalberto Val – Para tornar o AmIT uma referência pan-amazônica, é preciso criar condições: laboratórios flutuantes, redes de internet de alta velocidade, equipamentos de ponta, mobilidade entre centros de pesquisa, formação continuada. O futuro da pesquisa exige presença no território e investimento estratégico.

“Laboratórios móveis, internet no interior, análise genômica e logística eficiente são vitais para o AmIT.”

6. Parcerias e novos pactos pela ciência

Adalberto Val – Val acredita em um modelo de governança baseado em alianças entre governo, setor privado responsável, agências multilaterais e a sociedade civil. BNDES, BID, FAO, UNESCO e cooperação sul-sul estão no radar. Mas o ponto central permanece: a ciência deve ter fins sociais — cuidar da vida, do território, das pessoas.

“A sustentabilidade virá da transparência, do impacto mensurável e do valor social do conhecimento.”

7. Itinerância, escuta e territorialidade

Adalberto Val – Unidades demonstrativas e embarcações-laboratório são mais do que infraestrutura: são pontes entre o conhecimento e a floresta profunda. Mas precisam ser construídas com base em escuta, respeito e integração com redes de pesquisa e inovação. Ciência sem território vira teoria desconectada.

“A ciência precisa ir onde ela não chega hoje.”

8. Mercados justos e valorização da produção local

Adalberto Val – Peixes, mel, óleos e fibras amazônicos só ganharão mercado com rastreabilidade, certificação, qualidade e inovação. Mas não basta exportar: é preciso reter valor e redistribuí-lo para quem cuida da floresta. Val defende uma bioeconomia com justiça e com rosto amazônico.

“O valor tem que ficar na região, retornando para quem produz com responsabilidade.”

9. Embalagens do futuro: naturais, biodegradáveis, comestíveis

Adalberto Val – Inspirado na abundância da floresta, o AmIT investe em soluções baseadas em polímeros naturais, muitos derivados de resíduos agroflorestais. A ideia é transformar problema em solução e lixo em riqueza. Parcerias com centros de biotecnologia e empresas da economia circular aceleram essa jornada.

“A transição para embalagens ecológicas não é luxo, é urgência.”

10. Um legado de raízes profundas e frutos generosos

Adalberto Val – Mais do que prêmios, o que emociona Val é ver jovens cientistas amazônicos tomando as rédeas do próprio futuro. Seu legado será uma ciência com raízes na floresta e olhos no mundo. Uma ciência a serviço da dignidade, da justiça climática e da vida. Um Brasil que respeita e aprende com a Amazônia.

“A ciência sempre foi, para mim, uma forma de cuidar.”

Coluna Follow-Up é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras no Jornal do Comércio do Amazonas sob a responsabilidade do Centro da indústria do estado do Amazonas e coordenação editorial de Alfredo Lopes, editor geral do portal Brasil Amazônia Agora

alfredo
Adalberto Val
Adalberto Valhttps://brasilamazoniaagora.com.br/
Adalberto Val é um biólogo, pesquisador e professor universitário brasileiro. Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro titular da Academia Brasileira de Ciências desde 2005, é pesquisador e professor no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

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