“A economia do Amazonas ajuda a girar a roda nacional — e por isso mesmo, é chegada a hora de fazer girar, com igual força, a roda da justiça social e da cidadania no território que a sustenta.”
Coluna Follow-Up
O mais recente levantamento do IBGE revela aquilo que já se sabia nos bastidores das planilhas e corredores de Brasília, mas que agora salta aos olhos com dramaticidade estatística: o Amazonas mantém a engrenagem da economia nacional funcionando com intensidade industrial jamais registrada em sua história, ao mesmo tempo em que sua população segue excluída dos frutos dessa potência produtiva.
Com mais de 531 mil trabalhadores assalariados apenas em Manaus, e uma receita líquida de vendas industriais que ultrapassa R$ 204 bilhões, correspondente a US$ 37,51, o estado se consolida como um dos maiores arrecadadores de tributos para a Receita Federal entre os entes federados. Produtos com selo amazônico – como televisores, motocicletas, smartphones e computadores – figuram entre os 100 mais importantes em receita do país. Em vários casos, como no de Smart TVs e motocicletas de até 250cc, o Amazonas responde por 100% da produção nacional.

O paradoxo é brutal: a planta industrial que mais recolhe, proporcionalmente, aos cofres públicos na história do país opera sobre um território cuja população amarga 52% de informalidade, uma das mais altas do Brasil. Mais da metade dos trabalhadores amazonenses vive sem carteira assinada, sem previdência, sem direitos e sem segurança.
A promessa constitucional descumprida
A Zona Franca de Manaus foi concebida com base em um pacto federativo que deveria promover a inclusão produtiva e a redução das desigualdades regionais, objetivos expressos no artigo 3º da Constituição Federal. Mas o que se vê é a manutenção de uma lógica extrativista às avessas: extrai-se da floresta valor em forma de impostos, sem que esse retorno se reverta, de fato, em investimentos estruturantes para a população amazônida.
A cada ano, o Amazonas repassa cerca de R$ 4 bilhões para fundos como o FTI, FMPES, UEA e Fundo de Solidariedade. Recursos que, em tese, deveriam irrigar os interiores com saúde, educação, ciência, infraestrutura e oportunidades. No entanto, os dados mostram que a concentração de empregos, salários e dinamismo segue em Manaus, enquanto municípios como Lábrea, Canutama e Borba operam à margem da inclusão formal.

Modelo bem-sucedido para quem?
A narrativa de que a Zona Franca é “um sucesso” carece de um complemento essencial: para quem? Sim, a arrecadação bate recordes. Sim, a produção industrial é robusta. Sim, o Brasil se beneficia com divisas, geração de empregos e capacidade produtiva instalada em meio à floresta. Mas a contrapartida fiscal — que deveria devolver à população local a riqueza que ela ajuda a produzir — não está sendo entregue como prometido.
A equação é clara: o Amazonas arrecada, sustenta e contribui como um dos motores do país, mas sua população continua com taxas de desemprego, informalidade e pobreza incompatíveis com a pujança econômica que a região apresenta no papel.
Hora de reequilibrar o pacto
O tempo exige mais do que elogios à resiliência do modelo ZFM. Exige revisão da política fiscal, com foco em resultados sociais, infraestrutura de integração regional e estímulo real à bioeconomia, que ainda segue subfinanciada e periférica frente ao protagonismo que poderia ocupar.
A economia do Amazonas ajuda a girar a roda nacional — e por isso mesmo, é chegada a hora de fazer girar, com igual força, a roda da justiça social e da cidadania no território que a sustenta.