A recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconheceu a validade dos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus e impediu a glosa dos créditos de ICMS por parte do estado, foi comemorada com discrição por representantes da indústria da Amazônia. Discrição, porque a vitória jurídica não elimina o principal problema: o Brasil teima em ignorar a Constituição quando se trata da Amazônia. É o que afirma Nelson Azevedo, empresário e dirigente industrial com longa trajetória de defesa do Polo Industrial de Manaus (PIM) e da Zona Franca como plataforma de desenvolvimento nacional e proteção ambiental.
Nesta entrevista ao Brasil Amazônia Agora, Azevedo analisa os efeitos da decisão judicial, os riscos da interpretação da Reforma Tributária e a recorrente tentativa de esvaziar o modelo que, há mais de 50 anos, transforma a Amazônia em território produtivo. Com lucidez, o líder empresarial sentencia: “A Justiça só está cumprindo o que a Constituição manda. Ingênuos são os que acreditam que a reforma tributária nos trará tranquilidade”.
Entrevista com Nelson Azevedo
Portal Brasil Amazônia Agora – O que representa a decisão do TJSP que reconheceu os incentivos da Zona Franca de Manaus e impediu a glosa de ICMS?
Nelson Azevedo – Representa um alívio, mas também uma constatação preocupante: precisamos recorrer à Justiça para fazer valer o que está na Constituição. A decisão reforça a legalidade dos incentivos concedidos no âmbito da Zona Franca e impõe um limite claro aos abusos de entes que tentam ignorar o modelo. É uma vitória jurídica, mas também uma denúncia da falta de respeito institucional com que a Amazônia é tratada.
BAA – Esse tipo de medida judicial é suficiente para proteger a Zona Franca no longo prazo?
NA – Não. É uma reação necessária, mas não estruturante. A cada novo conflito, somos obrigados a provar o óbvio: que temos direitos assegurados pela Constituição. Isso consome energia, recursos e tempo. E infelizmente, temos sido forçados a judicializar com frequência medidas que nos prejudicam — quase sempre tomadas ao arrepio da lei.

BAA – A insegurança jurídica continua sendo um dos principais desafios do modelo?
NA – Sem dúvida. O investidor precisa de previsibilidade. A cada decisão que contesta nossos incentivos, há empresas que recuam, adiam projetos ou desistem. Esse clima de permanente desconfiança prejudica o desenvolvimento da Amazônia e enfraquece a industrialização regional.
BAA – Qual é o papel do Estado de São Paulo nesse tipo de litígio?
NA – Infelizmente, São Paulo tem liderado uma postura hegemônica, tentando submeter os demais estados a uma lógica tributária centralizadora. O que está por trás da glosa de ICMS é o desejo de neutralizar a competitividade da Zona Franca. Não se trata apenas de arrecadação, mas de domínio sobre os fluxos econômicos do país.

BAA – A Reforma Tributária, já aprovada e regulamentada, agrava ou ameniza esse cenário?
NA – Ela agrava. A estrutura do novo sistema é tecnocrática, e seu desenho ignorou completamente a complexidade e as especificidades regionais. A regulamentação já aconteceu, é verdade. O problema agora é a interpretação: como será aplicada a regra diferenciada da Zona Franca? Já estamos vendo sinais de resistência e tentativas de distorção. Isso reforça a necessidade de atenção constante e mobilização jurídica.
BAA – O senhor está dizendo que o texto constitucional foi respeitado formalmente, mas corre risco de ser desfigurado na prática?
NA – Exatamente. A letra da lei foi mantida, mas o espírito da lei está sendo desafiado a cada passo. E é isso que nos obriga a recorrer à Justiça repetidas vezes. Não é uma batalha técnica apenas — é uma batalha política e institucional.
BAA – E como o setor produtivo deve reagir a esse cenário?
NA – Com união e vigilância. Precisamos de uma frente permanente de defesa do modelo, que envolva entidades empresariais, bancadas parlamentares, lideranças técnicas e jurídicas. A indústria da Amazônia não pode ser apenas reativa — ela precisa ocupar o debate nacional.
BAA – Há espaço para transformar essas vitórias pontuais em segurança jurídica duradoura?
NA – Sim, mas isso exige institucionalidade. Precisamos consolidar precedentes, acumular jurisprudência e fortalecer nosso corpo técnico e jurídico. Não é um jogo de curto prazo. É uma construção permanente, estratégica.
BAA – Por que o Brasil insiste em ignorar os avanços, conquistas e dificuldades de quem investe na Amazônia?
NA – Porque ainda prevalece uma visão colonial do território amazônico: como fornecedor de recursos, e não como centro de inteligência, inovação e sustentabilidade. O Brasil precisa entender que aqui se constrói desenvolvimento com inclusão e responsabilidade ambiental. Isso deveria ser motivo de orgulho, e não de conflito.
BAA – Por fim, que mensagem o senhor deixa aos empresários que operam na Amazônia e se sentem desamparados?
NA – Que sigam firmes. Não somos intrusos nesse país. Somos parte essencial do seu presente e do seu futuro. A Zona Franca de Manaus é muito mais do que um modelo econômico — é uma trincheira civilizatória. E não será desmontada facilmente, porque estamos prontos para defendê-la com argumentos, com trabalho e, se necessário, com a força da lei.

Nelson é economista, empresário e presidente do sindicato da indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM.