O turista aprendiz e os economistas perplexos em viagem pela Amazônia

Uma integração efetiva entre a Amazônia e o restante do Brasil, fundamentada em estratégias industriais, econômicas, científicas, tecnológicas, culturais e ambientais, tem o potencial de gerar benefícios significativos para todo o país. É crucial que esse desenvolvimento seja sustentável e que fortaleça a identidade nacional, promovendo uma visão de brasilidade que reconhece e valoriza a diversidade e o potencial de todas as suas regiões”.

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Em 1927, Mário de Andrade, um dos principais nomes do modernismo brasileiro, realizou uma viagem pelo Norte e Nordeste do Brasil, experiência que resultou na obra “O Turista Aprendiz”. Nessa jornada, ele buscava compreender as diversas manifestações culturais do país, distantes do eixo urbano de São Paulo. Suas observações revelaram um Brasil profundo, rico em diversidade, mas também marcado por desafios socioeconômicos e pela marginalização de vastas regiões. Historicamente, o país tem se preocupado com a visão estrangeira, sem dedicar a devida atenção a si mesmo, olhar pra dentro, atento às suas contradições, contrastes, riquezas e oportunidades.

Quase um século depois, em janeiro de 2025, economistas do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP) visitaram a Zona Franca de Manaus (ZFM) para discutir seus impactos socioeconômicos e ambientais. Durante o encontro, foram apresentados dados que destacam a importância da ZFM na redução das desigualdades regionais, na preservação ambiental e na competitividade industrial. Os visitantes reconheceram que a visão predominante sobre a ZFM, especialmente no eixo econômico paulista, ainda é limitada, muitas vezes subestimando seu real impacto.

Nas últimas décadas, a Universidade de São Paulo, líder continental em ciência, tecnologia e inovação, conta com aproximadamente 500 pesquisadores na Amazônia. No entanto, essa presença resulta em impactos tímidos na expansão econômica e no desenvolvimento sustentável da região. Há uma abundância de cientistas no Sudeste, enquanto são escassos na Amazônia, considerando suas potencialidades e desafios.

Historicamente, a falta de integração efetiva da Amazônia nas políticas econômicas, industriais, científicas, tecnológicas, culturais e ambientais do Brasil resultou em perdas significativas para o país. A Amazônia, que abriga mais de 20% do banco genético do planeta, oferece um potencial imenso para soluções biotecnológicas que podem beneficiar a saúde global. No entanto, o desconhecimento sobre a floresta e seus serviços ambientais, bem como a utilização de seus bioativos com recursos da nanobiotecnologia, contribuem para os altos indicadores de desenvolvimento humano. O que é pior, a omissão do país estimula a exploração predatória de seus recursos, tratando-a como um simples bioalmoxarifado para ganhos imediatos.

Ignorar a Amazônia nas políticas públicas significa perpetuar economias marginais e perder oportunidades de inovação e crescimento. É imperativo que o Brasil reconheça o valor estratégico da região e a inclua de forma efetiva em suas escolhas de curto e médio prazo, transformando o descontentamento histórico em uma parceria produtiva para o futuro.

Uma integração efetiva entre a Amazônia e o restante do Brasil, fundamentada em estratégias industriais, econômicas, científicas, tecnológicas, culturais e ambientais, tem o potencial de gerar benefícios significativos para todo o país. É crucial que esse desenvolvimento seja sustentável e que fortaleça a identidade nacional, promovendo uma visão de brasilidade que reconhece e valoriza a diversidade e o potencial de todas as suas regiões
Foto Gisele Alfaia

Para superar essa desconexão histórica e promover avanços significativos, é essencial uma integração profunda entre a Amazônia e o restante do Brasil nas seguintes áreas:

Industrial

• Desenvolvimento de Clusters Sustentáveis: Estabelecer polos industriais que utilizem recursos amazônicos de forma sustentável, promovendo a bioindústria e a manufatura de produtos de alto valor agregado, que dialoguem com a indústria local e estimulem a interlocução fabril.

• Infraestrutura Logística: Investir em infraestrutura que conecte a Amazônia aos principais centros econômicos do país e dos países vizinhos, facilitando o escoamento de produtos e a integração das cadeias produtivas.

Econômica

• Incentivos Fiscais e Financeiros: Implementar políticas que atraiam investimentos para a região, fomentando o empreendedorismo local e a geração de empregos, contrapondo-se à economia sombria do desmatamento, garimpo ilegal e narcotráfico.

• Economias Verdes: Desenvolver mercados para produtos sustentáveis da Amazônia, como créditos de carbono e produtos da sociobiodiversidade, integrando-os às cadeias de valor nacionais e internacionais.

Científica e Tecnológica

• Centros de Pesquisa e Inovação: Criar institutos dedicados aos negócios da biodiversidade amazônica, promovendo pesquisas que resultem em inovações nas áreas de saúde, agricultura e biotecnologia.

• Transferência de Tecnologia: Facilitar a troca de conhecimento entre instituições de pesquisa do sul/sudeste/continente e da Amazônia, promovendo a capacitação local e o desenvolvimento de tecnologias apropriadas.

Cultural

• Valorização das Culturas Locais: Promover a cultura amazônica no cenário nacional e continental, incentivando a produção artística e a preservação do patrimônio imaterial.

• Turismo Sustentável: Desenvolver o ecoturismo e o turismo cultural, criando oportunidades econômicas que valorizem e preservem as tradições locais, disseminando o imperativo educacional e cultural da proteção ambiental.

Ambiental

• Conservação e Uso Sustentável: Implementar políticas de conservação que aliem a proteção ambiental ao uso sustentável dos recursos naturais, garantindo a manutenção dos serviços ecossistêmicos.

• Monitoramento e Fiscalização: Fortalecer os mecanismos de controle para prevenir atividades ilegais, como desmatamento e mineração clandestina, assegurando a integridade dos ecossistemas.

Uma integração efetiva entre a Amazônia e o restante do Brasil, baseada nessas estratégias, pode gerar dividendos robustos para todo o país. É fundamental que esse desenvolvimento seja sustentável e que contribua para adensar e fortalecer a identidade nacional, consolidando uma visão de brasilidade que reconhece e valoriza a diversidade e o potencial de todas as suas regiões.

alfredo
Alfredo Lopes
Alfredo Lopes
Alfredo é filósofo e escritor

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