Amazônia, pesquisa, desenvolvimento e inovação, da Utam ao AmIT

“A forma de atuação do AmIT – Instituto de Tecnologia da Amazônia- será sempre em rede para trabalhar integrando diferentes instituições. A análise de qualquer atividade do AmIT deverá ser holística, globalizada e contextualizada. Suas ações são multidimensionais e transdisciplinares. É praticamente impossível uma única instituição fazer tudo isto. Para tal, será necessário trabalhar em rede e contar com as inteligências existentes; principalmente as inteligências e os talentos locais da Panamazonia.”

Entrevista com o pesquisador Estevão Monteiro de Paula, PhD Universidade do Tenesse


Alfredo Lopes – Editor BrasilAmazoniaAgora

Nota do Editor: A trajetória do pesquisador Estevão Monteiro de Paula, com quem participei em vários projetos e P&D na Amazônia, é um resumo da história recente e da evolução da Ciência, Tecnologia e Inovação na região e dos esforços para transformar estes instrumentos em premissas essenciais da transformação e da antecipação da utopia Amazônia.

BrasilAmazoniaAgora – Desde os anos 80, tive o privilégio de acompanhar você, Estevão Monteiro de Paula (PhD e Engenharia pela Universidade do Tenesse,) docente da UFAM, UTAM, Instituto Tecnologia do Amazonas, e a professora Nazaré Pereira da Silva, gestora da UTAM, nas principais universidades paulistas para atração de parcerias na Amazônia. O propósito era qualificar os jovens acadêmicos da região. Quais foram as vantagens para a Amazônia destas parcerias “estrangeiras”?

Estevão Monteiro de Paula – Naquela época, é importante enfatizar, o sistema de comunicação era péssimo comparado aos dias de hoje. Nosso acesso a assuntos relativos inovação, avanços tecnológicos, achados científicos era feito por meio da literatura. E isso, em alguns casos, levava meses para chegar aqui. Até então ficávamos encantados quando um professor nativo era formado no Sul/Sudeste do Brasil, porque o professor era o protagonista das informações e do incentivo à produção de conhecimento. O que nós fizemos foi aumentar esta aproximação e discutir assuntos da fronteira do conhecimento para ser levado para o Amazonas. Alguns progressos foram conquistados nas áreas de madeira, silvicultural, manejo e foram abertas possibilidades de pós-graduação. 

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RCRD Landscape Photos/Unsplash

BrasilAmazoniaAgora – À frente do IPAAM, vc mobilizou, na virada deste Século, 25 instituições de Pesquisa & Desenvolvimento, setor público e privado e organizações nacionais e internacionais, na formatação de um Programa de Desenvolvimento Regional Integrado em Tabatinga, destinado à mesorregião mais empobrecida do Estado, o Alto Solimões. Quais os desdobramentos deste programa?

Estevão – Havia uma efervescência pelo desenvolvimento sustentável e o imperativo de uma visão interdisciplinar e de totalidade. Foi assim que começamos a fazer uma abordagem mais holística para os problemas na região. Havíamos concluído o Zoneamento Econômico e Ecológico no Sul do Amazonas e tínhamos o entusiasmo de Dom Alcimar Magalhães, saudoso bispo de Tabatinga e do presidente da Associação dos Municípios do Amazonas, à época, na batuta de Sidney Leite. Estávamos determinados a apoiar os pequenos segmentos agroflorestais existentes naquela região por meio de treinamento, orientação técnicas que incluía até aspectos jurídicos. Envolvemos neste processo diversos órgãos para apoiar as iniciativas promissoras existentes naquela região. 

O IPAAM, embora órgão de meio ambiente, foi sempre desenvolvimentista, desde sua reestruturação institucional feita com apoio do governo alemão. E entre nós havia o entendimento de que as soluções de problemas socioeconômicos e ambientais ocorreriam por meio de aplicações de técnicas sustentáveis. Era a Conferência da ONU, a Rio 92, influenciando um novo jeito de interpretar e atuar na Amazônia. Foi extremamente gratificante pois todos estavam muito alinhados com o Programa. Muitas mudanças positivas ocorreram naquela região. Dom Alcimar, o grande animador da semeadura, foi reconhecido com diversos prêmios no Brasil e no mundo. Inauguramos na ocasião o escritório do IDAM que passou a trabalhar com IPAAM. 

