A atual Administração Econômica do Governo Federal está trabalhando com o modelo de austeridade fiscal expansionista, o qual parte do esforço de equilíbrio das contas consolidadas do setor público e se apoia nas reformas da previdência, do sistema tributário e do próprio Estado. Espera criar um ambiente de expectativas favoráveis e de incertezas mitigadas que poderiam induzir a retomada do crescimento econômico, liberando “o espírito animal” dos empreendedores. Embora seja indispensável que se realize a consistência macroeconômica de nossa economia a fim de que se elimine de vez o fantasma da inflação e se reverta a percepção de que o País caminha para a insolvência financeira, há ações programáticas fundamentais para que a nova década dos anos 2020 não se perca também em uma sequência interminável de ajustes de curto prazo.
Por Paulo Roberto Haddad
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“Use uma linguagem simples e não pressuponha que as pessoas já entendem de conceitos econômicos pouco familiares; seja honesto sobre a desonestidade que permeia o debate político; não tenha receio de tratar de forma crítica os assuntos controversos, as fake news e os argumentos econômicos que são elaborados de má fé; não deixe de lado a boa briga pela verdade, pela justiça e pelo antizumbi (ideias que já morreram e que insistem em estar entre nós); lembre-se ser legítimo que cada um tenha as suas próprias ideias mas não os seus próprios fatos”.
Paul Krugman – Prêmio Nobel de Economia em 2008
Coluna no New York Times (2020)
Em 1980, Alfred Marshall (1842–1924) definiu os conceitos de curto prazo e de longo prazo. São construções analíticas. Não são prazos que se referem ao tempo-calendário. No curto prazo, são isolados determinados fatores de mudanças e de transformações, a fim de que se possa perceber como determinada variação de uma variável (por exemplo: aumento da taxa de juros) pode afetar outras variáveis (por exemplo, a demanda de automóveis ou os investimentos diretamente produtivos).
A análise de curto prazo pressupõe que determinadas estruturas e mecanismos institucionais não se modificam durante o período de análise, os quais permaneceriam hipoteticamente constantes. É como se estivéssemos em um laboratório pesquisando como uma picada do mosquito da dengue afetaria um paciente, independentemente das suas características pessoais (idade, sexo, raça, gênero), para posteriormente incorporar essas variáveis na análise e avaliar o seu impacto diferencial isoladamente ou de forma sinergética.
Considera-se que, no curto prazo, há um passado que já transcorreu e trouxe para o presente uma estrutura de distribuição da renda e da riqueza, um ciclo de inovações científica e tecnológicas, uma força de trabalho com diferentes qualificações, os fundamentos das instituições políticas, os fundamentos das instituições políticas e sociais, etc. Uma análise específica do longo prazo cuidaria de analisar as mudanças possíveis e necessárias dessas estruturas e mecanismos, geralmente através de políticas públicas socioeconômicas e socioambientais ou de ações programáticas independentes.
Não se trata de elaborar uma lista de problemas e questões que são por natureza de curto prazo e outras que são de longo prazo. Por exemplo, uma elevação da taxa de juros pode reduzir a demanda de bens duráveis de consumo no curto prazo e, ao mesmo tempo, impactar a concentração na distribuição da renda em benefício dos rentistas, num processo simultâneo. Políticas de curto prazo de estabilização monetária devem se articular e se integrar com políticas de desenvolvimento, se desejarmos atingir objetivos múltiplos de desenvolvimento sustentável da sociedade brasileira.
Uma narrativa de índole neoliberal é a de que, se equilibrarmos as contas do setor público consolidado (três níveis de Governo, Estatais, Banco Central) na busca de zerar o déficit fiscal, conseguiremos criar um ambiente macroeconômico favorável para quem toma as decisões de produzir, de consumir e de acumulação de capital técnico. Sendo preciso, simultaneamente, controlar a escala da dívida pública líquida, abrindo espaço para promover a queda da taxa de juros, o que irá beneficiar tanto os novos investimentos como as compras de bens duráveis de consumo.
A atual Administração Econômica do Governo Federal está trabalhando com o modelo de austeridade fiscal expansionista, o qual parte do esforço de equilíbrio das contas consolidadas do setor público e se apoia nas reformas da previdência, do sistema tributário e do próprio Estado. Espera criar um ambiente de expectativas favoráveis e de incertezas mitigadas que poderiam induzir a retomada do crescimento econômico, liberando “o espírito animal” dos empreendedores. Embora seja indispensável que se realize a consistência macroeconômica de nossa economia a fim de que se elimine de vez o fantasma da inflação e se reverta a percepção de que o País caminha para a insolvência financeira, há ações programáticas fundamentais para que a nova década dos anos 2020 não se perca também em uma sequência interminável de ajustes de curto prazo.
