“A Amazônia não pode mais pagar a conta de um país que se pretende moderno, mas que insiste em tratar desiguais como iguais. Se a reforma tributária quer ser instrumento de coesão e não de exclusão, ela precisa olhar para o mapa do Brasil com mais sensibilidade, menos planilha e mais humanidade”
A reforma tributária brasileira, embora necessária e esperada, carrega em sua uniformidade uma profunda injustiça: ignora as desigualdades estruturais que separam as regiões brasileiras e impõe à população da Amazônia Ocidental um modelo fiscal moldado sob a lógica dos grandes centros econômicos do Sul e Sudeste. Essa realidade evidencia a ausência de dignidade fiscal, conceito que deveria assegurar justiça tributária em função das assimetrias logísticas, econômicas e sociais do território nacional.
Amazônia paga mais: o peso do frete na injustiça fiscal
Os dados são contundentes: o frete total de importação para o Amazonas custa 36% a mais do que para São Paulo — US$ 197 por tonelada contra US$ 145. No caso do transporte aquaviário, fundamental para abastecer a região, a diferença é ainda mais alarmante: o frete em Manaus custa 71% a mais do que em São Paulo. No modal aéreo, crucial para itens perecíveis e de alto valor, a disparidade também é gritante: US$ 12.159 por tonelada em Manaus contra US$ 10.290 no Rio de Janeiro, uma diferença de 18%.
Punição por existir no interior: a geografia penalizada
Na prática, o modelo tributário brasileiro pune quem vive em regiões remotas. O transporte lento, caro e ineficiente deteriora alimentos, encarece medicamentos, dificulta o acesso a bens e serviços e impõe barreiras quase intransponíveis à exportação de produtos beneficiados ou industrializados localmente. Em outras palavras, a logística cara somada a uma tributação igualitária não resulta em justiça, mas em opressão fiscal.

A impossibilidade de competir em igualdade de condições com outras regiões do país compromete não apenas o consumo, mas a própria viabilidade do desenvolvimento regional sustentável. O potencial da bioeconomia amazônica, por exemplo, se perde diante da falta de investimento em uma infraestrutura logística eficiente e adaptada à realidade da floresta.
Desigualdade regional é desigualdade tributária
Ao manter o mesmo regime fiscal para o Norte e o Sudeste, o país reafirma uma estrutura de poder desigual. A ausência de medidas compensatórias na reforma tributária — como fundos regionais robustos, subsídios logísticos ou mecanismos de redistribuição real — perpetua o ciclo de pobreza, dependência e subdesenvolvimento da Amazônia Ocidental. Essa omissão fere o pacto federativo, ignora o princípio da equidade e enfraquece o compromisso constitucional de reduzir desigualdades regionais.
É preciso politizar o frete
É urgente que o custo do frete, hoje silenciosamente assumido pelo consumidor amazônida, seja tratado como tema de prioridade pública. Ele deve repercutir nas decisões de Estado como vetor de desigualdade e fator de urgência para soluções logísticas viáveis, sustentáveis e economicamente factíveis. Isso implica investimentos estruturais, subsídios compensatórios e um novo modelo de governança logística para o Norte do Brasil.

O Brasil precisa rever seu pacto fiscal
A dignidade fiscal passa pelo reconhecimento das desigualdades territoriais como parte inseparável da justiça tributária. A Amazônia não pode mais pagar a conta de um país que se pretende moderno, mas que insiste em tratar desiguais como iguais. Se a reforma tributária quer ser instrumento de coesão e não de exclusão, ela precisa olhar para o mapa do Brasil com mais sensibilidade, menos planilha e mais humanidade.