O dilema da tecnodiversidade na Amazônia não será resolvido enquanto as tecnologias continuarem a ser impostas de fora. O caminho para um futuro sustentável passa pelo reconhecimento da importância do saber local e pelo desenvolvimento de tecnologias que respeitem tanto a biodiversidade quanto a cultura das comunidades amazônicas
Por Estevão Monteiro de Paula
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A Amazônia, um dos ecossistemas mais ricos e complexos do planeta, enfrenta um dilema crítico em relação à sua tecnologia e gestão. Enquanto os povos amazônicos buscam maneiras de aproveitar os recursos naturais de forma racional e sustentável para melhorar sua qualidade de vida, a maioria das tecnologias disponíveis é desenvolvida por países que defendem a visão de que a floresta deve permanecer intocável. Essa disparidade gera um conflito que impede o desenvolvimento local e a implementação de soluções que respeitem tanto a biodiversidade quanto as necessidades das comunidades que habitam essa vasta região.
O filósofo Yuk[1] argumenta que a tecnodiversidade é essencial para abordar as complexidades das realidades locais, especialmente em ecossistemas como a Amazônia. Ele defende que a tecnologia deve ser adaptada às condições culturais e ambientais de cada região, em vez de impor soluções universais que muitas vezes não se aplicam à realidade local. Para Yuk, a verdadeira inovação surge do diálogo entre diferentes saberes e práticas, onde o conhecimento tradicional se encontra com as novas tecnologias. Essa perspectiva ilumina a necessidade urgente de desenvolver tecnologias que respeitem o conhecimento acumulado pelas comunidades amazônicas ao longo de gerações.
No entanto, o problema se agrava quando consideramos que as inovações frequentemente trazidas de fora não levam em conta as especificidades da vida na floresta, ignorando o saber ancestral das comunidades. As tecnologias de controle e vigilância, muitas vezes promovidas sob o pretexto de conservação, acabam marginalizando as práticas que sustentam a harmonia entre o ser humano e o meio ambiente. A ironia é clara: as soluções que deveriam proteger a floresta frequentemente colocam em risco os modos de vida que são essenciais para sua preservação.
Diante desse cenário, a solução para o problema da tecnodiversidade na Amazônia só se dará quando a população local compreender que deve investir em conhecimento e na geração de tecnologia apropriada à sua realidade. Isso significa não apenas valorizar e reforçar suas tradições, mas também buscar inovações que sejam sustentáveis e respeitem o ecossistema. O investimento em educação, pesquisa e desenvolvimento de tecnologias locais é fundamental para garantir que as comunidades tenham as ferramentas necessárias para administrar seus recursos de forma eficaz e, ao mesmo tempo, preservar a riqueza natural da floresta.
Em suma, a Amazônia precisa de uma abordagem que reconheça a importância da tecnodiversidade, onde as tecnologias locais sejam valorizadas e incentivadas. Somente assim será possível promover um futuro onde a floresta seja vista não apenas como um espaço a ser protegido, mas como um lar que deve ser cuidado, respeitado e utilizado de maneira sustentável para o benefício das futuras gerações.
O pensamento de Yuk, ao enfatizar a necessidade de adaptação tecnológica às realidades locais, nos guia a essa conclusão vital: a verdadeira solução para os desafios enfrentados pela Amazônia reside no empoderamento de suas comunidades, garantindo que sua sabedoria e conhecimento sejam os pilares do desenvolvimento sustentável.
[1] Huk, Yuir. Tecnodiversidade. 1. ed. São Paulo: Editora Ubu, 2020.
Estevão Monteiro de Paula é engenheiro civil, mestre em Engenharia de Estruturas e Ph.D pela Universidade do Tennessee, coordenador de pesquisas do INPA e professor titular da Universidade do Estado do Amazonas
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