Se o Brasil voltar a crescer de forma sustentada e sustentável, assim como de forma acelerada,poderia financiar as dívidas e os déficits socioeconômicos e socioambientais acumulados no passado. A nossa história mostraque os problemas sociais e econômicos podem ser melhor resolvidos quando o País está crescendo contínua e significativamente e não apenas através de espasmos ocasionais como tem ocorrido nos últimos anos.
À medida que a economia cresce, dependendo do modelo de desenvolvimento adotado, é relativamente mais fácil utilizar o excedente econômico em expansão para financiar adequadamente as oportunidades de investimentos, gerando emprego de qualidade e renda. Torna-se mais fácil, também, ampliar e consolidar as transferências de renda das políticas sociais compensatórias para os pobres e os miseráveis, assim como as transferências fiscais para as áreas economicamente deprimidas. Mas, principalmente, que se concebam e implementem mudanças estruturais segundo os compromissos do País com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)*, com os quais o Brasil se comprometeu, em setembro de 2015, juntamente com os demais Países-Membros, a serem implementados até 2030. Enfim, segundo o modelo de equilíbrio fiscal expansionista, após os ajustes e reformas político-institucionais, as forças desacorrentadas dos mercados trarão de volta o crescimento econômico.
PODE NÃO DAR CERTO
A questão fundamental em relação ao déficit brasileiro é a seguinte: há um descompasso ou hiato estrutural entre as fontes de recursos (impostos, taxas) e os usos de fontes (despesas públicas) do setor público que vem se configurando ao longo das três últimas décadas. A partir da Constituição de 1988, a sociedade brasileira, através dos diferentes grupos organizados da sociedade civil e de legítimos interesses públicos, conseguiu sensibilizar o Congresso Nacional para a formulação e a implementação de um conjunto de políticas públicas (social, científica, ambiental, regional, industrial, etc.) que, ao longo dos anos, foram se estruturando e pressionando crescentemente os orçamentos anuais e plurianuais dos três níveis de governo. Economistas como Mário Henrique Simonsen e Delfim Netto, alertavam que “o volume engrandecido das despesas públicas não iria caber no PIB”.
Para lidar com essa avalanche de demandas, que exprimem as necessidades de um processo de desenvolvimento sustentável (=crescimento econômico globalmente competitivo + justa distribuição social e regional da renda e do emprego + conservação, preservação e recuperação dos ecossistemas), seria necessário que as receitas públicas crescessem pelo menos no ritmo de 5% ano, proporcionalmente ao crescimento do PIB de 1900 a 1980. Nesse caso, as receitas teriam triplicado de 1980 a 2023, capazes de nulificar o déficit público, o que definitivamente não ocorreu, pois o ritmo de expansão do PIB per capita desacelerou intensamente.
A gestão orçamentária acabou se realizando graças a:
- aumento da dívida pública;
- receitas extraordinárias de privatizações, de concessões, etc.;
- participação nos dividendos de algumas estatais lucrativas;
- contingenciamentos e cortes nos gastos;
- conta de restos a pagar de custeio e de investimentos.
Como o descompasso entre a avalanche das despesas e as receitas que ocorriam face a uma base tributária (renda, PIB, patrimônios) fragilizada e descompassada, os resultados recorrentes para a sociedade foram: perda da qualidade dos serviços públicos tradicionais; um número imenso de obras de infraestrutura econômica e social inacabadas; a pulverização dos recursos orçamentários em inúmeros programas e projetos fazendo um pouco de cada um deles sem resultados finalísticos apropriados. Um drama que pode ter capítulos adicionais sempre que, em cada novo mandato presidencial, novos programas e projetos ou a expansão dos atuais são comprometidos e realizados, ainda que parcialmente.
De corte em corte de despesas públicas, vai se processando um desmonte de instituições responsáveis pela implementação das políticas públicas; pela redução dos objetivos e metas a serem alcançadas; pelo desalento tanto da população beneficiária de cada política pública quanto dos agentes públicos responsáveis pela sua implementação. Para o imbróglio fiscal, não se trata de aumentar ad hoc a carga tributária, de cortaras despesas públicas com as suas consequências recessivas, mas de buscar a realização do aumento expressivo das receitas pela via de formação de um novo ciclo de expansão econômica. Cortar mais e mais despesas públicas é uma opção conformista de política econômica. Organizar e implementar um novo ciclo de expansão é um risco político-institucional que não se pode deixar de correr.
