Gostaria de respeitosamente abordar meus concidadãos em um debate crucial para a nação e particularmente para meu Estado, o Amazonas. A conservação da Amazônia aflora ânimos que complicam o debate produtivo. Neste contexto, a pavimentação da BR-319, que liga Manaus e Porto Velho, é um dos temas mais controversos.
PorDenis Minev
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Ofereço cinco argumentos que, juntos, me convencem de que pavimentar a estrada agora, com planejamento, traz benefícios sociais, econômicos, políticos e ambientais no médio prazo.
1. A rodovia já funciona
Apesar de um trecho ainda ser de barro, uma carreta hoje parte de Manaus e chega a Porto Velho em 72 horas. Ônibus conectam cidades como Humaitá, Lábrea, Manicoré, Careiro e Manaquiri; estamos falando de mais de 200 mil pessoas vivendo ao longo da BR hoje. A rodovia fica intransitável apenas um ou dois meses por ano, no período das chuvas.
Considerando as estatísticas de desmatamento, a trafegabilidade atual já atrai ocupantes, especialmente dada a ausência do poder público. Os danos temidos já estão ocorrendo, e de forma muito mais aguda devido à falta de coordenação entre os entes estaduais, municipais e federais.
Sim, o trajeto hoje é terra sem lei, sem instituições, de acesso limitado apenas ao poder público. Nos seis últimos anos, segundo notícia recente, foram abertos mais de 2 mil quilômetros de estradas de terra na vizinhança da BR.
Lembre-se, a BR tem apenas 885 km. Entes municipais e estaduais aguardam acordo de asfaltamento para agir. Quanto mais demora a licença ambiental, mais o dano ambiental se amontoa. Será esse dano maior que o de asfaltar com planejamento?
2. É possível aliar estradas e conservação
Partindo de Manaus, há três outras vias: a BR-174, para Boa Vista, a AM-010, para Itacoatiara, e a AM-070, para Manacapuru. Nenhuma é grande causadora de desmatamento. Por quê?
O que as liga é o singular propósito de conectar cidades e não de popular o território. A BR-174 transita por terra indígena (Waimiri-Atroari); a conservação é patente no trajeto. No sul do Amazonas, uma estrada de terra entre Apuí e Novo Aripuanã passa por dentro de uma área protegida estadual, sem desmatamento.
As principais estradas que causaram grande devastação foram concebidas com o propósito de popular o território, como a Transamazônica (BR-364, Cuiabá – Porto Velho) e a BR-163 (Cuiabá-Santarém).
O Brasil é capaz de criar uma rodovia de 885 km com proteção. Dois a três postos policiais apoiados por inteligência e satélites seriam suficientes. Já existem planos para áreas protegidas ao longo da BR desde 2008.
Vi recentemente a rodovia dos Imigrantes, de São Paulo a Santos, com barreiras de proteção e sem ramais, meticulosamente mantida. Podemos fazer igual. É sim possível consultar comunidades e populações indígenas próximas ao trajeto e atender muitas de suas demandas. Somos sim competentes no Brasil para fazê-lo com planejamento.
3. O transporte fluvial não basta
Alguns argumentam que a hidrovia do Madeira seria suficiente para transporte, tornando a rodovia supérflua. Nunca presenciei um especialista em logística advogando tal perspectiva, apenas estudiosos de outras áreas.
A hidrovia serve bem para produtos como soja e minério, de muito peso e volume. Se o transporte aquático é tão atraente, por que cidades costeiras como Rio de Janeiro e Florianópolis, de distância similar a Manaus e Porto Velho, preferem o transporte rodoviário?
Ademais, o Madeira é notoriamente difícil de navegar – há muitos detritos, profundidade limitada em trechos e muitos pedrais que causam gargalos. Durante a seca, fica quase intransitável, alongando as viagens de cinco para nove dias.
Além disso, como a seca de 2023 deixou claro, nossas conexões fluviais são frágeis. Qualquer empresa que navega na Amazônia já teve casos de encalhe em bancos de areia móveis.
O fluvial funciona bem parte do ano apenas, e não se constrói uma economia ou sociedade prósperas durante apenas alguns meses do ano.
4. Precisamos de integração
Nenhuma sociedade historicamente optou por manter parte significativa da sua população isolada quando era possível integrá-la sem custos proibitivos. Na Europa, nos Estados Unidos e na China, montanhas foram detonadas, pântanos drenados e pontes construídas, sempre com grandes implicações ambientais.
