A extração da borracha promove alternativas sustentáveis para a subsistência local e fortalece a economia sustentável na Amazônia, sem prejudicar seringueiras
Com o recente ressurgimento do ofício de seringueiro em áreas empobrecidas da Amazônia, as engrenagens de uma economia sustentável já enferrujada na região passam a trazer emprego para uma série de famílias historicamente ligadas à extração da borracha, que viveram o auge dessa indústria por gerações até sua queda no final do século 20.
“Eu estava torcendo para que essa atividade voltasse”, afirma o seringueiro e pai de família Valcir Rodrigues, de 51 anos, em reportagem da AFP. “Queremos deixar para nossos filhos, nossos netos, um mundo melhor”, por isso “a gente não desmata”, afirma ele, que vive ao norte de Anajás, na ilha de Marajó (PA).
O desmatamento na região do Marajó aumentou drasticamente após a queda da demanda pela borracha amazônica, quando países como a Malásia passaram a cultivar seringueiras em larga escala para a produção industrial. No entanto, a família de Valcir retomou a tradição da borracha de forma sustentável: sua esposa e sogra transformam o látex em objetos artesanais coloridos, que são vendidos principalmente em Belém, promovendo a economia local e resgatando práticas tradicionais.
O protagonismo da seringueira para a economia sustentável na Amazônia
A seringueira (Hevea brasiliensis), nativa da Amazônia, é chamada de “mãe” da floresta devido ao látex que escorre de seu tronco, matéria-prima essencial para a produção de borracha. A extração do látex não prejudica a saúde da árvore, que se reproduz naturalmente no bioma e pode atingir até 300 anos de idade.
Essa espécie foi central para o desenvolvimento de uma economia sustentável na Amazônia durante o ciclo da borracha, que impulsionou o crescimento de cidades como Manaus e Belém entre o final do século 19 e o início do século 20. Entretanto, há mais de um século, o mercado de borracha perdeu espaço para a produção em monoculturas, principalmente na Ásia, onde o cultivo de seringueiras enfileiradas facilita a extração do látex. Na floresta amazônica, seringueiros precisam percorrer até 10 km por dia para alcançar árvores espaçadas, tornando a atividade menos competitiva.
A concorrência desleal desvalorizou o trabalho dos seringueiros, que ao longo do tempo enfrentaram exploração severa e regimes de semi-escravidão por endividamento. Como resultado, muitos abandonaram os seringais, marcando o declínio de uma prática antes central na economia amazônica.
Hoje, a ilha de Marajó, onde mora Valcir Rodrigues e sua família, enfrenta desafios socioeconômicos significativos, já que o local possui um dos piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do Brasil. Para ajudar a mudar essa realidade, a empreendedora social Zélia Damasceno fundou, junto com seu marido Francisco Samonek, a Seringô, uma iniciativa voltada para incentivar a bioeconomia na região. “Os moradores do Marajó estavam precisando de uma renda”, explica Zélia, destacando a importância do projeto para promover a economia sustentável na Amazônia e oferecer oportunidades econômicas às comunidades locais.
A Seringô recentemente recebeu apoio do governo do Pará para expandir suas atividades, com a meta de alcançar 10 mil seringueiros no Marajó como parte de um programa de desenvolvimento sustentável. O lançamento da iniciativa ocorre em preparação para a COP30, conferência climática da ONU prevista para novembro em Belém. Apesar dos avanços, Damasceno reconhece desafios a serem trabalhados continuamente, especialmente na conscientização dos jovens. “Tem jovens no Marajó que não querem seguir esse caminho do seringueiro. Ainda falta para conscientizá-los, é um trabalho importante para preservar a floresta e o seu futuro”, conclui.
Projeto de revitalização de seringais
Um projeto de lei que institui a Política Nacional de Revitalização e Diversificação dos Seringais Amazônicos já está em tramitação na Comissão de Meio Ambiente. O projeto busca incentivar o uso diversificado da borracha natural e agregar valor à cadeia produtiva. O foco é em transformar economicamente e socialmente as comunidades que dependem da seringueira e ao mesmo tempo promover a preservação florestal, evitando a substituição de seringais por atividades menos sustentáveis.