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Crédito: Michel Reyes

Ou seja, Desenvolvimento e Meio Ambiente, unidos pelo compromisso da Sustentabilidade. Na oportunidade, foram elaborados diversos projetos de manejo florestal comunitários e foi iniciado o ZEE participativo, segundo o qual, a definição das fragilidades e potencialidades da região eram definidas em conjunto com a comunidade. Tudo de bom. 

BrasilAmazoniaAgora – Há quase 10 anos, você liderou, à frente da Secretaria de Ciência e Tecnologia Inovação, um projeto de Desenvolvimento de C&T&I para o Amazonas, a partir das vocações econômicas e ecológicas da região. Por que os governos, em seus três níveis federativos, não evoluem nesta tentativa de antecipação da utopia Amazônica?

Estevão – É interessante como você me questiona dentro de uma linha de tempo. Isso significa que você me forçou a uma reflexão de trajetória, o que faz com que hoje possa avaliar as abordagens adotadas em cada época. Primeiro na UTAM, onde o desafio era trabalhar para oferecer soluções com uma visão mais restrita do problema, mais conectada com o atendimento das demandas tecnológicas do Polo Industrial de Manaus. E no segundo momento, já no IPAAM, adotamos uma abordagem holística embora fosse ainda utilizado recortes devido a carência de pessoal. Nosso gargalo tem sido o baixo investimento em qualificação de recursos humanos. 

Agora nesta fase dos desafios tecnológicos para intervir com segurança na direção do desenvolvimento sustentável, aprofundou-se um pouco mais o enfrentamento do problema. Neste caso, mapeamos as vocações econômicas ou potenciais, olhando o mercado, o insumo, formações econômicas/sociais, conhecimento e perfis econômico social e ambiental das populações locais. Um intenso trabalho de diagnóstico. Foram analisadas, também, as políticas e programas dos governos federal e estadual para identificar as convergências existentes entre eles. 

Desmatamento segue em alta na Amazonia e expoe as palavras vazias do governo brasileiro na COP26. Foto Carl de Souza AFP e1636837620827
Alertas de desmatamento na Amazônia chegou a 8.590 km² em 2022. Foto: Carl de Souza/AFP

Avaliou-se com cuidado a produção de conhecimento que estava sendo feito pelas Instituições de ensino e pesquisas do Amazonas e constatou-se a disparidade que acontecia entre o que se mais ensinava na academia e o que era necessário para contribuir com o desenvolvimento do local. Conclui-se com perplexidade que ensino e pesquisa estavam representados por muitas instituições em todo o Estado do Amazonas. Entretanto, mesmo presente estruturalmente, suas influências e resultados não eram significativas e as repercussões nos dados sociais eram em geral irrelevantes. Era, portanto, necessário dar uma reviravolta. 

Então decidiu-se sugerir a descentralização da C,T&I do Amazonas com o investimento no interior. Ou seja, promover um edital para que 70% dos recursos teriam que ser aplicado no Interior; fazer ciência no interior; mas, para isto, era necessário ter um órgão do estado do Amazonas para ser o articulador deste movimento. A escolha dos temas a serem abordados seria em função de mercado, potenciais de mercado e importância ambiental. 

A intenção era que a Secretaria de C,T&i colocasse nas 6 maiores cidades do interior, definidas na sub-região, um Analista de C,T&I (praticamente um extensionista de C,T&i), sua função era identificar oportunidades de negócios (isto inclui mercado, insumos e formações econômicas), articular o pessoal, e daí sugerir um edital apontando grandes gargalos na cadeia de valor do produto. Em Manaus, o órgão faz a articulação com atores internos e externos – ajudava-os inclusive nas negociações.

