As abelhas-sem-ferrão podem ser peça chave para polinização do cacau de forma manual, forma valiosa de aumentar o cultivo da matéria-prima
O processo de polinização manual do cacau envolve um significativo investimento de tempo, cuidado e, claro, dinheiro. Segundo publicação da Revista Pesquisa FAPESP, durante o processo, que é feito por produtores rurais em diversas plantações do território nacional, é preciso pegar cuidadosamente uma das flores, coletar o pólen, com ajuda de uma pinça ou de um pincel e aproximar da parte reprodutora feminina de outra planta, preferencialmente pela manhã. Mesmo aproveitando o horário de maior fertilidade das flores, algumas podem cair e não serem fecundadas, por isso os polinizadores profissionais podem ser tão protagonistas para o sucesso desse processo.
Pensando em diversificar a “mão de obra” da polinização manual, um grupo de pesquisadores brasileiros passou a estudar o potencial de determinado tipo de abelhas para atuarem como polinizadoras do cacau. “A polinização manual é bastante trabalhosa e tem um custo elevado, então tivemos a ideia de estudar abelhas, que são polinizadoras viáveis para o tamanho das flores de cacau”, explica a bióloga Camila Maia, pesquisadora em estágio de pós-doutorado na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Junto de outros especialistas da USP e do Instituto Tecnológico Vale (ITV) Desenvolvimento Sustentável, em Belém, ela integra um projeto de estudos com o objetivo de “adestrar” abelhas brasileiras sem-ferrão para polinizar as flores do cacau. Um estudo publicado em agosto na revista Frontiers In Bee Science evidencia que, entre as mais de 180 espécies que existem na região da Amazônia, onde a planta é cultivada, 52 têm o tamanho ideal para serem polinizadoras.
Abelhas-sem-ferrão e a relevância da polinização do cacau
O cacau depende da polinização animal para desenvolvimento de frutos e produção das sementes. A falta ou ineficiência de polinizadores naturais nas plantações de cacau tem levado os agricultores a buscar alternativas, como a polinização manual, que é trabalhosa. Devido ao pequeno tamanho das flores do cacau, assim como às barreiras estruturais que impedem insetos maiores de acessar o estigma – parte da flor que recebe os grãos de pólen, essencial para a reprodução -, apenas abelhas minúsculas podem ser uma opção viável para a polinização direcionada do cacau.
Por isso, os estudos focam no papel das abelhas-sem-ferrão, menores do que as tradicionais, como possíveis agentes polinizadores, especialmente em agroflorestas sombreadas. No estado do Amazonas, podemos encontrar cerca de 120 espécies de abelhas-sem-ferrão, da tribo Meliponini. Entre as espécies criadas estão a uruçu-boca-de-renda ou jandaíra e a jupará, que são encontradas no Bosque da Ciência.
Para o botânico José Rubens Pirani, do Instituto de Biociências (IB) da USP, apesar dos estudos promissores com as abelhas-sem-ferrão, há muito trabalho a ser feito. “Não existe comprovação de que elas atuarão efetivamente como polinizadoras; o fato de as abelhas visitarem as flores não garante que elas depositarão o pólen na parte feminina da flor e que isso vai gerar fecundação e produção de frutos”, pondera. “É uma linha de trabalho desafiadora, por ser muito complexa.”
Já a bióloga Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca, da USP, coautora do estudo e referência no estudo de abelhas, é mais otimista. “Tem muita chance de dar certo”, opina. “No futuro, a polinização será assistida em boa parte dos cultivos, porque o impacto do clima sobre a distribuição de abelhas é tão grande que o número de espécies vai diminuir”, afirma a especialista. “Essas menores terão mais chance de aguentar o calor porque seu sistema de termorregulação é diferente daquele das abelhas maiores, essenciais na produtividade de muitas plantas usadas como alimento”, conclui.
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