As teorias macroeconômicas modernas construídas a partir de experiências históricas de diversos países sugerem que:
- em um contexto como vivemos atualmente, que impõe pesados sacrifícios à população, o crescimento pode demorar muito a vir, ou até mesmo não vir o que, segundo Robert Skildesky, transformaria a atual política econômica num exercício de “sadismo intelectual”;
- a impaciência das lideranças políticas com resultados que não emergem pode levá-las a adotar atitudes de políticas econômicas não convencionais (endividamento público indireto através dos bancos oficiais, o controle administrativo dos macro preços – taxa de juros, salários câmbio), o que pode se constituir, no longo prazo, em um processo de “argentinização da economia brasileira”;
- uma opção definitiva por um estilo populista de governar, visando a reduzir as insatisfações da população através de ações que geram benefícios imediatistas.
As teorias macroeconômicas modernas destacam que o crescimento de uma economia é um fenômeno dependente de trajetória (path dependence), ou seja, é um processo cujas decisões anteriores ou experiências feitas no passado restringem ou influenciam eventos ou decisões posteriores. Uma característica da economia não se baseia nas condições atuais, mas, ao contrário, foi formada por uma sequência de ações anteriores, cada uma levando a um resultado distinto.
Assim, de acordo com o estilo de política econômica que se adote, a retomada do crescimento poderá eventualmente vir a ocorrer somente no País das Maravilhas. Na verdade, sem articular o controle do processo inflacionário (necessário, indispensável, austero) com políticas de desenvolvimento, ficaremos à espera da retomada do crescimento e como disse Alice no País das Maravilhas: “Dizem que o tempo resolve tudo. A questão é: quanto tempo?”
Há políticas econômicas que são necessárias e políticas econômicas que são suficientes. Após a crise financeira e econômica de 2008 e da pandemia da COVID-19, muitos países europeus, com as suas finanças públicas desorganizadas, elaboraram e implementaram com sucesso uma política econômica de equilíbrio fiscal expansionista. Superados os déficits fiscais conjunturais, houve a retomada do crescimento e dos níveis de renda e do emprego. A política econômica foi suficiente.
No caso brasileiro, o descompasso entre as fontes de receitas públicas e os usos de despesas públicas tornou-se uma questão estrutural de tal forma que a busca do equilíbrio fiscal (condição necessária) precisa se integrar com busca do desenvolvimento sustentável (condição suficiente). Se não houver uma integração da política de estabilização monetária com a política de desenvolvimento sustentável, corre-se o risco da percepção panglossiana de que tudo vai bem no melhor dos mundos, o que nos faz lembrar Alice: “Ficou até sentada, os olhos fechados e quase acreditou estar no País das Maravilhas, embora soubesse que bastava abri-los e tudo se transformaria em insípida realidade”.
TRÊS PROPOSTAS DE INTEGRAÇÃO DA ESTABILIDADE MONETÁRIA COM O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Apresentaremos três sugestões de Programas de Desenvolvimento Sustentável, selecionados entre tantos outros, que atendem aos seguintes critérios:
- o financiamento dos Programas não devepressionar o equilíbrio consolidado das contas públicas; um processo de desenvolvimento sustentável com estabilidade monetária;
- os Programas devem ser baseados em experiências bem sucedidas historicamente no Brasil, atualizadas por ações incrementais; desenvolvimento não se processa apenas com diretrizes gerais baseadas em modelos econômicos abstratos;
- os Programas devem ser compatíveis com os compromissos político- ideológicos das lideranças prevalecentes com a população;programas de desenvolvimento se fundamentam em consensos politicamente negociados;
- os Programas devem ser compatíveis e consistentes com a disponibilidade do capital físico e do capital social (institucional, humano, cívico, intelectual, cultural, etc.) no estágio atual da sociedade brasileira;desenvolvimento ocorre quando “a única forma de chegar ao impossível é acreditar que é possível;
- Os Programas devem estar alinhados com a implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU; um país pode crescer sem se desenvolver de forma sustentável.
PROPOSTA 1 – CRESCIMENTO ECONÔMICO E COMPETITIVIDADE GLOBAL: A TERCEIRA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DA AGRICULTURA BRASILEIRA
Durante o Período Colonial, a agricultura brasileira se caracterizava pelo uso extensivo e predatório dos recursos naturais, pelo baixo progresso tecnológico, pelos desmatamentos e queimadas, pela sobre-exploração da força de trabalho e, até mesmo, por infringir a ordem jurídica prevalecente. As primeiras transformações ocorreram a partir do avanço da cafeicultura no Sudeste do País, que operava com mão de obra livre e com melhor distribuição de renda, o que levou à dinamização do mercado interno a partir do século 20.
Mas, a Grande Transformação da agricultura brasileira ocorreu no início dos anos 1970, quando, sob a liderança do Professor e Ministro Alysson Paolinelli, realizou-se a revolução científica e tecnológica nos cerrados brasileiros, que ocupam 60%de nosso território. O dinamismo do agronegócio brasileiro, um dos líderes mundiais na produção e exportação de proteína animal e proteína vegetal, se deve, principalmente, ao progresso científico e tecnológico que tem sido incorporado aos seus segmentos produtivos, a partir da criação do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, liderado pela EMBRAPA e que mantém o seu dinamismo e atualização científica até os dias de hoje.
Atualmente, o agronegócio brasileiro é o setor produtivo mais importante da economia brasileira e tem evitado que a quase-recessão, iniciada em 2014, se transforme em depressão econômica. É o carro-chefe de poderosas cadeias produtivas e de valor que envolvem, direta e indiretamente, diferentes setores, com impactos que se espraiam para a indústria química, a indústria de bens de capital, os setores de tecnologia e informação, o setor de transporte, etc. Contribui para intensa redução do custo da cesta básica que beneficiou, principalmente, os grupos sociais de baixa renda, para os quais o peso das despesas com alimentos é maior.
No ano de 2023, as exportações brasileiras do agronegócio bateram recorde atingindo 166 bilhões de dólares e um superávit na balança comercial de 99 bilhões de dólares. Esse excedente permite ampliar as reservas cambiais e, ao mesmo tempo, o grau de liberdade e de autonomia do País em promover o seu desenvolvimento.
O agronegócio não precisa desmatar para se expandir. Segundo pesquisadores da EMBRAPA, se conseguíssemos transferir 50% da tecnologia sustentável já desenvolvida e experimentada para a agricultura, seria possível dobrar a produção de alimentos sem abrir novas áreas. Será preciso, contudo, melhorar a infraestrutura econômica assim como a logística de transporte, buscando uma saída para o Pacífico para ter acesso competitivo aos mercados crescentes dos países do Sudeste Asiático.
Os ganhos de produtividade e de competitividade do Segundo Salto Tecnológico da Agropecuária Brasileira nos Cerrados estão se multiplicando graças, também, aos primeiros resultados do Terceiro Salto, que está conscientizando uma nova geração de empreendedores no campo para a produção de produtos saudáveis, sustentáveis e resistentes às mudanças climáticas, iniciado novamente por Alysson Paolinelli, quando Presidente do Instituto Fórum do Futuro, particularmente através de grupos de vanguarda empresarial em diferentes regiões do País: Rondônia, Centro-Norte do Mato Grosso, Gurguéia no Piauí, Oeste da Bahia, Rio Verde em Goiás, Balsas no Maranhão, Alto Paranaíba e Noroeste de Minas Gerais, etc., além evidentemente das regiões tradicionais grandes produtoras de alimentos do Sul e do Sudeste, que se consolidaram desde o início do século 20.
O que se espera do novo ciclo de expansão da economia brasileira com base na produção de alimentos para a Humanidade é a duplicação, a diversificação e a diferenciação das atividades agropecuárias através das inovações geradas pelas instituições públicas e privadas de ciência e tecnologia do País, além da logística de acesso aos crescentes mercados do Sudeste Asiático, através de dois Eixos: o recém construído mega Porto de Chankay no Peru com saída pelo Estado do Acre e outra saída pelo Norte do Chile.
Aghion*distingue, dentro do Paradigma Schumpeteriano, “as inovações de imitação” das “inovações de fronteira”. Segundo ele, o crescimento vem da inovação, mais especificamente para as firmas nos países menos desenvolvidos da imitação ou da adaptação das tecnologias de ponta dos países mais desenvolvidos, como ocorreu no ciclo de expansão do Plano de Metas de JK com o processo de substituição de importações. Mas há também as inovações de fronteira a que Schumpeter e Mazzucato* se referem em seus livros, como, por exemplo, as inovações que transformaram os cerrados brasileiros de um bem físico em um bem econômico.
A melhor forma de se medir a importância da agropecuária para o País e para o Mundo é considerar toda a cadeia de valor relacionada com as atividades rurais levando em conta os seus efeitos diretos, indiretos e induzidos (sobre o consumo), segundo a matriz de insumo-produto ou, mais rigorosamente, de um Modelo Dinâmico de Equilíbrio Geral Computável (DSGE) que permite estimar a interdependência estrutural da economia.
Assim, enquanto o IBGE calcula o PIB agropecuário como apenas a evolução do volume produzido dentro da porteira, chegando a uma participação de 2% no PIB brasileiro em 2020, o CEPEA da ESALQ/USP (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) engloba todo o agronegócio em termos das evoluções de volume e preços reais, chegando a uma participação de 27,4% do PIB brasileiro, em 2021. Em 1970, essa participação erade apenas 7,0%, o que ilustra como a cadeia de valor do agronegócio tornou-se mais complexa e dinâmica no Brasil.
Outros indicadores são igualmente relevantes: somos os maiores exportadores mundiais de açúcar, de suco de laranja, de café, de soja e de carnes de frango. Somos o segundo maior exportador mundial em milho e carne bovina. São produtos de grande demanda e necessidade (programas de segurança alimentar) em países que estão propensos a financiar o Programa como no modelo PRODECER.
Desde os anos 1970, o Brasil se tornou um importante fornecedor de alimentos e fibras para o Mundo. A proposta de um novo ciclo de expansão com fundamento na produção de alimentos para a Humanidade representa tão somente a aceleração de uma trajetória viável, realista e desafiante que extrapola experiências passadas renovadas pelas inovações do Terceiro Salto.Transformar o Brasil em um dos maiores produtores mundiais de alimentos para a Humanidade, com os seus 7,8 bilhões de pessoas, pode parecer utopia, mas como dizia Oscar Wilde “o progresso não é senão a realização das utopias”.
PROPOSTA 2 – PROGRAMA DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: UM NEW DEAL VERDE
Diversos países desenvolvidos se programaram para a retomada do processo de crescimento econômico no período pós-pandemiada COVID-19 para evitar que o processo de crescimento seja tão somente errático e espasmódico. Há uma intensa discussão sobre qual seria o conjunto de investimentos públicos e privados que poderiam recuperar os níveis de emprego e de renda esgarçados pelas desastrosas mazelas econômicas e sociais, que ocorreram nos longos meses da pandemia. Uma das estratégias é a de formular e implementar um “New Deal”, como tem ocorrido na administração dos EE.UU. e em muitos países da União Europeia.
O New Deal foi um programa de investimentos maciços em obras públicas, lado a lado com políticas sociais compensatórias, que o Presidente Roosevelt concebeu e executou, com grande sucesso, para retirar a economia norte-americana da Grande Depressão de 1929. A liderança dos investimentos foi comandada pelo Governo já que, mesmo com uma redução drástica das taxas de juros ou da carga tributária, o setor privado à época não iria aumentar os seus gastos em consumo e em bens de capital, dados os elevados níveis de incerteza e de risco prevalecentes.
De fato, Keynes chegou a afirmar que se o Governo autorizasse o emprego de pessoas para encher garrafas com velhas notas de dinheiro, as enterrasse bem fundo em minas de carvão desativadas, enchesse essas minas com lixo das cidades e deixasse as empresas privadas desenterrarem o dinheiro, poderia não haver mais desemprego.
Na verdade, a principal mensagem de Keynes era para que o gasto público adicional não fosse realizado de formas bizarras, através do desperdício dos recursos dos contribuintes. Sua proposta era usar o déficit público para construir habitações ou executar obras do mesmo gênero.
É preciso haver, pois, além das políticas sociais compensatórias, uma preocupação em relação aos investimentos, tais como sua localização, sua composição e seus impactos de médio e de longo prazo. Neste sentido, muitos países estão formulando programas anticíclicos de defesa dos níveis de renda e de emprego, focalizados nas questões das mudanças climáticas.
No caso brasileiro, dada a profunda crise fiscal e financeira que assola o setor público nos três níveis de governo, há que se encontrar estratégias de revitalização da economia que estimulem o setor privado a investir em grandes projetos. Destacam-se pelo menos cinco ações programáticas intensivas de sustentabilidade ambiental: saneamento básico, dentro do Plano Nacional de Recursos Hídricos; modernização da infraestrutura da logística com baixo carbono; reestruturação alternativa da matriz energética; terceiro salto tecnológico expansivo do agronegócio, sem desmatamento, recuperação e reabilitação dos ativos ambientais (bacias hidrográficas, florestas prístinas) que foram degradadas ao longo do tempo.
