Essa ausência de compromisso destaca o lento progresso global em relação às metas acordadas, especialmente no que se refere à preservação da biodiversidade e Brasil, que desempenha um papel crucial na conservação de ecossistemas vitais para o planeta
Quase dois anos após a assinatura do Acordo de Montreal durante a COP15 da Biodiversidade, apenas 25 países cumpriram o compromisso de submeter planos nacionais detalhados para proteger 30% das terras e mares até 2030, reformar subsídios prejudiciais ao meio ambiente e reduzir o uso de pesticidas. Entre os 170 países que ainda não apresentaram seus planos, está o Brasil, uma das nações megadiversas mais importantes do planeta. Esse cenário foi revelado por uma investigação conduzida pelos veículos Carbon Brief e Guardian, trazendo à tona o fraco progresso global em relação às metas acordadas.
O acordo assinado em Montreal em dezembro de 2022, resultado de anos de negociações, estabeleceu um plano ambicioso para enfrentar a perda acelerada de biodiversidade global. Entre as metas mais urgentes, destacam-se a preservação de 30% dos habitats terrestres e marinhos e a transformação de bilhões de dólares em subsídios que, atualmente, incentivam práticas prejudiciais ao meio ambiente. O prazo estabelecido para que os países apresentassem seus planos, conhecidos como Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (NBSAPs), era antes da COP16, marcada para acontecer na Colômbia em outubro de 2024.
Um vazio de ação entre as nações megadiversas
Apesar do papel crucial que desempenham na preservação global, apenas cinco dos 17 países megadiversos cumpriram o prazo. Austrália, China, Indonésia, Malásia e México estão entre as nações que já submeteram seus NBSAPs, enquanto o Brasil, junto com outros gigantes da biodiversidade, ainda não apresentou seu plano. Esse atraso levanta preocupações significativas, visto que os países megadiversos abrigam cerca de 70% da biodiversidade mundial e são fundamentais para frear a destruição dos ecossistemas.
A situação torna-se ainda mais crítica quando se observa a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo e vital para a regulação climática global. Surpreendentemente, o Suriname foi o único país amazônico a cumprir o prazo e apresentar um plano de ação para a biodiversidade. Já o Brasil, apesar de deter a maior parte da floresta amazônica e de sua importância global para o clima e a biodiversidade, ainda não submeteu um NBSAP, alegando a complexidade de seu plano como principal razão para o atraso.
A Bacia do Congo, outra região crucial para a biodiversidade, também se destaca negativamente: nenhum país dessa área apresentou suas estratégias dentro do prazo estabelecido. A ausência de planos por parte dessas nações megadiversas expõe o mundo a riscos ambientais ainda maiores, considerando a vasta riqueza de espécies que abrigam e os serviços ecossistêmicos que fornecem.
Desempenho global desigual: G7 e outras potências
Entre as maiores economias globais, o panorama também é preocupante. Somente quatro países do G7 (Canadá, Itália, França e Japão) submeteram seus NBSAPs dentro do prazo. O Reino Unido, embora tenha submetido um documento técnico preliminar à convenção da ONU sobre diversidade biológica, afirmou que seu plano completo não será publicado até o início de 2025, citando dificuldades associadas à recente mudança de governo. A Alemanha, um dos países mais comprometidos com a agenda ambiental, perdeu o prazo, enquanto os Estados Unidos, que nem sequer são signatários do acordo, continuam fora do processo.
A situação no Reino Unido reflete os desafios políticos enfrentados por diversas nações. Embora tenha sido um dos primeiros países a apoiar a proteção da biodiversidade, as mudanças políticas internas, como a troca de liderança e prioridades de governo, criaram obstáculos para a elaboração e divulgação do plano de ação. Isso destaca a complexidade da governança ambiental, onde a transição entre governos muitas vezes interfere nos compromissos internacionais.
O Canadá, que foi um dos anfitriões da COP15 e um dos principais articuladores do Acordo de Montreal, conseguiu cumprir o prazo, consolidando-se como uma liderança na proteção da biodiversidade. No entanto, o país enfrenta desafios domésticos significativos para implementar suas metas, como a conciliação entre desenvolvimento econômico e a proteção dos vastos territórios de floresta boreal.
Brasil: pressões e justificativas para o atraso
Embora o Brasil tenha sinalizado que está trabalhando em um plano de longo prazo, que se estenderá até meados do século, o atraso na apresentação do documento gera críticas tanto internas quanto externas. O país é fundamental para o cumprimento das metas globais de biodiversidade, dado que a Amazônia, Cerrado e outros biomas brasileiros abrigam uma parcela significativa das espécies globais e desempenham um papel essencial na regulação climática e na absorção de carbono.
De acordo com o governo brasileiro, o atraso é justificado pela “complexidade do plano” que está sendo formulado, visando objetivos ambiciosos e de longo prazo. No entanto, a demora pode ser vista como um reflexo das dificuldades políticas internas e da resistência de setores econômicos que dependem de práticas ambientalmente prejudiciais, como o agronegócio e a mineração. Para muitos especialistas, o Brasil está perdendo uma oportunidade importante de se consolidar como uma liderança global na preservação ambiental.
O Brasil, por ser uma das nações megadiversas mais importantes do planeta, enfrenta pressões internacionais crescentes para submeter um plano que demonstre comprometimento real com as metas estabelecidas na COP15. A COP16, que se aproxima, é vista como um momento chave para o país se posicionar, não apenas como signatário do acordo, mas como um protagonista ativo na agenda de preservação.
Com a COP16 programada para começar em 21 de outubro de 2024, em Cali, Colômbia, há expectativas de que alguns dos países que não apresentaram seus NBSAPs o façam durante o evento. A Índia, por exemplo, indicou que pretende anunciar seu plano de biodiversidade durante a conferência, buscando dar grande visibilidade ao compromisso do país com a preservação ambiental.
A Colômbia, país anfitrião da conferência, também não apresentou seu plano dentro do prazo, mas afirmou que pretende divulgá-lo durante o evento. Outros países devem seguir essa mesma linha, mas ainda não há confirmação de quantos NBSAPs adicionais serão revelados. Segundo a ONU, a adesão parcial às metas até o momento é motivo de preocupação, uma vez que compromete o alcance dos objetivos globais de conservação.
Astrid Schomaker, chefe de biodiversidade da ONU, destacou a importância de mais nações apresentarem seus NBSAPs o quanto antes. “Ter mais NBSAPs seria melhor, isso é claro. Esperamos que mais sejam anunciados na COP16, incluindo alguns dos grandes, como a Índia, que quer fazer o anúncio ministerial na conferência e dar bastante visibilidade”, afirmou Schomaker.
Caminho incerto para a proteção da biodiversidade
O cenário global de atraso na submissão dos planos de biodiversidade ressalta a complexidade dos compromissos ambientais e a urgência de ações concretas para frear a destruição dos ecossistemas. As metas estabelecidas na COP15 são ambiciosas, mas os obstáculos políticos, econômicos e sociais têm dificultado a implementação de estratégias eficazes.
O Brasil, como uma das nações-chave para a preservação ambiental, ainda pode se destacar na COP16 ao apresentar um plano robusto que lidere a proteção de seus biomas. No entanto, o tempo está se esgotando, e o futuro da biodiversidade global dependerá da capacidade dos países de transformarem seus compromissos em ações concretas e rápidas.
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