Na prática, a reclassificação de áreas da Amazônia pode fazer com que as mesmas tenham o percentual de conservação ambiental reduzido de 80% para 35% em propriedades rurais
Na última quarta-feira (08), a Assembleia Legislativa de Mato Grosso aprovou um projeto de lei complementar que altera o código ambiental estadual para permitir que áreas florestais atualmente identificadas como parte da Amazônia sejam reclassificadas como Cerrado. Com 15 votos a favor e 8 contrários, essa alteração pode ter implicações significativas na proteção ambiental, já que as regras de conservação e uso da terra para cada bioma diferem, o que pode impactar o manejo e a preservação desses ecossistemas.
O projeto aprovado pelos deputados em MT pode permitir que áreas da Amazônia, após tornarem-se Cerrado, tenham a exigência de conservação ambiental reduzida de 80% para 35% em propriedades rurais, conforme os percentuais estabelecidos pelo Código Florestal para reservas legais nos dois biomas. No bioma amazônico, o percentual permanece 80%. Com essa mudança, o potencial de desmatamento aumenta significativamente, já que dobra o tamanho da área que pode ser desmatada legalmente para produção agrícola.
De acordo com o Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), caso a proposta seja sancionada, até 5,5 milhões de hectares de florestas amazônicas poderiam ser desmatados, devido a possíveis interpretações errônea das características do Cerrado.
Projeto difere da proposta inicial
O projeto original propunha uma atualização na base de dados usada pelo governo de Mato Grosso para a classificação de vegetação nas definições de reserva legal em propriedades rurais. A ideia inicial era substituir o mapa do projeto Radambrasil, elaborado na década de 1970 pelo Ministério de Minas e Energia, pelo mapa de vegetação do IBGE, considerado mais preciso. Segundo o texto enviado em maio de 2024, o objetivo seria tornar a análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) “mais ágil e assertiva”, conforme afirmou o vice-governador Otaviano Pivetta.
Durante a tramitação, porém, o conteúdo do projeto foi alterado. Na quarta-feira (08), os deputados aprovaram um substitutivo integral apresentado pelo deputado Nininho (PSD-MT), que incluiu mudanças substanciais. O novo texto permite reclassificar áreas florestais da Amazônia como Cerrado, reduzindo as exigências de conservação ambiental nas propriedades rurais. Alem disso, em nota, a Diretoria de Geociências do IBGE destacou que os critérios de classificação vegetal propostos no substitutivo do deputado divergem dos padrões estabelecidos pela instituição.
“A aprovação desse projeto de lei pelos deputados mato-grossenses […] demonstra uma falta de comprometimento com as metas e compromissos ambientais assumidos pelo estado”, critica o Observa-MT, que, segundo a Folha, pede veto do governador Mauro Mendes (União Brasil).
André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), criticou o projeto de lei aprovado em Mato Grosso, afirmando que ele é equivocado se visa aumentar a produção agrícola. Segundo Guimarães, a medida prejudica tanto a Amazônia quanto o Cerrado “numa canetada só”. Ele ainda ressalta que estudos já demonstraram ser possível aumentar a produtividade no campo sem necessidade de novos desmatamentos.
“Em muitos casos, os ganhos podem dobrar ou até triplicar apenas restaurando áreas degradadas ou reutilizando pastos abandonados”, afirmou, em comunicado.