O Edital determinaria a presença de pesquisador no local, produzindo conhecimento e desenvolvendo sua pesquisa e capacitando mão-de-obra no interior; não obstante, uma porcentagem do recurso permitiria que fossem feitas atividades fora da localidade. Neste contexto, estava prevendo uma ação forte de apoio as ICT´S do Amazonas para direcionar atividades identificadas como importantes para o Estado. Bom, isto com respeito à ideia, os detalhamentos seriam cansativos descrever.

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BrasilAmazoniaAgora – Com base em seu portfólio acadêmico e administrativo, você foi convidado para um programa de desenvolvimento científico, tecnológico e ambiental, o AMIT, Instituto de Tecnologia da Amazônia. O que já foi feito nesta iniciativa e o que esperar de mais uma iniciativa científica na gestão da floresta?

Estevão – O AmIT, Instituto Tecnológico da Amazônia é um projeto arrojado e diferenciado. Inicialmente, é importante destacar, que sua área de atuação é a Panamazônia. Prevê atuação em todos os países amazônicos. E já iniciou sua articulação com o Peru e Colômbia. 

A forma de atuação do AmIT – Instituto de Tecnologia da Amazônia- será sempre em rede para trabalhar integrando diferentes instituições. A análise de qualquer atividade do AmIT deverá ser holística, globalizada e contextualizada. Suas ações são multidimensionais e transdisciplinares. É praticamente impossível uma única instituição fazer tudo isto. Para tal, será necessário trabalhar em rede e contar com as inteligências existentes; principalmente as inteligências e os talentos locais da Panamazonia.

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A abordagem que o AmIT fará no interior se assemelhará àquela proposta descrita brevemente no item 3, da Secretaria do Estado de Ciência e Tecnologia, com aprofundamento maior sobre priorizações de atuações utilizando-se de modelos técnicos e científico e se afastando mais um pouco da subjetividade, achismo e opiniões sem respaldo científico.

O AmIT atuará no locus onde ocorre o problema, mas também trabalhará no espaço virtual. A ideia é transformar o espaço físico em espaços de fluxos para construir uma ambiência formativa e cientifica consolidada com a participação efetiva das tecnologias digitais, físicas, biológicas e socioeconômica. Serão aproveitadas as diferentes experiências humanas com abordagens cientificas e técnicas transdisciplinares, interdisciplinares e transliguisticas para a produção do conhecimento. Finalmente, pode-se falar que O AMIT NÃO É UMA INSTITUIÇÃO A MAIS, É MAIS UM CONHECIMENTO A SER SOMADO COM O QUE EXISTE NA AMAZONIA.

O AmIT na realidade terá um modelo de gestão com interações sofisticada entre as organizações e o seu meio ambiente. Isto porque trabalhará em diferentes países com valores e culturas diferentes. Seu funcionamento terá uma aparente desorganização em consequência da dinâmica de sua atividade e o aspecto multidimensional de sua atuação. Ele atuará de forma que o sistema todo se auto arranja e evolui sem proporcionalidade de causa-efeito. O grande diferencial de gestão do AmIT é ficar atento ao ambiente externo e procurar identificar oportunidades e evitar riscos em potenciais. 

Assim, o AmIT deverá ter um forte setor de ações estratégicas para identificar oportunidades de negócio, de educação e desenvolvimento tecnológico.

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foto: Joanna Kosinska/Unsplash

O enfrentamento de qualquer situação no AmIT para soluções de problemas técnicos, científicos, administrativos e logísticas na Amazonia contará inicialmente com uma equipe multidisciplinar que analise o problema como todo e proponha alternativas de soluções. A procura será sempre de uma solução própria, acessível a população local e de domínio próprio e independente. Isto requer uma equipe de grande capacidade de análise crítica, outra equipe para identificar os meios para atender a solução do problema proposto e processo de capacitação. 

