Em um contexto de desmonte do arcabouço de política pública de conservação, há diversas iniciativas que precisam ser recuperadas e fortalecidas
Por Clarissa Gandour
Em recente carta pública, doze ex-Ministros da Fazenda e ex-Presidentes do Banco Central classificaram a sustentabilidade ambiental como sendo vital para o desenvolvimento socioeconômico do país. Dentre as quatro condições elencadas pelos signatários como sendo fundamentais para alcançar esse desenvolvimento consta “zerar o desmatamento na Amazônia”.
São doze nomes de peso para fazer coro com o que já trouxe em colunas anteriores — o desmatamento é um empecilho para odesenvolvimento socioeconômico da Amazônia e um fator de atraso e desprestígio para o país.
A boa notícia é que o Brasil sabe como combater o desmatamento. Entre 2004 e 2012, a taxa de desmatamento na Amazônia caiu 84%, em grande parte devido a esforços de política pública adotados no âmbito de um plano de ação federal. O país aprendeu muito com os sucessos e as limitações desse plano.
Aprendeu que inovação de política pública importa. O plano inaugurou uma nova estrutura de governança, tratando o combate ao desmatamento na Amazônia não como uma atribuição exclusiva do Ministério do Meio Ambiente, mas uma responsabilidade compartilhada entre treze ministérios sob coordenação da Casa Civil. Se o tema interessa a todos, convém que todos se mobilizem e se responsabilizem.
No entanto, as inovações do plano de ação não se restringiram apenas à forma, contemplando também o conteúdo da política pública.
Ao longo da primeira década do plano de ação, o Brasil explorou diversas novas frentes de atuação para controle do desmatamento. Fez uso estratégico de tecnologia para potencializar o controle ambiental, desenvolvendo um pioneiro sistema de monitoramento florestal por satélite para orientar e focalizar ações de fiscalização. Aliado a mudanças institucionais que fortaleceram o arcabouço de comando e controle, esse sistema foi essencial para avançar no combate à impunidade ambiental na Amazônia.
Além disso, o país inaugurou o uso de instrumentos financeiros para incentivar a conformidade ambiental. Com o condicionamento do acesso ao crédito rural dentro do bioma Amazônia ao cumprimento de requisitos ambientais e de titulação de terras, reduziu-se a destinação de um recurso público altamente subsidiado àqueles que descumpriam a lei.
O Brasil modernizou, ainda, políticas já consolidadas. A expansão de territórios protegidos, até então tipicamente definidos a partir de critérios ecológicos e culturais, passou a considerar o risco de desmatamento como critério também relevante. Com isso, esses territórios passaram a servir como um escudo para a destruição da floresta em zonas críticas.
O que se mostrou efetivo no passado para combater o desmatamento pode ajudar a proteger a Amazônia agora. Em um contexto de desmonte do arcabouço de política pública de conservação, há diversas iniciativas que precisam ser recuperadas e fortalecidas, a começar pela retomada da capacidade de resposta por parte do controle ambiental. O ordenamento territorial é uma prioridade, principalmente no que diz respeito à destinação de terras públicas não designadas e ao combate à grilagem.
No entanto, para conter a recente escalada do desmatamento, precisamos novamente de políticas públicas inovadoras e ousadas. Afinal, a Amazônia mudou desde que o plano de ação foi instituído. Hoje, há novos desafios críticos, como a explosão da violência e a capilarização do crime organizado na região, além de novo conhecimento, como a crescente conscientização da necessidade de enfrentar a degradação florestal na região.
O compromisso com uma agenda de política pública ambiental moderna, estratégica e efetiva é absolutamente fundamental para assegurar a proteção da Amazônia e zerar o desmatamento. Ainda que não seja uma condição suficiente para o desenvolvimento socioeconômico sustentável, esse compromisso é uma condição necessária para tal. Dele dependem tanto a Amazônia quanto o Brasil.
*Clarissa Gandour é doutora em Economia pela PUC-Rio, atua como Coordenadora de Avaliação de Políticas Públicas de Conservação no Climate Policy Initiative / PUC-Rio.
Artigo enviado pela autora e publicado originalmente no site do Convergência Pelo Brasil
Texto retirado de ECO DEBATE
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