A Embrapa promoveu, em 23 e 24 de novembro, o webnário “Serviços Ecossistêmicos e Ambientais na Amazônia”. Organizado pela Embrapa Acre, o evento é fruto de projeto para construção e sistematização de conhecimento sobre o tema, denominado Aseam, liderado pela Embrapa Territorial. O Aseam compõe o Projeto Integrado da Amazônia (PIAmz), financiado pelo Fundo Amazônia e operacionalizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em cooperação com o Ministério do Meio Ambiente. Além de estudos sobre a importância da floresta e políticas públicas, o webnário mostrou casos em que os serviços ecossistêmicos já foram valorados e estão sendo remunerados (veja boxes no final).
Na abertura do evento, a coordenadora do PIAmz, pesquisadora Michelliny Bentes, da Embrapa Amazônia Oriental (PA), disse que o tema pagamento por serviços ecossistêmicos e ambientais é estratégico para o bioma, especialmente no momento atual. “Os últimos anos têm sido de grande demanda por conhecimento para avançar no contexto da prevenção ao desmatamento na Amazônia”, comentou. O chefe-geral da Embrapa Acre, Bruno Pena, ressaltou a necessidade de promover medidas para conciliar a preservação com o desenvolvimento: “Como fazer com que a gente consiga preservar esse bioma tão importante para o mundo todo e dar qualidade de vida para as pessoas que vivem aqui?”.
O pesquisador Sérgio Tôsto, da Embrapa Territorial (SP) e líder do projeto Aseam, lembrou o papel da iniciativa de dotar os agricultores de conhecimento sobre a “caixa-preta do pagamento por serviços ambientais”. “Nada mais justo do que eles se empoderarem desse conhecimento, afinal, o serviço ecossistêmico está dentro da propriedade dele”, defendeu.
O primeiro dos quatro painéis do webnário tratou do uso da terra e mudanças climáticas. A professora Aliny Pires defendeu ações para preservar a biodiversidade e a adoção de soluções baseadas na natureza. “Garantir a biodiversidade é garantir um portfólio de oportunidades e opções para lidar com os desafios que enfrentamos hoje e que ainda vamos enfrentar”, alertou. O pesquisador Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), mostrou o resultado de experimentos que compararam a perda de água da chuva em áreas de pastagem e áreas de floresta e os cálculos de quanto se perderia com a falta das matas: 8,4 trilhões de metros cúbicos. Fearnside alertou, ainda, para o potencial de obras de infraestrutura, como novas rodovias, impulsionarem o desmatamento.
O painel também abriu espaço para tratar da Lei de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), promulgada em janeiro deste ano. A advogada Flávia Frangetto, especialista em políticas públicas na área ambiental e climática, discutiu alguns pontos ainda não resolvidos pela norma: “Quando a lei coloca uma autorização para utilização de PSA em área de preservação permanente e reserva legal, nós ficamos num impasse jurídico, que é o de verificar se corresponde a uma vontade da nação utilizar os recursos para financiar uma atividade econômica de interesse, por exemplo, dos proprietários que já tinham de cumprir uma legislação”.
Estudos ambientais
No segundo painel do evento, foram apresentados resultados do mapeamento do uso e cobertura da terra em duas áreas de estudo: a microbacia do Rio Douradão em Apuí (AM) e a bacia hidrográfica do rio Iquiri (Ituxi) em Acrelândia (AC). Nos dois casos, as estimativas foram feitas com o uso do software InVEST.
O coordenador do Grupo de Estudos em MacroEconomia Ecológica da Universidade Federal do Pará, Junior Garcia Ruiz, apresentou as classes de uso e cobertura da terra da área em estudo em Apuí. A floresta primária ou secundária ocupa 48,33% do total da área em estudo. Também estão sendo realizados estudos de avaliação de estoque e da captura (sequestro) de carbono.
Na área em Acrelândia foram estimados a erosão total e o aporte de sedimentos nos rios da bacia do rio Iquiri, além de terem sido feitas projeções (positiva e negativa) em diferentes cenários de uso do solo. O pesquisador da Embrapa Territorial, Rogério Resende, ressaltou a importância de proteger e recuperar as bacias hidrográficas degradadas ou em degradação.
Quase 50% da área em estudo em Acrelândia estão cobertas com pastagens invasoras. “A proteção e a recuperação contemplam uma parte essencial das estratégias futuras para fornecer água potável e garantir segurança hídrica da população”, afirmou Resende.
