Na prática, o PL abre caminho para o desmatamento de porções maduras e estratégicas da Mata Atlântica, justamente aquelas com maior valor ecológico e capacidade de regeneração
A Mata Atlântica brasileira é um bioma de relevância global: abriga uma das maiores biodiversidades do planeta, com inúmeras espécies endêmicas, ou seja, que não existem em nenhum outro lugar do mundo, contribui para a regulação do clima e se destaca no ecoturismo, movimentando a economia local.
O Dia Nacional da Mata Atlântica, celebrado hoje (27), traz os holofotes para toda a importância desse bioma. Sua riqueza natural, no entanto, foi severamente comprometida ao longo da história do país. Segundo dados do Mapbiomas, em 2025, a Mata Atlântica registra a menor quantidade de cobertura nativa entre todos os biomas brasileiros, com apenas cerca de 24% da vegetação original remanescente.
Em meio à nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, aprovada na última quarta-feira (21), o cenário demanda ainda mais cuidado e traz um tom de alerta à data.
Nova lei ameaça conservação na Mata Atlântica
Batizada por ambientalistas de “PL da Devastação”, o PL 2.159/2021, que institui a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, permite flexibilizar ou até tirar a necessidade de licenciamento de obras e empreendimentos de potencial impacto, como a construção de barragens de rejeitos, e projetos de melhorias em estruturas já existentes, como a ampliação de estradas, independentemente do tamanho do impacto.
O texto também prevê a isenção de licenças para alguns empreendimentos e setores econômicos, como a agricultura tradicional e pecuária de pequeno porte, confere a estados e municípios o poder de conceder mais dispensas e generaliza a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um licenciamento autodeclaratório e automático, sem análise prévia ou controle de órgão ambiental.
Em paralelo, a emenda 102 ao PL ampliou a preocupação entre ambientalistas e juristas por incluir um “jabuti legislativo” — termo usado para designar dispositivos inseridos em projetos sem relação direta com o tema central, com o objetivo de passar despercebidos. A emenda revoga os parágrafos 1º e 2º do artigo 14 da Lei da Mata Atlântica, principal instrumento para proteger esse bioma, retirando a exigência de análise prévia de órgãos ambientais estaduais ou federais para a supressão de áreas de mata primária, secundária ou em estágio médio de regeneração.
Na prática, isso abre caminho para o desmatamento de porções maduras e estratégicas da Mata Atlântica, justamente aquelas com maior valor ecológico e capacidade de regeneração. Além disso, abre brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, possa autorizar o desmatamento dessas áreas.
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima também se manifestou contra a proposta e afirmou que a emenda “afronta a Constituição” ao desmontar parte fundamental da legislação ambiental vigente. Defensores da medida argumentam que a alteração visa apenas “uniformizar procedimentos legais”.
“Não podemos permitir que conquistas ambientais históricas sejam desmanteladas. A Mata Atlântica precisa de mais proteção, não menos. Reforçar o cumprimento da lei e barrar retrocessos como o PL 2.159/21 é uma urgência nacional”, comenta Carolina Schäffer, vice-presidente e coordenadora da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), organização defensora da Mata Atlântica.
De acordo com matéria do Um Só Planeta, agora projeto agora retorna à Câmara dos Deputados, que decidirá se acata ou não as mudanças introduzidas pelo Senado com a emenda.