O Ibama anunciou nesta quinta-feira (22) medidas restritivas contra o uso do tiametoxam, um agrotóxico altamente prejudicial às abelhas, marcando o fim de um processo de reavaliação que durou dez anos. A nova regulamentação proíbe a aplicação do produto por meio de aviões agrícolas e tratores, uma decisão influenciada por intensas atividades de lobby por parte de grandes empresas do setor, como a Ourofino do Brasil e a multinacional suíça Syngenta.
A revisão da substância, conforme reportagem da Repórter Brasil, foi marcada por esforços de lobby das fabricantes, que argumentavam sobre os potenciais prejuízos econômicos aos produtores rurais caso o produto fosse banido. Estas atividades incluíram a contratação de um ex-funcionário do Ministério da Agricultura para facilitar o diálogo com entidades governamentais e campanhas online baseadas em estudos questionáveis para defender o uso do tiametoxam.
Apesar da pressão, o órgão ambiental optou por limitar o uso do agrotóxico, respaldado por diversas pesquisas científicas que associam o tiametoxam à mortandade em massa de abelhas. Esta decisão segue a tendência de outros blocos, como a União Europeia, que já proibiu o uso da substância em 2018 para proteger insetos polinizadores.
Os neonicotinóides, classe à qual o tiametoxam pertence, são conhecidos por afetar o sistema nervoso central das abelhas, causando desorientação e outros prejuízos graves à saúde dos insetos.
Segundo Rosangela Muniz, diretora substituta de Qualidade Ambiental do Ibama, a restrição à pulverização aérea e por tratores alinha-se a uma tendência global devido aos riscos de dispersão dos agrotóxicos pelo ar. A decisão baseia-se em uma análise técnico-científica detalhada, considerada pioneira pelo coordenador-geral de avaliação e controle de substâncias químicas do Ibama, Alan Ferro.
Com as novas regras, o tiametoxam poderá ser utilizado apenas em 25 tipos de cultivos, incluindo café, soja e cana-de-açúcar, e somente para aplicação direta no solo ou tratamento de sementes. Os agricultores e estabelecimentos agropecuários terão permissão para usar os estoques existentes até o término da validade.
A decisão afeta profundamente a indústria de agrotóxicos, que comercializou cerca de 4.800 toneladas de produtos contendo tiametoxam no Brasil em 2022. Marcelo Novaes, defensor público do Estado de São Paulo, antecipa uma intensa batalha judicial por parte das empresas fabricantes, visando reverter a decisão do Ibama.
A Syngenta já expressou desacordo com a decisão do Ibama, prometendo analisar as implicações da publicação no Diário Oficial e buscar meios para atenuar os impactos para os agricultores. A empresa reitera a segurança de seus produtos, baseando sua posição em evidências científicas sólidas apresentadas ao longo do processo de reavaliação.
Por outro lado, alguns pesquisadores criticam a decisão por considerá-la insuficiente para a proteção dos polinizadores e do meio ambiente, enquanto outros lamentam o extenso período necessário para que o Ibama chegasse a essa conclusão, destacando a influência das empresas no processo.
A medida do Ibama representa um passo significativo na proteção ambiental, embora as respostas das partes envolvidas indiquem que a discussão sobre o uso de agrotóxicos no Brasil está longe de ser resolvida.
Lobby e pesquisas marcam debate sobre restrição de agrotóxico letal às abelhas
A decisão do Ibama de restringir o uso do agrotóxico tiametoxam, conhecido por sua letalidade às abelhas, foi precedida por uma intensa atividade de lobby por parte das empresas produtoras, incluindo encontros frequentes com o governo federal. Uma investigação conjunta da Repórter Brasil e da agência Fiquem Sabendo revelou que representantes das fabricantes, como a Ourofino e a Syngenta, participaram de 16 reuniões com autoridades em momentos cruciais da reavaliação do pesticida.
Fabiano Maluf Amui, ex-servidor do Ministério da Agricultura, foi contratado pela Ourofino para atuar em algumas dessas reuniões. Sua contratação, ocorrida logo após deixar o cargo público, levanta questionamentos sobre o cumprimento da lei que estabelece um período de quarentena para ex-servidores evitarem conflitos de interesse.
Além do lobby direto, a Syngenta financiou um estudo da Embrapa que concluiu que as abelhas não sofreriam impactos negativos do tiametoxam, desde que o produto fosse aplicado conforme as instruções. Contudo, especialistas apontam limitações na pesquisa, que foi realizada em condições ideais e não reflete a realidade da aplicação do agrotóxico na maioria das fazendas.
Esse debate ocorre em um contexto de mudança na legislação sobre agrotóxicos no Brasil. O Congresso aprovou recentemente uma nova lei que, inicialmente, dava ao Ministério da Agricultura a última palavra sobre a aprovação de pesticidas. Essa mudança poderia favorecer os interesses do agronegócio, mas foi parcialmente vetada pelo presidente Lula, mantendo o poder de decisão com órgãos como o Ibama e a Anvisa.
No entanto, a frente parlamentar do agronegócio já sinalizou que pode ter os votos necessários para derrubar os vetos presidenciais, o que acirra o debate sobre a regulamentação de agrotóxicos no país e destaca a influência política do setor.
A situação evidencia a complexa interação entre os interesses econômicos do agronegócio, a proteção ambiental e a saúde pública, com o Ibama e outros órgãos reguladores buscando equilibrar essas demandas diante de intensas pressões políticas e econômicas.
*Com informações Brasil de Fato
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