O painel, moderado pela pesquisadora Vera Gouveia (Embrapa Cocais- MA), foi encerrado com o relato de Ramon Morato, presidente da BIOT Agroflorestal. Ele falou sobre as experiências de capacitação em serviços ambientais e produção sustentável no Amazonas. Conforme a programação do projeto Aseam foram realizados dois cursos em Apuí (AM). Neles foi dado destaque à produção sustentável e ao pagamento de serviços ecossistêmicos para a geração de renda das comunidades amazônicas.
Políticas públicas
O tema do último painel, com a moderação da analista Daniela Maciel (Embrapa Territorial), foi sobre os programas de pagamento de serviços ambientais e de promoção da conservação dos ecossistemas nos estados do Amazonas, Mato Grosso e Acre. Foram destacadas, entre outras, as ações do programa Bolsa Floresta (Amazonas) e do programa Floresta+, instituído pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), para remunerar quem protege a mata nativa da Amazônia.
O chefe do departamento de gestão ambiental e ordenamento territorial da Secretaria do Meio Ambiente do Amazonas, Eire Vinhote, afirmou que a meta do Estado é reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030. Para isso, são incentivadas ações relacionadas ao programa REED, sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal.
No Mato Grosso, o propósito é manter 60% da cobertura vegetal. Segundo o secretário da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Alex Marega, a preservação ocorre em paralelo ao aumento da produção agrícola (grãos, proteína animal e algodão). Ao mostrar um gráfico da evolução do desmatamento e da produção, ele garantiu a existência de um processo compensatório entre eles.
A presidente do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais do Acre, Joice Nobre, ressaltou os mecanismos de governança do Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais, em vigor no Estado. Já a secretária da Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais do MMA, Marta Giannichi, apresentou o conceito do programa Floresta+ e algumas das modalidades decorrentes, como Floresta+Carbono e Floresta+Empreendedor. O principal objetivo do programa é levar alternativas de geração de renda para os protetores da floresta Amazônica.
Experiências práticas em serviços ambientais na Amazônia
As experiências em Tomé-Açu (Pará) e na Vila Califórnia (Rondônia) mostraram como a implantação de Sistemas Agroflorestais podem ser compensados financeiramente pelos serviços ambientais e ecossistêmicos que exercem no planeta. A terceira experiência foi sobre estimativas de mensuração de créditos de carbono em terras indígenas por desmatamento evitado.
O agricultor Sérgio Roberto Lopes do projeto Reca: Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado, apresentou o “Projeto Carbono”. A experiência vem sendo desenvolvida por agricultores familiares do projeto Reca, em parceria com a empresa Natura Inovação e Tecnologia de Produtos Ltda (Natura) e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável (Idesam), no município de Nova Califórnia (RO).
A proposta faz parte do programa Carbono Neutro, criado pela Natura, em 2017, com o compromisso público de reduzir as emissões da Empresa em toda a sua cadeia de valor e neutralizar 100% de suas emissões. Produtores são compensados a partir da redução de emissões geradas, ou seja, pelo desmatamento evitado na floresta. O agricultor conta que o primeiro passo foi fazer a regularização fundiária de produtores do Reca e do entorno da região. A ação rendeu a emissão de mais de 300 títulos.
“A região onde eu vivo é uma tríplice fronteira (Acre, Amazonas e Bolívia), é uma área onde o desmatamento está avançando velozmente, por isso a gestão fundiária, além de ser um instrumento de gestão do território, garante maior segurança para a atividade. Entre 2016 e 2020, foram desmatados mais de 161 mil hectares de floresta”, comenta.
O produtor explica que os recursos provenientes do projeto, que tem uma projeção até 2039, são divididos: 20% para o fundo reserva técnica, para investimento, atender os riscos de abandono do projeto e outros imprevistos; 40% é de uso coletivo, investimento em benfeitorias como sistema de água, usina de resíduo de e compostagem, e equipamentos (empilhadeiras, tanques, drones, etc); e os 40% restantes são para uso individual. Durante a apresentação, a equipe técnica do Reca enviou um recado: “Se as árvores dessem sinal de wi-fi, muita gente iria plantar e cuidar delas. Mas como só dão oxigênio, poucos se importam”.
Sérgio Lopes finalizou a apresentação destacando que “o caminho para a sustentabilidade é fugir do individualismo, do CPF, puro e simples, e trabalhar no coletivo. É desse coletivo que nós precisamos para ter um desenvolvimento sustentável com bases mais sólidas. Para nós esse projeto está sendo uma experiência única. O futuro do Reca está mais próximo dos produtores, fazendo um planejamento da propriedade como um todo. Não podemos olhar só o SAF, uma APP, a gente tem que olhar a propriedade e a região como um todo. E chamar as políticas públicas para que somem neste processo”.
Experiência da CAMTA
A segunda experiência foi apresentada pelo engenheiro agrônomo da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA), Vicente de Moraes, sobre pagamentos de serviços ambientais para o Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu. Desde 1931, a CAMTA é amplamente conhecida pelo trabalho em Sistemas Agroflorestais, o SAFTA. A origem desse modelo de SAF tem relação com o ataque da fusarium nos plantios de pimenta-do-reino na década de 70. Um problema que causou um transtorno muito grande na região, estimulou os produtores a buscar novas alternativas de cultivo.
“A pimenta-do-reino continua sendo muito forte aqui na região, mesmo com seus altos e baixos, ela ainda é uma cultura com grande importância econômica. O cacau a cada ano vem aumentando a produção. Hoje, exportamos quase 100% da produção para o Japão, nosso principal comprador”, comenta.
Uma recente conquista da CAMTA e produtores da região foi a indicação geográfica do cacau, na categoria indicação de procedência. É o primeiro selo de indicação geográfica do Estado do Pará.
Para buscar novas alternativas de produção e estratégias para atender as demandas dos produtores, a Camta montou o programa Master 90, que contempla projetos com cultivos do dendê em sistema agroflorestal. “É um projeto audacioso, mas o pontapé inicial será ainda este ano. A expectativa é chegar aos 41 mil hectares até 2030”, complementa Moraes.
Outro projeto a ser implantado é o de Restauração florestal: Sistemas Agroflorestais e regeneração Natural. A iniciativa vai contemplar 65 famílias e uma área de 65 hectares, e já conta com recursos financeiros de R$1 milhão. É um projeto de implantação do sistema florestal que visa, no futuro, que o produtor tenha algum ganho com o pagamento de serviços ambientais.
Moraes também citou outras iniciativas como a do Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal, que será desenvolvido na região nordeste do Pará para atender mil famílias até 2024, e de um projeto piloto em parceria com a Renature, Microsoft e Rabobank , que está em fase de avaliação.
Desmatamento evitado em terras indígenas
O pesquisador Eufran Amaral apresentou duas experiências da Embrapa Acre: uma localizada no extremo oeste do estado do Acre, na Terra Indígena Poyanawa, no município de Mâncio Lima; e a outra na região central do estado, no médio Rio Envira, na Terra Indígena Kaxinawá de Nova Olinda, no município de Feijó.
De acordo com o pesquisador, os povos indígenas promovem legítimas ações de preservação, conservação, recuperação e uso sustentável dos recursos naturais, portanto estão habilitados a se beneficiarem dos projetos de incentivos a Serviços Ambientais-ISA. “A realização de projetos de incentivos a serviços ambientais em terras indígenas possibilita a redução das emissões de gases de efeito estufa e cria as condições financeiras e institucionais para que os povos indígenas possam manejar seus territórios de forma ambiental e socialmente sustentável”, afirma.
Os estudos estimativos mostraram, por exemplo, que na Terra Indígena Poyanawa, uma média de 6.381 toneladas de CO2 seriam evitados por ano. Caso o serviço ambiental fosse compensado, o valor a ser pago seria de U$38.200 mil por ano, cerca de R $150 mil por ano, e o estoque total poderia ser valorado em R $2.450 milhões oriundos de um projeto de serviços ambientais, considerando o período de 2006 a 2025.
A importância das terras indígenas vai além de seus limites específicos. Isso porque elas integram mosaicos ou corredores de áreas protegidas ainda mais extensos que bloqueiam o avanço do desmatamento em regiões críticas e ensejam outros modelos de ocupação e de desenvolvimento em regiões remotas. A existência dessas grandes extensões protegidas, passíveis de conservação a longo prazo, é fundamental para preservar o complexo regime de chuvas e para evitar, no futuro, a fragmentação da floresta em consequência do avanço do desmatamento.
“Os modos de vida tradicional dos povos indígenas e sua relação com as florestas contribui com a proteção da floresta, das águas, do manejo dos recursos naturais e salvaguardam conhecimentos tradicionais. Proteção que é essencial para a sobrevivência humana. É importante entender que a questão da conservação das florestas não é apenas importante para uma determinada terra indígena, mas para o entorno, Estado, região e país em que ela está localizada”, destaca Amaral.
Fonte: Embrapa
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