O papel do Estado deveria ser o de indutor dos projetos de investimentos, abrindo linhas especiais de financiamentos adequados, desregulamentando as atividades setoriais numa perspectiva de desenvolvimento sustentável e adotando um sistema inteligente de incentivos fiscais e financeiros.
Planejar é preciso. O governo não pode se limitar, letargicamente, à simples gestão do equilíbrio fiscal, enquanto produtores e consumidores ficam à espera da redução das incertezas para tomar as suas decisões sobre a construção do futuro. Como diz Peter Drucker: “:A melhor forma de prever o futuro é criá-lo”.
É importante também que o Brasil assuma uma liderança na produção de bens de capital e de bens duráveis de consumo relacionados com a mudança climática, particularmente com as energias renováveis.Trata-se de combinar a política do clima com políticas de substituição de importações e de promoção de exportações (Mercosul, África) visando a criar novos empregos, novas indústrias e fontes de prosperidade na transição para uma economia de baixo carbono*.
A proposta é que a maioria dessas ações programáticas tenha significativa parcela dos financiamentos realizados por empréstimos ou transferências internacionais,investimentos privados, ou até mesmo através de doações de governos interessados no controle das mudanças climáticas.
No caso específico do Território da Amazônia, apesar do esforço do Governo Federal em promover um processo de desenvolvimento sustentável, a Região está passando por uma grave crise social e uma profunda crise ambiental. Os indicadores de agregados de crescimento econômico e de bem-estar social (PIB per capita e renda domiciliar per capita) mostram que os 9 Estados que compõem a Amazônia Legal, quando comparados com o ritmo de crescimento que prevalece atualmente entre as Unidades da Federação, levarão muitas décadas para atingir a média do PIB per capita brasileiro.
Há diversas propostas sendo detalhadas por diferentes instituições públicas e privadas para o desenvolvimento sustentável da Região. Destacam-se a implantação de dois centros industriais de Bioeconomia (Manaus e Belém) para a exploração de insumos e produtos da Floresta em pé e projetos da organização e promoção de Arranjos Produtivos Locais (APLs) nos mais de 300 aglomerados de micro e pequenas empresas na Amazônia Legal, segundo o Modelo de Desenvolvimento da Terceira Itália*.
PROPOSTA 3 – PROGRAMA DE PROMOÇÃO DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS: O MODELO DE DESENVOLVIMENTO DA TERCEIRA ITÁLIA
Há, atualmente, na economia brasileira diferentes aglomerados produtivos formados por diversos fatores históricos e econômicos. Os aglomerados podem ser de diferentes tipos*:
- agrupamento de sobrevivência informal;
- agrupamento de vantagem comparativa;
- agrupamento modelo tradicional de crescimento;
- agrupamento de alavancagem competitiva;
- agrupamento baseado em empresa-âncora;
- agrupamento de base tecnológica;
- agrupamento de alta tecnologia.
Mas há alguns aglomerados que merecem particular atenção do ponto de vista das políticas públicas. São mais de 3000 aglomerados de micro e pequenas empresas espalhados pelas regiões das 27 Unidades da Federação. Esses aglomerados atuam estratégica e operacionalmente segundo os fundamentos da economia tradicional, os quais se diferenciam dos fundamentos da economia moderna.
