No mato sem cachorro… e sem resposta – Por uma virada estratégica na gestão dos recursos do Polo Industrial de Manaus

Coluna Follow-Up

A perplexidade necessária

É cada vez mais difícil conter a perplexidade diante do abismo entre o que a indústria da Zona Franca de Manaus entrega em arrecadação e o que o Amazonas devolve em desenvolvimento. E não se trata de falta de recursos, de esforço produtivo ou de criatividade institucional. O que falta, cada vez mais, é um projeto claro de futuro para a Amazônia — um norte estratégico capaz de transformar receitas em resultados, repasses em realizações, discurso em ação.

De um lado, o Polo Industrial de Manaus arrecada mais de R$ 13 bilhões por ano em tributos federais, estaduais e contribuições setoriais, posicionando o Amazonas entre os maiores contribuintes líquidos da Receita Federal no país. De outro, assistimos à ausência de planejamento estruturado, transparência e compromissos vinculantes com o uso desses recursos.

O que poderia ter sido feito com R$ 1,9 bilhão — só neste semestre

Segundo o Painel Econômico do Amazonas, com base nos dados da SEFAZ, entre janeiro e junho de 2025 a indústria repassou:

  • R$ 1,24 bilhão ao FTI — Fundo de Turismo e Interiorização do Desenvolvimento;
  • R$ 469 milhões à UEA — Universidade do Estado do Amazonas;
  • R$ 99 milhões ao FMPES — Fundo de Fomento às Micro e Pequenas Empresas.

Somados, são R$ 1,9 bilhão em seis meses. E se projetarmos essa média pelos últimos 10 anos, com variações mínimas, temos um volume acumulado que ultrapassa os R$ 30 bilhões.

De um lado, o Polo Industrial de Manaus arrecada mais de R$ 13 bilhões por ano em tributos federais, estaduais e contribuições setoriais, posicionando o Amazonas entre os maiores contribuintes líquidos da Receita Federal no país. De outro, assistimos à ausência de planejamento estruturado, transparência e compromissos vinculantes com o uso desses recursos.

Uma cifra bilionária que, se revertida de maneira consistente, poderia ter reconfigurado as bases do desenvolvimento regional sustentável. E feito da Amazônia um verdadeiro laboratório de soluções para o Brasil e para o planeta.

Com essa fortuna, teria sido possível:

  • Implantar uma rede universitária interiorizada e conectada com as vocações regionais, integrando ciência, tradição e inovação;
  • Estabelecer infraestruturas básicas de energia limpa, mobilidade fluvial e conectividade digital em comunidades isoladas;
  • Estruturar polos de bioindústria regional, aproveitando cadeias como guaraná, açaí, castanha, cacau e óleos essenciais;
  • Fomentar o turismo de base comunitária, cultural e ecológica, com qualidade, segurança e renda local;
  • Financiar milhares de pequenos negócios da floresta e da periferia urbana, conectando Amazônia e mundo por plataformas digitais.

A armadilha da normalidade

A grande armadilha é a normalização do improviso. A repetição ritualizada de queixas, a crença na redenção por decreto federal e a aceitação silenciosa da inércia. Tudo isso nos empurra para um abismo de oportunidades perdidas. E a recente Reforma Tributária impõe um novo ciclo de riscos e incertezas ao modelo amazônico. A inércia, nesse contexto, custa ainda mais caro.

Disruptividade, já!

O momento exige coragem e inteligência coletiva. É hora de colocar sobre a mesa propostas concretas e tecnicamente viáveis:

  • Gestão descentralizada, transparente e vinculante dos recursos do PIM, com metas objetivas, indicadores públicos e pactuação regional;
  • Criação de um pacto federativo amazônico, que reconheça a região como plataforma de soberania, inovação e equilíbrio climático;
  • Revisão da política de fundos estaduais, com critérios de aplicação territorial, resultados esperados e avaliação de impacto;
  • Transformação dos recursos de P&D em motores da bioeconomia, com protagonismo da ciência e da indústria local;
  • Revolução logística baseada em soluções modulares, fluviais e sustentáveis, integradas à geografia e à cultura amazônica.

Do desabafo ao projeto em movimento 

O mato é espesso. Não faltam onças nem surucucus. Mas falta o cachorro — a inteligência institucional capaz de farejar o caminho certo, proteger os objetivos comuns e conduzir a floresta ao seu lugar de potência.

Chegou a hora de os beneficiários legais desses fundos — as comunidades do interior, os estudantes da UEA, os pequenos empreendedores da floresta — exercerem seu legítimo direito de perguntar: e os benefícios, onde estão?

Não se trata de acusação. Nem de julgamento. Trata-se de cidadania. Trata-se de reciprocidade. Se houve investimento, deve haver retorno.

Este é o ponto de inflexão. O fim da resignação. A hora de virar o jogo.

Com ambição. Com método. Com unidade.

Para que os bilhões deixem de escorrer pelo ralo do improviso e se tornem sementes de um novo futuro para a Amazônia — e para o Brasil.

Coluna Follow Up é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras no Jornal do Comércio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes, consultor da entidade e editor geral do Brasil Amazônia agora
Alfredo Lopes
Alfredo Lopes
Alfredo é consultor ambiental, filósofo, escritor e editor-geral do portal BrasilAmazôniaAgora

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