Essa espécie de baleia pode ser fruto da hibridização causada pela mudança de áreas de reprodução de outras espécies devido ao aquecimento dos oceanos; entenda por que isso pode ser um problema para a biodiversidade
Uma baleia misteriosa que intriga cientistas há décadas pode não ser apenas uma anomalia, mas sim uma pista importante sobre o que as mudanças climáticas estão causando sob as ondas do oceano. Chamada de Whale 52 [“Baleia 52”, em tradução do inglês], ela já foi ouvida muitas vezes, mas nunca vista.
A primeira vez que o animal intrigou cientistas foi quando ouviram seu canto: o som foi emitido nas profundezas do oceano a uma frequência de 52 Hertz – número que tornou-se seu apelido -, muito mais alta do que a do canto de uma baleia-azul ou de sua prima, a baleia-fin.

Espécie de baleia híbrida
A suspeita do biólogo marinho John Calambokidis, do Cascadia Research Collective, é que essa espécie de baleia “solitária” seja um híbrido: parte baleia-azul, parte baleia-fin.
Uma criatura assim, frequentemente chamada de flue whale, está se tornando mais comum à medida que o aquecimento dos mares empurra as baleias-azuis para novas áreas de reprodução, onde a probabilidade de acasalamento com suas parentes fin aumenta. “As baleias-azuis ainda lutam para se recuperar de séculos de caça, com algumas populações permanecendo com menos de 5% de seus números históricos”, afirmou Calambokidis em reportagem do portal Grist.
Uma pesquisa com baleias-azuis do Atlântico Norte, publicada no ano passado, revelou que o DNA da baleia-fin correspondia a até 3,5% de seu genoma — um número impressionante, considerando que as duas espécies divergiram há 8,35 milhões de anos.
Embora o número de híbridos confirmados ainda seja baixo, a continuação da degradação dos habitats pode torná-los mais comuns, comprometendo a diversidade genética e reduzindo a resiliência das populações já ameaçadas. Por isso, alguns biólogos marinhos consideram o fenômeno preocupante, já que as flue whales são em grande parte incapazes de se reproduzir. Embora algumas fêmeas sejam férteis, os machos tendem a ser estéreis.

Baleia 52 ameaça biodiversidade
Uma espécie de baleia híbrida em ascensão apresenta implicações profundas para a conservação. Isso porque se os híbridos não forem facilmente identificáveis, isso pode levar a estimativas imprecisas da população de baleias-azuis e dificultar a avaliação da eficácia dos programas de conservação. Mais preocupante ainda: animais estéreis não podem contribuir para a sobrevivência da espécie. Ou seja, a hibridização representa uma ameaça à viabilidade a longo prazo das baleias-azuis.
“Pode ser que os híbridos não sejam tão bem adaptados ao ambiente quanto uma baleia-azul ou baleia-fin pura, o que significa que os descendentes produzidos seriam becos sem saída evolutivos”, aponta a bióloga marinha Aimee Lang.

Cada espécie de baleia desempenha um papel específico na manutenção da saúde dos ecossistemas marinhos, seja controlando populações de krill, seja fornecendo nutrientes essenciais como o ferro. Assim, híbridos que não exercem o papel que a evolução lhes atribuiu também comprometem essa relação simbiótica com o oceano, que já vem sendo transformado pelo aquecimento das águas, acidificação dos oceanos e mudanças na distribuição das presas.
Para entender verdadeiramente como essas pressões estão moldando as populações de baleias, os pesquisadores talvez ainda precisem de muitas gerações desses animais para descobrir o que está acontecendo sob as ondas, mas o canto da Baleia 52 já é interpretado como alerta desse fenômeno.