Características de Uma Economia Tradicional Contrapostas às de Uma Economia Moderna – Fundamentos da Competitividade
Fundamentos da Competitividade | |
Economia Tradicional | Economia Moderna |
excesso de confiança em fatores básicos; o sucesso baseado em vantagens comparativas, tais como: recursos naturais abundantes, posição geográfica, mão-de-obra de baixo custo etc., não é sustentável; essas vantagens são facilmente replicáveis e, por isso, insuficientes para criar um padrão de vida elevado para a maioria da população local;reduzida cooperação interfirmas; ausência de relações estreitas de parceria nos processos de inovação e de aperfeiçoamento;limitado conhecimento sobre os clientes; ausência de pesquisas de mercado, sem identificar as demandas que podem atender;fracasso na integração à montante; distância em relação aos usuários finais;paternalismo governamental; transferência para o governo do poder de tomar decisões complexas sobre o futuro das empresas;limitado conhecimento sobre a posição relativa; incapacidade de determinar o nível de competitividade em relação aos concorrentes;atitude defensiva; quando uma indústria ou setor apresenta resultados negativos, os líderes dos setores públicos e privados tendem a culpar uns aos outros pelo fracasso. | ações estratégicas são indispensáveis para o sucesso das empresas;custos e diferenciação; custos baixos e produtos diferenciados permitem comandar um prêmio sobre os preços dos produtos;escolha de escopo: 1. Vertical em termos de sistemas de distribuição que criam valor econômico para os produtos; 2. Segmentos mais sofisticados de mercado; 3. Espaços geográficos mais amplos;escolha de tecnologia e vantagem competitiva sustentável; a tecnologia somente é desejável para uma empresa se: 1. Cria uma vantagem competitiva sustentável; 2. Desloca custos a seu favor; 3. Traz vantagens de pioneirismo; 3. Melhora o conjunto da estrutura industrial.modelos mentais e aprendizado ao nível da firma; sistemas de crenças que contribuem para melhor criar e distribuir a riqueza. |
O que se propõe é promover aglomerados produtivos das micro e pequenas empresas, presentes nos mais diferentes setores produtivos, visando a ampliar o seu grau de competitividade e de produtividade para protagonizar de forma intensiva e consolidada nos mercados internos e externos. Na verdade, essa atuação tem ocorrido, nas duas últimas décadas através dos programas do SEBRAE, de Associações e Federações empresariais, com o apoio direta de órgãos da Administração Direta e Indireta dos três níveis de Governo e segundo o Modelo de Desenvolvimento da Terceira Itália.
Depois da Segunda Grande Guerra, a Itália era conhecida por ter uma Região Norte desenvolvida e uma Região Sul subdesenvolvida, tendo como referências, respectivamente, Milão e Sicília. A partir dos anos 1970, quando ainda eram muito graves as inconsistências macroeconômicas no país, as lideranças políticas, empresariais e comunitárias do Centro-Nordeste (Veneto, Emiglia-Romagna) conceberam um modelo de desenvolvimento local que passou a ser conhecido como “modelo de desenvolvimento de distritos industriais da Terceira Itália”. Essa experiência deu excelentes resultados e as empresas localizadas nesses distritos são hoje responsáveis por mais de 50% das vigorosas exportações da Itália.
O modelo de desenvolvimento local da Terceira Itália se estendeu por outras regiões da Europa, constituindo, atualmente, uma macrorregião denominada de desenvolvimento do Arco Alpino (Nordesteda Itália, Rhone-Alpes na França, Baden, Württemberg e Baviera na Alemanha, Suíça e Áustria) com indicadores econômicos extremamente favoráveis. Nessa Macrorregião, as micro, pequenas e médias empresas continuam a ser a principal fonte de emprego e dos investimentos em quase todos os setores da economia. Esse modelo se baseia nos princípios do desenvolvimento endógeno segundo o estilo de planejamento participativo.
As experiências bem-sucedidas de desenvolvimento com base nas micro e pequenas empresas levaram o economista britânico, nascido na Alemanha, E.F. Schumaker a escrever uma coleção de ensaios, em 1973 –“Small is Beautiful: A Study of Economics as if People Mattered”.
Através de convênio de cooperação técnica com a PROMOS, agência da Câmara de Comércio localizada em Milão, o SEBRAE, na gestão Sérgio Moreira, trouxe as experiências dos Distritos Industriais para o Brasil, a partir do ano 2000. No Brasil, adotou-se a denominação de Arranjos Produtivos Locais (APLs) para não confundir com os nossos distritos industriais (espaço urbano dotado de infraestrutura econômica, preparado para a atração de atividades industriais). Os Distritos Industriais Italianos são uma instituição e não um espaço físico e tiveram como seu embrião conceitual a obra clássica de Alfred Marshall: “Princípios de Economia”(1890).
O Distrito Industrial Italiano se define como um grupo de empresas (em geral, micro, pequenas e médias empresas) altamente concentradas geograficamente (em um município ou em uma região) que, direta ou indiretamente, trabalham para o mesmo mercado final (nacional ou internacional). As empresas de um Distrito Industrial Italiano compartilham valores e são especificamente interligadas em um conjunto complexo de concorrência e cooperação, no qual a fonte principal de competitividade são os elementos de confiança, solidariedade e cooperação entre as empresas, resultante de estreitas interdependências de relações econômicas, sociais e comunitárias. O seu mote principal é o de cooperar para competir. Essa concepção foi adotada, adaptada e implementada dentro da realidade socioeconômica e socioambiental pelas equipes técnicas do SEBRAE e por outras instituições empresariais, inclusive instituições das áreas acadêmicas (UFRJ, UFMG, USP, etc.).
