“Este ensaio inaugura uma série de reflexões e análises que servirão de base para um estudo técnico mais aprofundado sobre os impactos e as oportunidades da inteligência artificial para a Zona Franca de Manaus. O objetivo é claro: transformar uma ameaça aparente em uma alavanca concreta de desenvolvimento sustentável, justo e inteligente.”
Coluna Follow-Up
“A combinação entre inteligência emocional e inteligência artificial é essencial para o sucesso empresarial hoje.” A frase de Denis Minev, dita no final de 2024 em reunião com as entidades do setor produtivo, é mais do que uma constatação sobre o presente — é um convite ao futuro. Para o empresário amazonense, a inteligência emocional é uma ferramenta da retenção de talentos e do bom ambiente de trabalho, enquanto a inteligência artificial desponta como uma aliada indispensável na busca por eficiência, inovação e produtividade. A Bemol, que já utiliza 600 licenças do ChatGPT em diversas áreas da empresa, é prova concreta de que a IA pode potencializar o trabalho humano, e não substituí-lo — um exemplo que vem da Amazônia para o Brasil.
Esse tipo de visão se torna ainda mais urgente diante dos alertas da Organização Internacional do Trabalho. Segundo a OIT, mais de 60% das ocupações globais devem ser modificadas ou extintas com o avanço da inteligência artificial e da automação. No Brasil, os impactos já são perceptíveis, especialmente em setores onde predominam atividades repetitivas e pouco qualificadas. E é exatamente aí que reside o ponto sensível da Zona Franca de Manaus. Boa parte dos empregos industriais no Polo Industrial de Manaus se concentra em funções como operadores de linha, digitadores, atendentes e assistentes administrativos — postos que estão entre os mais suscetíveis à substituição por tecnologias automatizadas.
O risco, portanto, não é apenas de desemprego em massa, mas de colapso de um modelo econômico que tem como uma de suas premissas mais sagradas a geração de empregos como contrapartida dos incentivos fiscais. Mas a inteligência artificial, como bem demonstra Minev, não é o problema. Ao contrário, é a porta de entrada para um novo ciclo de soluções. A IA pode ser utilizada para resolver antigos gargalos da Zona Franca: pode ajudar a superar a dependência de atividades industriais de baixo valor agregado, modernizar os processos produtivos, dinamizar o acesso à qualificação profissional e ampliar as conexões entre floresta, ciência e mercado.
O que está em jogo, portanto, vai além da manutenção dos empregos, é a própria reinvenção da lógica que sustenta o desenvolvimento regional da Amazônia. Para isso, é indispensável que o poder público assuma um papel coordenador e estratégico. A transição precisa ser planejada com foco em políticas educacionais capazes de formar técnicos e profissionais em áreas como automação, ciência de dados, cibersegurança, análise de processos e bioeconomia. Além disso, é urgente criar programas que promovam a reconversão produtiva de fábricas e linhas de montagem que hoje operam em modelos obsoletos.
A IA pode ser usada bem mais que modernizar a indústria, como também para fortalecer os sistemas públicos de saúde, educação e meio ambiente, com soluções personalizadas, análises preditivas e tomada de decisão baseada em evidências. As entidades representativas também têm um papel decisivo nesse processo. O CIEAM, os sindicatos, os institutos de ciência e tecnologia, universidades e centros de inovação devem atuar como pontes entre a indústria e o futuro. Criar espaços de experimentação tecnológica, hubs de requalificação, parcerias com startups e programas permanentes de formação em IA são ações estratégicas que podem garantir que a Amazônia não seja atropelada pela revolução tecnológica — mas que a lidere com protagonismo e autenticidade.
Além disso, a IA pode desempenhar um papel crucial na compatibilização entre produtividade e preservação da floresta. Ferramentas de inteligência artificial já são capazes de rastrear cadeias produtivas, otimizar rotas logísticas em regiões remotas, prever desmatamentos ilegais e monitorar o uso sustentável da biodiversidade. Combinada à ciência local e ao conhecimento tradicional, a IA pode ser um instrumento de governança territorial e de ampliação do valor agregado dos produtos amazônicos, fortalecendo uma bioeconomia baseada em ciência, inovação e floresta em pé.
Este ensaio inaugura uma série de reflexões e análises que servirão de base para um estudo técnico mais aprofundado sobre os impactos e as oportunidades da inteligência artificial para a Zona Franca de Manaus. O objetivo é claro: transformar uma ameaça aparente em uma alavanca concreta de desenvolvimento sustentável, justo e inteligente. A inteligência artificial não será a vilã. Será a ponte entre o passado que se esgota e o futuro que queremos construir.
Coluna Follow Up é publicada às quartas, quintas e sextas feiras pelo Jornal do Comércio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes, editor do https://brasilamazoniaagora.com.br/ e consultor da entidade.