Por que exportamos muito pouco quase nada

Se não é do dia para noite que nossos produtos vão embutir valor como chocolates suíços, precisamos ter alguma escala no meio do caminho entre extrativismo e intensivismo. Por que exportamos? Não queremos uma matriz econômica de monocultura temporária semelhante à soja do Centro-Oeste. Isso requer discutir a atual razão 20/80 do Código Florestal, que é ruim por igualar desiguais.

Exportações são dos temas mais interessantes. Mostram a vocação de um povo. Por David Riccardo, são as vantagens comparativas de um país. São os povos servindo uns aos outros pelos excedentes produzidos conforme suas vocações.

A vocação do Amazonas é a indústria. Nosso PIB é composto pelas exportações aos demais estados do Brasil de tudo que fabricamos no PIM. Para países estrangeiros, contudo, exportamos muito pouco, quase nada. Os casos de notório sucesso de exportações do PIM foram os celulares da era Nokia e hoje as motocicletas. Isso pode ser melhorado investigando as possibilidades de ajuste nas cadeias de produção e distribuição e percepção de apropriação de caixa para abastecimento dos nossos vizinhos andinos e caribenhos, hoje suprido pelo sudeste asiático, a fábrica do mundo.

Nas cadeias complementares ao PIM atual emerge tudo que é dito como “potenciais amazônicos”. Supostamente somos bons em pesca, frutas, sementes, raízes, óleos, fibras, minérios, energia etc. Mas os dados de exportações dizem que não. Por exemplo, exportamos quase zero proteína animal a partir de peixes. Não somos bons nisso? 

O tanto que se fala da qualidade e possibilidades de aplicações dos nossos recursos naturais beira à redundância. É óbvio que na maior biodiversidade do globo terrestre há infinitos itens de aplicações valiosas. O que não se respondeu ainda nem se age a contento é como trabalhar os fatores de produção para gerar riquezas aos amazônidas. Como articular nossos fatores de produção – capital financeiro, humano e físico – para que nosso povo cumpra plenamente sua vocação. Nosso capital físico começa pelas águas e florestas. Superfície e subsolo. 

por que exportamos
Foto divulgação

A maior produção de pescado do Brasil é a tilápia do Paraná, cultivada com sucesso no lago de Itaipu. O sucesso do Paraná se deve a pensar nas águas de Itaipu como fator de produção a ser rentabilizado. No Amazonas, bastaria ao governo estadual conceder direitos de uso dos lagos internos para aquicultura. O mundo inteiro está nessa direção. A provisão de frutos do mar hoje é em maior parte oriunda da aquicultura. 120 milhões de toneladas são cultivados, contra 90 milhões em extrativismo. Outro benefício da aquicultura é evitar a concorrência com a cobertura florestal típica do cultivo em tanques. O governo estadual concretizando essa iniciativa fará do Amazonas o maior provedor mundial de proteína animal.

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Pesca do Pirarucu na reserva Mamirauá, no Amazonas: piscicultura sustentável (Foto: Larissa França/Sema)

Andre Ricardo Costa
No fator terra o Código Florestal limita o Amazonas a superfície similar à Suíça. Por um lado, declaramos o consenso do desenvolvimento sustentável. Não queremos uma matriz econômica de monocultura temporária semelhante à soja do Centro-Oeste. Porém, se não é do dia para noite que nossos produtos vão embutir valor como chocolates suíços, precisamos ter alguma escala no meio do caminho entre extrativismo e intensivismo. Isso requer discutir a atual razão 20/80 do Código Florestal, que é ruim por igualar desiguais. 

Uma protoagricultura só aumentaria o valor da floresta em pé e incentivaria a vigilância contra a destruição. Poderia ser aplicada até nas reservas de maior proteção. Consistiria em espalhar por toda a floresta sementes e mudas das nossas plantas de maior uso. Incrementadas por engenharia genética e acompanhadas por picadas em distribuição tal que garanta a sustentabilidade, sem trator ou motosserra.

A iniciativa novamente partiria do Amazonas, ao Congresso Nacional. Com todo o cuidado de não confundir com os oportunismos que querem rever a razão 20/80 com objetivos predatórios. Quem se oporia?

André Ricardo Costa
André Ricardo Costa
Doutor pela FEA USP e professor da UFAM

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