Não se trata de ter laboratórios, mas de ter áreas de situações em que equipes se reunirão para tratar problemas de maneira holística e transdisciplinar. Para responder questões relacionados com pesquisas e capacitação conta-se com os parceiros que serão fortalecidos com os recursos necessários para dar respostas aos questionamentos. 

A proposta é contribuir com o fortalecimento das instituições locais. Dou exemplo: estamos na era da disrupção (quebra ou descontinuação de um processo já estabelecido). É frequente o aparecimento de novos conhecimentos, metodologias e equipamentos com tecnologias avançadas, o que é difícil uma instituição pública acompanhar. Não por incompetência, mas pelo complexo administrativo normal de uma instituição pública. 

O AmIT não sendo uma instituição pública pode viabilizar a reprodução desse conhecimento imediatamente na academia trazendo especialistas do MIT com objetivos de atualizar nossos profissionais. Estamos programando, neste momento, trazer pessoal do MIT para promover um curso de modelagem com inteligência artificial (assunto de ponta). O publico alvo: Alunos de graduação e profissional formado com no máximo 5 anos. Proposito: Identificar talentos locais e aproveitá-los por meios de capacitação.

Inclusao social Melhoria da Geracao de renda Conservacao ambiental

Não se pode esquecer que o AmIT e seus parceiros deverão educar e fazer ciência neste novo ambiente chamado de “ciber-físico” que possibilita os diálogos entre os elementos vivos e não vivos da natureza. Existem novos personagens importantes nas redes nos dias de hoje a exemplo da articulação da inteligência artificial (IA) e redes neurais que possibilitam a conexão de dados, prospecção analítica e produção de novas informações. Assim, a produção de novos conhecimentos não estarásomente baseada na racionalidade humana, mas também na informação dada pelos elementos não humanos da rede e em alguns casos nas manipulações destas informações pela inteligência virtual. 

Diante da complexidade da natureza amazônica esta é oportunidade de se avançar exponencialmente na produção de conhecimento e na formação de profissionais qualificados em um ambiente inteligente utilizando-se de arquitetura informativas com a “integração de um sistema cognitivo que contêm elementos humanos e não humanos em diálogo permanente”.

Atualmente o AmIT conta com a ação de 3 especialistas (um no Brasil, outro no Peru e outro na Colômbia) fazendo um diagnostico (fizemos um termo de referência colocando alguns questionamentos) das 3 Amazônias. Estamos com um grupo de apoio trabalhando sobre o modelo de governança do AmIT, outro sobre Relações internacionais e outro sobre espaço digital, de onde será criado um espaço digital amazônico.

O esforço que o AmIT fará ainda mais é conquistar confiança das instituições regionais com a transparência de suas ações, atribuições, clareza de condutas de seus integrantes e, principalmente, respeito às outras instituições, às políticas públicas em vigência e a cultura das diferentes matizes, em nome do interesse geral e da gestão participativa e transparente na execução de seus propósitos. 

Estevão Monteiro de Paula é engenheiro civil, mestre em Engenharia de Estruturas e Ph.D pela Universidade do Tennessee, coordenador de pesquisas do INPA e professor titular da Universidade do Estado do Amazonas

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Estevao Monteiro de Paula
Estevao Monteiro de Paula
Estevão Monteiro de Paula possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Amazonas (1979), mestrado em Engenharia de Estruturas na Escola de Engenharia de São Carlos pela Universidade de São Paulo (1981) e Ph.D. – University of Tennessee (1989) dos EUA. Membro da comissão de revisão da ABNT NBR 7190:1997 – Norma de Calculo e Estrutura de Madeira da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Exerceu atividades de Presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (órgão estadual de meio ambiente), Gerente do Centro Técnico Operacional de Manaus do Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM, Diretor Substituto do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA e Coordenador Geral de Pesquisas do INPA. Representou o Estado do Amazonas em comissões técnicas no Peru e Alemanha. Coordenou projetos de pesquisas na área de uso e tecnologia de Madeira, entre outras funções como gestor público de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia.

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