Dados mostram que a seca na Amazônia chegou a afetar 98% das cidades no auge do verão local
Em 2024, mais da metade dos municípios da Amazônia Legal enfrentou seca durante todo o ano. Esse cenário veio a partir de uma análise da InfoAmazonia com dados do Cemaden, evidenciando que dos 772 municípios da região, 459 (59,5%) foram afetados por esse evento climático de janeiro a dezembro. No auge do verão amazônico, em setembro, a situação se agravou, com 759 cidades (98,3%) registrando algum nível de seca.
Em 2024, a seca na Amazônia foi extrema e ficou evidente com a formação de grandes bancos de areia no leito do rio Solimões, reflexo direto da falta de chuvas. Esse fenômeno se repetiu em diferentes intensidades por toda a região.
O Cemaden classifica a gravidade da seca na Amazônia em cinco níveis: “fraca” e “moderada” para os casos menos severos, e “severa”, “extrema” ou “excepcional” para as situações mais críticas, sendo esta última a mais grave. Tarauacá, no noroeste do Acre, atingiu esse nível.
“É muito raro ver uma seca excepcional, porque a gente faz uma média dos valores dos índices e, no final, essa média suaviza. A gente pega a chuva, pega o solo, calcula os desvios da normalidade e verifica as classes. Em janeiro [de 2025], a previsão é que a precipitação seja dentro do normal, mas, nessa região de Tarauacá, as chuvas ainda podem ser abaixo do esperado”, explica Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden que é responsável por fazer o monitoramento, ao InfoAmazonia.

Gestão de riscos fragilizada
A falta de um sistema de gestão de risco específico para a Amazônia compromete a resposta eficaz à seca extrema que afetou a região em 2024, segundo Cunha. Pensando nesse cenário, um levantamento da InfoAmazonia analisou o posicionamento de novos prefeitos eleitos em cidades atingidas pelo fenômeno climático, cruzando os dados com o Índice de Convergência Ambiental total (ICAt) do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).
O estudo revelou que 89% das cidades em seca severa, extrema ou excepcional elegeram prefeitos com índice ambiental péssimo, indicando resistência às pautas ambientais. Já os prefeitos reeleitos com postura favorável ao meio ambiente governaram cidades com secas menos intensas.
Cenário para 2025
José Marengo, climatologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden, afirmou que em 2025 a Amazônia poderá sentir os efeitos do La Niña, fenômeno que resfria as águas do oceano Pacífico. No entanto, ainda não há certeza sobre seu comportamento. Tradicionalmente, o La Niña tende a provocar secas no Sul e chuvas na Amazônia, mas o Atlântico excepcionalmente quente pode inibir esse efeito. Assim, a tendência de aumento da temperatura na região deve continuar.

Apesar da influência do La Niña e também do El Niño, que provoca o efeito oposto de aquecimento das águas do Pacífico, a seca na Amazônia é multifatorial, não atribuída apenas a esses fenômenos. “A estação seca está ficando mais quente. Durante o El Niño fica pior, mas não é o El Niño a causa. Isso está sendo comprovado por diferentes pesquisas. Algumas das causas são, por exemplo, a variabilidade interdecadal do Pacífico e as oscilações multidecadal do Atlântico. Mas o pano de fundo é o aquecimento global”, pontua.