A Obrigação de Fazer: O Papel da Educação – e da Lei – na Superação das Desigualdades

“A formação qualificada desde os primeiros ciclos escolares é a chave para despertar o conhecimento das potencialidades da Amazônia e, mais do que isso, fomentar a ambição pela prosperidade. Sem um projeto educacional robusto, que prepare as futuras gerações para inovar, empreender e ocupar espaços estratégicos, qualquer avanço será paliativo.”

Por Alfredo Lopes

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O Brasil é um país marcado por desigualdades estruturais que atravessam fronteiras regionais, classes sociais e dinâmicas econômicas. A Constituição de 1988 trouxe consigo uma promessa transformadora: erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades regionais e promover o desenvolvimento equitativo. Contudo, como bem aponta o professor Augusto César Rocha, a distância entre o que está previsto em lei e o que é efetivamente realizado expõe uma falha coletiva em transformar utopias constitucionais em realidades concretas. Até quando Castro Alves seguirá clamando à procura de respostas?

Contradições Evidentes: Recursos e Prioridades

A análise de Rocha evidencia uma prática histórica e recorrente: os investimentos federais continuam majoritariamente direcionados para as regiões mais ricas, perpetuando assimetrias econômicas e sociais. Um exemplo emblemático é o recente investimento de R$ 1,7 bilhão em portos, do qual apenas R$ 6,1 milhões foram destinados à região Norte – justamente onde se encontra a maior bacia hidrográfica do Brasil. Esse padrão demonstra que as regiões periféricas, como a Amazônia, seguem sendo negligenciadas, mesmo com seu enorme potencial estratégico.

Nos últimos 20 anos, o Polo Industrial de Manaus recolheu mais de R$ 140 bilhões aos cofres da Receita Federal. No entanto, em anos de crises climáticas severas, como as recentes vazantes extremas, a região não pôde contar sequer com modais alternativos para escoar sua produção. A lógica do abandono se sustenta em um modelo centralizador, onde o Sudeste domina a formulação de políticas econômicas e a destinação dos recursos. Enquanto isso, a Amazônia segue sendo apenas uma fornecedora de riquezas, sem receber, na mesma proporção, investimentos que impulsionem seu próprio desenvolvimento. Isso se chama injustiça. E pensar que uma infraestrutura competitiva poderia multiplicar ainda mais essa robusta contribuição à União. Mas para isso, seria necessário alterar a lógica de prioridades.

A formação qualificada desde os primeiros ciclos escolares é a chave para despertar o conhecimento das potencialidades da Amazônia e, mais do que isso, fomentar a ambição pela prosperidade. Sem um projeto educacional robusto, que prepare as futuras gerações para inovar, empreender e ocupar espaços estratégicos, qualquer avanço será paliativo.

A Zona Franca de Manaus: Resiliência em Meio ao Abandono

A Zona Franca de Manaus (ZFM) é um exemplo emblemático das contradições enfrentadas pela Amazônia. Apesar de gerar uma riqueza abundante, apenas cerca de 30% desse montante retorna para a própria região, que continua a abrigar alguns dos piores índices de desenvolvimento humano (IDH). Enquanto isso, a ZFM disputa espaço com economias ilegais como o narcotráfico, o garimpo e a exploração ambiental predatória – desmatamento e queimadas que aprofundam ainda mais as desigualdades.

Historicamente, a ZFM tem encontrado amparo jurídico na Suprema Corte para resistir às investidas que tentam enfraquecê-la. No entanto, como argumenta Rocha, esse movimento tem se limitado à manutenção do status quo, sem avançar em uma transformação real. As ações diretas de inconstitucionalidade têm garantido a continuidade do modelo, mas sem provocar mudanças estruturais.

Algo está fora de ordem. Por que não ampliar essa estratégia jurídica e trabalhar coletivamente em uma Ação Holística e Direta de Inconstitucionalidade? Ou, mais do que isso, reivindicar o cumprimento literal do artigo constitucional que prevê incentivos fiscais para regiões remotas, desde que deixem de ser remotas? Isso implicaria em uma administração aritmética dessa riqueza, direcionando-a prioritariamente à erradicação da pobreza. Atores estratégicos – acadêmicos, juristas, políticos e sociedade civil – deveriam monitorar e exigir que a redução das desigualdades regionais seja tratada com a urgência de um compromisso constitucional inadiável.

E essa transformação só será viável se for sustentada pela educação. A formação qualificada desde os primeiros ciclos escolares é a chave para despertar o conhecimento das potencialidades da Amazônia e, mais do que isso, fomentar a ambição pela prosperidade. Sem um projeto educacional robusto, que prepare as futuras gerações para inovar, empreender e ocupar espaços estratégicos, qualquer avanço será paliativo.
Indústria – Foto divulgação

Uma Construção Coletiva

A utopia constitucional que Rocha descreve só se tornará realidade se houver uma mudança de paradigma. Isso exige superar o modelo econômico centrado no capital financeiro e na austeridade, que marginaliza debates sobre desenvolvimento sustentável e perpetua um discurso de escassez e cortes orçamentários. É preciso inverter essa lógica e adubar o terreno da utopia com um mutirão civil, onde governos, empresas, academia e movimentos sociais trabalhem juntos para construir um Brasil mais justo.

Entre as ações fundamentais, destaca-se o fortalecimento da imprensa regional – que precisa recuperar seu papel de influenciar, vigiar e cobrar a agenda pública. Hoje, o debate econômico e político continua dominado por uma visão sudestina, enquanto os desafios e as oportunidades da Amazônia são tratados como notas de rodapé. Além disso, é necessário descentralizar políticas públicas e implementar mecanismos de gestão transparente e participativa, garantindo que as riquezas geradas na região sejam aplicadas com inteligência e eficácia.

Educação como Pilar Transformador

Erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades não são apenas preceitos constitucionais – são obrigações morais e políticas que exigem ser levadas a sério. A aplicação das riquezas geradas em regiões como a Amazônia deve ser feita com critério e estratégia, não apenas para corrigir distorções históricas, mas para construir um novo modelo de desenvolvimento.

E essa transformação só será viável se for sustentada pela educação. A formação qualificada desde os primeiros ciclos escolares é a chave para despertar o conhecimento das potencialidades da Amazônia e, mais do que isso, fomentar a ambição pela prosperidade. Sem um projeto educacional robusto, que prepare as futuras gerações para inovar, empreender e ocupar espaços estratégicos, qualquer avanço será paliativo.

A qualificação do capital humano amazônico deve ser tratada como uma prioridade absoluta. A história já mostrou que a resistência é possível. Agora, é hora de persistir e agir, apostando na construção coletiva de um futuro onde a desigualdade regional e a pobreza estrutural sejam, finalmente, parte do passado. E para isso, investir na educação é a única estratégia capaz de transformar a utopia em realidade duradoura.

alfredo
Redação BAA
Redação BAA
Redação do portal BrasilAmazôniaAgora

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