A angústia do Amazonense é secular. Depois de passar 3 ciclos econômicos de atividades extrativistas ainda não consegue descobrir o caminho que deve seguir. E como diz o Álvaro sem conhecimento não somos diferentes de animais que se utilizam dos benefícios da natureza por instinto.
Por Estevão Monteiro de Paula
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O Amazonas, na primeira metade do século XX, em plena crise de abandono com o sumiço do mercado da borracha existia uma voz que reverberava a dor, a luta e a esperança do povo Amazonense. A voz de um caboclo que nasceu as margens do rio Madeira, filho de um cearense com uma amazonense. A voz de Álvaro Botelho Maia que pela sua expressão literária transmite os anseios, o pensamento social e a realidade econômica e política do Amazonense da época.
No dia 9 de novembro de 1923, no Teatro Amazonas, Álvaro Maia pronunciou em nome da Mocidade Amazonense o discurso-poema “Canção de Fé e Esperança” que previa que Amazonas no ano de 2023 seria uma potência econômica. Disse ele: “…o Amazonas de dois mil e vinte e três, como pátria em que milhares de homens, unidos pelo mesmo afeto, celebrem uma nova era, sustentando, por seu poder, financeiro, uma potência econômica formidável, cujas caryatides [1] serão as fabricas plantadas nos campos, os armazéns com incalculáveis valores, as cidades debruçadas á margem dos rios nervosos e barrentos.”
Álvaro acreditava que teríamos estradas de ferros e que com elas seria possível unir os “afluentes” e viabilizar a extração da riqueza Amazônica. Ao longo destas ferrovias viveriam uma “população hygida” que sustentaram uma Amazonas da liberdade depois de lutar contra o nosso abandono como se fosse “uma espécie de eclypse, contrastando ao sol do equador, empanou o brilho das consciências, sepultando-as em sonambulismo.”
Vejam bem que já em 1923, o nosso intelectual manifesta com muito talento o desejo do Amazonense. Liberdade econômica por meio de sua riqueza natural. Independência de governo federal com a produção de bens que somente a nossa natureza pode oferecer.
As riquezas naturais existentes no Amazonas eram ovacionadas por Álvaro. Resoluto, ele afiança de que a sua previsão é robusta e que “não há fantasia” pois assim estaria sendo negado as oportunidades que a floresta oferece. Como disse, esta floresta que espontaneamente e gratuitamente ofereceu a riqueza. A terra que ofereceu Seringais e Castanhais que foram explorados sem sequer ter sido utilizado uma pá de terra, “sem que lhes podássemos um galho inútil.”
Sem propósito de análise cientifica, mas com uma precisão cirúrgica Álvaro finaliza o parágrafo com uma informação ainda contemporânea; “O segredo da flora e da fauna permanece virgem; grande parte da bacia hydrographica, inexplorada; o subsolo, guardando mineraes no sonmo secular.”
Ainda, com maior efervescência cita o obvio para os dias de hoje que ainda carece de iniciativas mais fortes para que se alcance o intento desejado de um Amazonas economicamente independente.
A angústia do Amazonense é secular. Depois de passar 3 ciclos econômicos de atividades extrativistas[2] (drogas – século XVIII; cacau – século XIX; borracha – século XX) ainda não consegue descobrir o caminho que deve seguir. E como diz o Álvaro sem conhecimento não somos diferentes de animais que se utilizam dos benefícios da natureza por instinto.
[1] Uma cariátide é uma figura feminina esculpida que funciona como uma espécie de coluna ou pilar de sustentação com um entablamento na cabeça. Criada na Grécia Antiga, trata-se de um tipo de peça marcante usada em obras de arquitetura
[2] Gomes, C. V. Ciclos econômicos do extrativismo na Amazônia na visão dos viajantes naturalistas. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 13, n. 1, p. 129-146, jan.-abr. 2018
Estevão Monteiro de Paula é engenheiro civil, mestre em Engenharia de Estruturas e Ph.D pela Universidade do Tennessee, coordenador de pesquisas do INPA e professor titular da Universidade do Estado do Amazonas
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