“A recuperação da BR-319, mais do que um projeto governamental, é uma demanda histórica da sociedade e uma oportunidade do tecido social nativo demonstrar sua responsabilidade ambiental [..] É imperativo priorizar a geração de empregos no interior, fortalecer as cooperativas, as iniciativas da bioeconomia não predatória. Fortalecer e o compromisso com a proteção florestal, garantindo que o desenvolvimento econômico ande de mãos dadas com a sustentabilidade ambiental.”
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
A recente publicação do relatório técnico que descreve as condições de recuperação da BR-319 entre Manaus e Porto Velho representa um momento muito esperado e decisivo para o futuro da Amazônia Ocidental, formada pelos estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima e, estrategicamente do Amapá. A estrada, que deveria ser um vetor de desenvolvimento, transformou-se em um cenário de impasses e abandono por décadas. Em cima de demandas justas e razoáveis, as discussões entraram em surto e a interlocução se atrofiou.
Agora, com a possibilidade real de pavimentação e reativação – partiu do governo o denso relatório de viabilidade ambiental – surge a necessidade de refletir sobre o papel essencial do setor produtivo e o impacto socioeconômico dessa recuperação.
Para ler o documento “Relatório do grupos de trabalho da BR-319” na íntegra clique aqui
Protagonismo de quem gera riqueza
A interlocução construtiva se faz urgente, incluindo os críticos da recuperação cuja opinião precisa ser levada em conta. Afinal, ninguém quer perpetuar a pobreza nem depredar o patrimônio. E os que sinalizarem o contrário tem que prestar contas com a Lei. E onde entra o papel do setor privado, obstinadamente consolidado através a Zona Franca de Manaus? Ora, as empresas – nas economias que emitem Nota Fiscal – desempenham um papel fundamental na geração de riqueza, empregos e oportunidades regionais e para o país. A malha industrial instalada em Manaus – é curioso resgatar – responde por 70% da riqueza que é repassada aos cofres federais.
Indústria da floresta
A conta que alguns fazem dos bilhões de renúncia fiscal é permeada quase sempre de uma simplificação tão vulgar quanto leiga das questões mais importantes da região – ou conversa pra boi dormir num português mais claro. Ainda resiste a convicção distorcida de que é precisa desmamar a ZFM como se houvesse aporte de recurso público neste programa de redução de desigualdades regionais. Ninguém renuncia ao que nunca teve. A conta que precisa ser feito é a que coloca o Amazonas entre os oito maiores contribuintes da receita federal. A despeito de abrigar indicadores de desenvolvimento humano dos mais adversos do país.
Essa contribuição econômica das empresas destaca a importância da infraestrutura adequada para sustentar o crescimento e melhorar a qualidade de vida na região. Por isso, a interlocução das entidades da indústria com os gestores federais estão na raiz do relatório de viabilidade da BR-319.
Os paradoxos da história e do cotidiano
O Amazonas, com seus vastos recursos naturais e potencial econômico incalculável, enfrenta um paradoxo. É o contribuinte mais destacados e, segundo o IBGE, juntamente com o Maranhão, é um dos mais pobres da federação. Corroído por atividades criminosas, suas populações continuam submetidas aos riscos que isso representa. Primeiro do ranking em violência e apinhado de garimpo ilegal em terras públicas que contaminam os rios com mercúrio e o parâmetro socioambiental com a destruição.
A falta de infraestrutura, como a BR-319, perpetua a exclusão social e econômica de comunidades inteiras, convidadas pela União nos anos 70 para ocupar o Norte do país. E o que é pior. A omissão de recuperar essa alternativa rodoviária foi invocada como razão de proteção florestal. Outra conversa para boi dormir, pois é muito mais fácil e rápido fiscalizar com rodovia do que o contrário. Em quatro décadas a destruição se deu pela ausência do poder público.
Uma luz no fim do túnel
O relatório técnico de 100 páginas, divulgado na semana do meio ambiente remete a um novo olhar e traz um sopro de esperança. Confirma que a pavimentação da BR-319 é tecnicamente viável e ambientalmente sustentável. Este documento, tecnicamente admirável, ambientalmente coerente e economicamente promissor, promete mudanças significativas a partir do momento em que o Brasil começar a trabalhar em mutirão.
Os recursos internacionais que formam o Fundo Amazônia são pra isso. Proteger com atividades não-predatórias que gerem emprego 3 oportunidades sob o manto da sustentabilidade. Ou existe outra alternative para conservar um bem natural? Não se trata apenas de uma questão de desmatamento ou proteção ambiental, mas de uma escolha baseada em vontade política com premissas claras, estratégias bem definidas e resultados mensuráveis.
Benefícios do projeto
A recuperação da BR-319 permitirá uma conexão terrestre confiável entre o Amazonas e o resto do Brasil, facilitando o transporte de bens e serviços. Isso é especialmente crítico em tempos de seca extrema dos rios amazônicos, que têm isolado os estados da Amazônia Ocidental, especialmente Roraima e Amazonas, que dependem fundamentalmente do modal fluvial. A estrada pavimentada oferecerá uma rota alternativa e segura, essencial para a logística e o desenvolvimento regional. Os indígenas do traçado da BR-319, segundo relatos deles próprios, padecem dos benefícios federais porque não tem acesso à escola, postos de saúde, serviços bancários e de comunicação virtual.
Convocamos a sociedade
A recuperação da estrada, mais do que um projeto governamental, é uma demanda histórica da sociedade e uma oportunidade do tecido social nativo demonstrar sua responsabilidade ambiental. Trata-se de um direito coletivo para construir um novo tempo de prosperidade, solidariedade e comunhão. O protagonismo do setor privado, especialmente as lideranças empresariais da Zona Franca de Manaus, tem tudo a ver com isso. Os recursos tem sido aportados ano a ano, tanto para os cofres federais como os estaduais, agraciados com bilhões para a interiorização do desenvolvimento, há mais de décadas.
Por isso tem sido decisivo, enfim, a interlocução madura e frutuosa com o governo federal. É imperativo priorizar a geração de empregos no interior, fortalecer as cooperativas, as iniciativas da bioeconomia não predatória. Fortalecer e o compromisso com a proteção florestal, garantindo que o desenvolvimento econômico ande de mãos dadas com a sustentabilidade ambiental.
Fica a provocação
E uma convocação. O movimento que gerou o relatório de recuperação da BR-319 representa a habilidade de um Brasil que ensaia e amadurece o enfrentamento e a conquista de seus desafios históricos, agora mais atento à promoção do desenvolvimento sustentável. Através de um esforço coletivo e uma visão de prosperidade futura, essa estrada pode, depende sobretudo dos que aqui vivemos e trabalhamos para atingir um objetivo primordial: unir regiões e estimular o crescimento econômico e social em sintonia com a preservação ambiental de todo o país.
A questão posta pelo relatório da BR-319 só pode ser respondida mais amplamente por nós, brasileiros, e nossa capacidade de cooperar em busca de um futuro melhor para todos. A recuperação da BR-319 é um componente essencial da transformação que se apresenta à Amazônia, entre outras tantas demandas de infraestrutura, para finalmente mudar a realidade socioeconômica deplorável da região Norte, integrando-a plenamente ao restante do país. Afinal, proteger é atribuir função econômica ao bem natural.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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