Amazonas e Roraima, com alto custo de vida e indicadores sociais e econômicos lamentáveis, aguardam conexão. Transportar um contêiner entre Manaus e São Paulo custa quase o mesmo que a rota Xangai – São Paulo.
Estamos conectados à Venezuela e à Guiana – conexões, a propósito, que não causaram desmatamento significativo. O valor de conectar por estrada é globalmente reconhecido.
5. A política
A BR-319 é um dos temas políticos cardinais de Amazonas, Roraima e Rondônia. São Estados cruciais para qualquer política ambiental nacional bem-sucedida.
Hoje, apoiar com qualquer intensidade o Ministério do Meio Ambiente é politicamente inviável para governadores e prefeitos na região. Isso também gera atrito permanente com 9 senadores e 24 deputados federais.
Até hoje Manaus se ressente com o atraso do oxigênio que vinha por essa estrada de terra durante o ápice da pandemia de Covid-19. O ressentimento cresceu com a seca. Onde vamos parar? As consequências no território, no diálogo e nas eleições são previsíveis e preocupantes.
Persistir no impasse da BR-319 por mais uma geração parece insensato para a Amazônia e para o Brasil sob muitos aspectos. Pelos argumentos acima, creio que teremos inclusive mais desmatamento com a estrada de terra no estado de desordem atual do que teríamos com uma planejada e asfaltada. Hoje, o cenário é o pior possível.
Uma alternativa ousada
Mas, se fui incapaz de convencê-la (o), ainda assim precisamos juntos conceber estratégias de país forjadas em debates honestos e construtivos. Permita-me sugerir a você a contraproposta que você poderia colocar à mesa dos amazonenses e roraimenses.
Enquanto não houver BR-319, seríamos compensados com R$ 10 bilhões por ano.
Metade desse total seria usado para formar gente em ciência e tecnologia, com foco especial em biologia e tecnologia da informação. Ao cabo de 10 anos, 25% da população de Amazonas e Roraima poderiam estar prestando serviços de tecnologia para clientes em qualquer lugar do mundo, gerando renda familiar de algo como R$ 100 bilhões por ano, muito mais do que a Zona Franca de Manaus, Belo Monte e Carajás juntas. E, se alguém acreditar nas contas dos detratores da Zona Franca, de forma muito mais barata.
Os outros R$ 5 bilhões iriam para investimentos via CNPq/Capes/Finep nestes dois Estados, novamente com foco em biologia e TI. Ao cabo de dez anos, Amazonas e Roraima serão grandes centros de inovação global e descobrirão soluções para os mais diversos problemas da humanidade.
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Seria transformador. Para financiar esse valor, temos o carbono.
Detratores acreditam que a BR-319 geraria uma imensidão de desmatamento. Suponhamos algo como 5% da área do Amazonas. Com 600 toneladas de CO2 equivalente por hectare e um valor hipotético de US$ 100 por tonelada de carbono, seriam mais de US$ 400 bilhões acumulados de valor, se algum europeu acreditasse nessa conta.
O mundo parece pedir que Amazonas e Roraima sejam os primeiros lugares no planeta a deixar de lado desenvolvimento através de estradas, mas não parece haver ninguém disposto a ajudar.
Os R$10 bilhões por ano em troca de um benefício de US$ 400 bilhões parecem uma barganha. Mesmo a um décimo desse preço de carbono as contas fechariam.
O Banco Mundial coloca o valor da Amazônia para o mundo em US$ 317 bilhões por ano. Sudeste brasileiro, Europa, mundo: estamos em 2023. É hora de casar suas ações com seu discurso. Nós amazônidas preservamos mais de 80% da nossa floresta, vocês, não.
Somente com diálogo teremos alguma chance de deixar um Brasil mais próspero e conservado à próxima geração. Mas não me parece de boa-fé pedir que Amazonas e Roraima façam algo que lugar nenhum no mundo nem tentou, comprometendo presente e futuro, sem o devido apoio ou compensação.
Como dizia o grande amazonólogo Samuel Benchimol, o futuro não acontece por acaso; construamos já as bases do nosso futuro justo e próspero.
Denis Minev é diretor-presidente da Bemol e cofundador da Fundação Amazonas Sustentável, do Museu da Amazônia, da plataforma Parceiros Pela Amazônia e parceiro do portal BrasilAmazôniaAgora. É também investidor em diversas startups amazônicas nos segmentos de bioeconomia, carbono, logística e turismo e serviu como Secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas. Em 2012, foi selecionado Young Global Leader do Fórum Econômico Mundial.
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