Vejo um jovem amazonense candidato ao ITA que se vê um piano em espaço público já recorre à Chiquinha Gonzaga para encantar transeuntes. O sucesso que ele cultiva será absorvido pela política brasileira de semicondutores? Ou será absorvido por outros países com atrativos mais interessantes que novas burocracias?
Por André Ricardo Costa
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Semana passada o Congresso aprovou lei de incentivo à indústria de semicondutores. Basicamente incrementa política estabelecida em 2007, ampliando benefícios de IOF, II e investimentos em P&D. Também cria burocracia, o Conselho Gestor do “Brasil Semicon”, a cujos desígnios os inovadores brasileiros se submeterão para aprovar projetos no tema.
Além de aplaudir a ajuda – todas bem-vindas – cabe recordar que nem a melhor lei conseguirá, sozinha, melhorar o posicionamento do Brasil nesta área tão sensível da economia e geopolítica atuais. Isso fica evidente ao lembrar, da história do Vale do Silício, dois pontos ignorados nas propostas para impulsionar nosso setor de semicondutores.
O primeiro é a otimização da cadeia produtiva. A provisão do insumo primário, o silício, nunca foi problema no mundo, mas foi da Califórnia o privilégio de sediar empresas pioneiras no processo de atribuir-lhe o grau eletrônico, tornando-o abundante para o playground dos revolucionários em eletrônica e computação. O Brasil tratará esse ponto adequadamente se retirar todos os entraves, regulatórios ou tributários, localizados no caminho da extração de quartzo à entrega dos bens finais aos consumidores.
Os revolucionários levam ao segundo ponto: Cultura e educação. Aqui há o fator mais dificilmente alcançável às iniciativas de políticas públicas de competitividade industrial. São fatores de difícil mensuração de resultados, e de relacionar com o que se pede em termos concretos e imediatos para a indústria. Receio que neste ponto nossos paradigmas limitem ao que parece ser mais próximo da práxis industrial, matemática e engenharias, evitando as dimensões mais humanistas e artísticas.
O Vale do Silício de formou em meio à contracultura, sendo por ela influenciado nos acertos e erros. Um dos seus líderes, inventor do computador pessoal, costumava enaltecer a interação entre tecnologia e artes liberais. Foi num curso de caligrafia, na faculdade, que o fez imaginar os desenhos dos caracteres no programa editor de textos, nomeando-os em homenagem às grandes cidades históricas. Em campanha de marketing, escondeu o produto e disseminou imagens de artistas, como Picasso, John Lennon e Bono Vox. Pensou diferente.
Artes e humanidades são fundamentais a quem quer mudar estruturas de mercado, enxergar o que a sociedade precisa e nem percebe. Precisamos oportunizar às nossas crianças os contatos iniciais com o que tem maior chance de lhes conferir empregabilidade ao passo que adquirem capacidade cultural e estética para imaginar os instrumentos e processos capazes de tornar as pessoas mais efetivas nas suas intervenções com a natureza e seus semelhantes.
As artes têm algo que vira a chave da cognição das crianças e, ao chegar nas empresas, como empregadas ou donas, ou nos doutorados em Computação, Engenharia ou Design, vão apontar o caminho do que fazer com silício, nióbio, grafeno ou coisa que valha. Vejo um jovem amazonense candidato ao ITA que se vê um piano em espaço público já recorre à Chiquinha Gonzaga para encantar transeuntes. O sucesso que ele cultiva será absorvido pela política brasileira de semicondutores? Ou será absorvido por outros países com atrativos mais interessantes que novas burocracias?
Como último exemplo, deixo na versão virtual deste texto poesia do físico Bob Noyce, inventor do circuito integrado, fundador da Intel e chamado “prefeito do Vale do Silício”. O inventor usa referência de T.S. Elliot, e reflete acerca do futuro, próprio ou da humanidade, com a vida centrada na sua invenção. Encerra com o estrondo que acompanha toda disrupção.
1980, de Bob Noyce
O tempo há de chegar, caro Bougin
Ao menos para os mortais de carne e osso
De agir conforme a idade, e já se foi o dia
Em que se escuta o último “Viva, viva o chip!”
Guardando forças para os anos que se aproximam
Gritando contra os medos que corroem
De perder algo na vastidão da vida
Por causa da crescente escassez de tempo.
Desafia as encostas nevadas tão íngremes,
Mergulha nas profundezas do oceano
Dançando ao ritmo da vida, chutando a bola
Cruzando o mundo, contemplando o tudo.
Assim devia o mundo envelhecer,
Assim devia o mundo envelhecer,
ASSIM DEVIA O MUNDO ENVELHECER,
Não num sussurro, mas com um estrondo.
André Ricardo Costa é Doutor em Administração pela FEA/USP e professor da Ufam
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