É antiga a preocupação dos formuladores e executores de políticas públicas de desenvolvimento regional e local em encontrar mecanismos e instrumentos eficazes para estimular o crescimento econômico dos municípios ou dos aglomerados de municípios. Entre as modernas alternativas propostas como base analítica para a formulação e a implementação de políticas públicas voltadas para dinamizar o crescimento da renda e do emprego em localidades e regiões, está a formação de Arranjos Produtivos Locais, particularmente onde haja elevado grau de concentração de micro e pequenos empreendimentos setorialmente especializados.
Segundo os trabalhos do SEBRAE, os Arranjos Produtivos Locais (APLs) consistem em indústrias e instituições que têm ligações particularmente fortes entre si, tanto horizontal quanto verticalmente. Usualmente, a organização de um APL inclui: empresas de produção especializada; empresas fornecedoras; empresas prestadoras de serviços; instituições de pesquisas; instituições públicas e privadas de suporte fundamental. A análise de APLs focaliza os insumos críticos, em um sentido geral, que as empresas geradoras de renda e de riqueza necessitam para serem dinamicamente competitivas. A essência da organização de APLs é a criação de capacidades especializadas dentro de municípios e regiões para a promoção de seu desenvolvimento econômico, ambiental e social. É estruturado e implementado dentro do modelo de desenvolvimento local, regional endógeno, com participação espontânea ou induzida das lideranças locais e dentro do estilo de planejamento para a negociação.
O conceito de APL adotado pelo SEBRAE em projetos de promoção de renda e emprego e em programas de desenvolvimento local, pretende se aproximar do conceito de distrito industrial italiano. Esse conceito de APL pressupõe “constelações de micro e pequenas empresas autônomas de base local que conseguem desenvolver formas cooperativas de produção altamente flexíveis, inovadoras e competitivas, inclusive com capacidade de penetração nos grandes mercados internacionais”.
A metodologia de promoção e consolidação de APLs pode se transformar em instrumento inovador do desenvolvimento sustentável, a nível regional ou local, desde que se dê ao conceito de APL uma perspectiva mais abrangente do que um mero ciclo de expansão econômica não sustentável. Estão em andamento no Brasil, mais de 300 experiências de promoção e desenvolvimento de APLs, muitas das quais têm sido incapazes de atingir os seus resultados finalísticos por diferentes motivos. Esses motivos são fundamentais para serem considerados um processo de “learn by doing”.
Há muitos Estados e Regiões do País que “são uma economia de micro e pequenas empresas, quando as alocamos nas áreas urbanas e rurais, é a própria economia que estará progredindo”. A proposta 3sugere que se construam e se organizem Arranjos Produtivos Locais em concentração de micro e pequenas empresas com assistência técnica e a prestação de serviços de desenvolvimento (promoção e marketing, tecnológicos e técnicos, capacitação, financeiros, infraestrutura , administrativos) pelas instituições públicas, e privadas levando em consideração a ampla experiência do SEBRAE com projetos de APLs em todas as Unidades da Federação.
Paulo Roberto Haddad é um economista brasileiro. Formado em economia pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais em 1962. Fez curso de especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais em Haia Holanda 1965/1966. Professor titular da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. fundador e primeiro diretor do Centro de desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG. Publicou diversos livros e artigos em revistas especializadas no Brasil e no Exterior.
* Paulo R. Haddad – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) – Narrativas Para A Construção do Futuro. Ed. Caravana / e-Galáxia, 2023.
* Marc Lavoie – L`économie postkeynésienne, La Dévcouverte, 2004.
Lúcio Baccaro, Mark Blyth and Jonas Pontusson – Diminishing Returns – The New Politics of Growth and Stagnation. Oxford University Press, 2022.
Robert Skildesk – Money and Government – A Challenge to Mainstream Economics. Penguin, 2016
* Philippe Aghion, Céline Antonin e Simon Brunel – The Power of Creative Destruction. Harvard University Press, 2023
* Joseph A. Schumpeter – Teoria do Desenvolvimento Econômico. Abril Cultural, 1982, cap. II
Mariana Mazzucato – O Valor de Tudo – Produção e Apropriação na Economia Global. Portfolio/ Penguin, 2018
* Jonas Nahm – Green Growth Models, apud Lucio Baccaro et ali, 2022
* Paulo R. Haddad – Amazônia: Crise Social e Crise Ambiental. Ed. Caravana / e- Galáxia 2023.
Paulo R. Haddad – Meio Ambiente,Planejamento e Desenvolvimento Sustentável. Ed. Saraiva, 2015, cap.4
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