“A desinformação em torno da Zona Franca de Manaus reflete uma crise maior: a incapacidade do Brasil de dialogar sobre suas desigualdades regionais. Narrativas simplistas, muitas vezes reproduzidas sem contexto, atacam o modelo da ZFM como uma “bolha de privilégios”, ignorando os desafios únicos enfrentados pela Amazônia.”
Por Alfredo Lopes
Coluna Follow-Up
Nos debates conclusivos da reforma tributária no Congresso Nacional, um episódio acalorado entre os senadores Sérgio Moro do Paraná e Eduardo Braga do Amazonas, trouxe à tona um tema sensível e crucial para o desenvolvimento do Brasil: o papel da Zona Franca de Manaus (ZFM) e a geração de empregos. Em meio à polarização e à desinformação que permeiam discussões públicas, a ZFM foi acusada, de forma superficial, de ser responsável pela redução de empregos industriais em outros estados. No entanto, um esclarecimento simples e factual dissipou o aparente confronto, resultando em um clima de colaboração e adesão, inclusive com o voto favorável do senador paranaense em favor da ZFM.
Esse episódio é emblemático de um desafio maior: o Brasil ainda não compreende plenamente os benefícios, direitos e conquistas proporcionados pela ZFM, uma política pública construída para enfrentar as desigualdades regionais e integrar a Amazônia ao restante do país. Esta reflexão busca explorar as razões históricas, econômicas e culturais que explicam essa dificuldade de entendimento.
Criação da Zona Franca de Manaus: Uma Resposta ao Abandono
Por décadas, a Amazônia esteve marginalizada nos projetos de desenvolvimento nacional. O isolamento geográfico, as dificuldades logísticas impostas pela maior floresta tropical do planeta e a ausência de infraestrutura básica condenaram a região a um atraso econômico que perdurou até o século XX. Com exceção do efêmero ciclo da borracha, a Amazônia permaneceu alheia ao crescimento experimentado por outras partes do Brasil.
Foi nesse contexto que o Decreto-Lei 288/1967 criou a Zona Franca de Manaus, inspirada em iniciativas anteriores, como o 1º Plano Quinquenal de Valorização Econômica da Amazônia (1950). Seu objetivo principal era transformar a região em um centro industrial, comercial e agropecuário, promovendo o desenvolvimento sustentável, a fixação populacional e a soberania nacional em uma área estratégica.
A ZFM foi concebida como uma política de Estado, sustentada por incentivos fiscais que compensassem os altos custos operacionais e logísticos da região. Esses incentivos foram fundamentais para atrair empresas e impulsionar a geração de empregos em um ambiente que, de outra forma, seria pouco atraente para investidores.
Incentivos Fiscais: Uma Ferramenta de Igualdade
O modelo industrial da ZFM baseia-se em dois pilares: os incentivos fiscais e a instalação de atividades produtivas na região. As empresas que desejam se beneficiar desses incentivos precisam, obrigatoriamente, realizar processos industriais localmente, garantindo que o desenvolvimento econômico permaneça na região.
Contrariando as críticas, os incentivos fiscais não são privilégios, mas uma forma de corrigir desigualdades históricas. A Amazônia enfrenta desafios únicos, como altos custos logísticos, escassez de mão de obra qualificada e distância dos grandes centros consumidores. Sem os incentivos, o risco econômico seria alto demais para atrair investimentos.
Desde sua criação, a ZFM diversificou sua base industrial, abarcando setores como eletrônicos, duas rodas, informática, mais, para embasar uma infraestrutura essencial de energia, o refino de petróleo. Essa diversidade assegura sustentabilidade do modelo, pois assegura geração de empregos, desenvolvimento tecnológico e fortalecimento da cadeia produtiva.
O Caso do Refino de Petróleo
Um dos pontos mais controversos no debate sobre a reforma tributária – mesmo após sua aprovação no Congresso – foi a inclusão do setor de refino de petróleo nos benefícios fiscais da ZFM. Argumentos infundados sugeriram que a atividade seria uma “aberração econômica”, ignorando sua relevância para a logística e o abastecimento da região amazônica.
Empresa estratégica na ZFM, a refinaria produz combustíveis essenciais para a economia local, como o diesel fluvial, utilizado em embarcações que transportam pessoas e mercadorias pelos rios da Amazônia, e o GLP, indispensável para o abastecimento de botijões de gás. Esses produtos garantem a segurança energética de uma região de difícil acesso, evitando custos elevados de transporte que seriam repassados à população.
Juridicamente, não há qualquer vedação ao setor no Decreto-Lei 288/1967 ou na Constituição de 1988. A desinformação, portanto, apenas reforça a necessidade de um debate mais qualificado sobre os benefícios da ZFM.
Desinformação e o Debate Nacional
A desinformação em torno da Zona Franca de Manaus reflete uma crise maior: a incapacidade do Brasil de dialogar sobre suas desigualdades regionais. Narrativas simplistas, muitas vezes reproduzidas sem contexto, atacam o modelo da ZFM como uma “bolha de privilégios”, ignorando os desafios únicos enfrentados pela Amazônia.
O papel da imprensa e da sociedade civil é crucial para combater essa desinformação. É preciso explicar como a ZFM contribui para a preservação ambiental, ao oferecer alternativas econômicas que reduzem a pressão sobre os recursos naturais, e para a integração nacional, ao diminuir as disparidades regionais.
Aqui, também, é o Brasil
A Zona Franca de Manaus é mais do que um modelo econômico: é uma política de integração nacional, construída para enfrentar os desafios de uma das regiões mais estratégicas e complexas do mundo. Para o Brasil compreender a ZFM, é necessário compreender a si mesmo, reconhecendo suas desigualdades e valorizando suas especificidades.
O episódio envolvendo os senadores Sérgio Moro e Eduardo Braga mostrou que o diálogo e a informação qualificada podem dissipar preconceitos e fortalecer a cooperação. Que esse seja um exemplo para o debate público sobre a ZFM e sobre o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora